Foi na Lomba do Loução, Nossa Senhora dos Remédios, concelho da Povoação, que cresceu até aos 14 anos. Teve “uma infância num meio rural muito distante, periférico”, aponta, enquanto assegura nunca lhe ter faltado o “calor” e o “amor” da família onde nasceu a 23 de junho de 1965. Aos 14 anos, rumou a Ponta Delgada para prosseguir os estudos na Escola Secundária Antero de Quental. Foi na casa de uma das suas irmãs, na Calheta, que ficou até concluir o 12º ano, em 1983 Como bolseiro, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. “Consegui bolsa, foi a primeira vez que andei de avião na minha vida, a primeira vez que andei de comboio”, recorda José Manuel Bolieiro. “Felizmente encarei esse desafio com grande vontade” e “gostei muito”, acrescenta.
Finalizou, depois, o curso de Direito em 1988, onde procurou ser um estudante que queria “saber e compreender”, até que decidiu regressar aos Açores onde começou a trabalhar na presidência do Governo dos Açores, como consultor jurídico.
Na política diz que se iniciou com o incentivo de amigos, destacando a influência de Vítor Cruz. Começou primeiro como independente, passando depois a militante da Juventude Social Democrata e depois no PSD. Inicialmente na terra que o viu crescer, na Povoação, mais tarde já na presidência da Câmara Municipal de Ponta Delgada até chegar a presidente do Governo dos Açores.
Ao nosso jornal confessa que atualmente não lhe sobra muito tempo livre mas gosta de andar de mota. Atualmente ocupa praticamente todo o seu tempo “à causa pública”, porém, realça que o que conta é a “consciência” de estar a dedicar-se, no melhor que sabe, “para servir bem os açorianos”.
DL: Como é que tomou a decisão de se candidatar a líder do PSD/Açores em 2019?
Foi difícil porque eu era presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, estava focado no meu desempenho como autarca. Mas, por outro lado, sentia que podia dar o meu contributo face a tantos incentivos. Foram as circunstâncias e era o meu dever, perante o apelo e a oportunidade de devolver uma certa unidade ao PSD. Tive que, assim, dedicar-me a um trabalho difícil de projetar o partido para se afirmar como alternativa de governação.
Eu senti que era importante e possível, e fruto também das minhas convicções ideológicas.
Um partido que tinha acabado de sofrer uma crise de liderança, que estava relativamente desagregado, que há 24 anos estava na oposição, cria reservas de confiança. E agregar as pessoas com a convicção e alguma coragem para exporem a sua diferença e a afirmação da nossa alternativa coletiva, foi difícil. Mas foi-se conquistando aos poucos.
DL: Houve quem duvidasse da sua capacidade em manter o Governo. Qual tem sido o segredo?
Muita paciência democrática, humildade e capacidade de aceitar as diferenças, logo que elas não sejam deturpadas da matriz principal do nosso percurso e possam ser absorvidas. É o tal espírito de que nós não estamos aqui num eleitoralismo, pois tendo a responsabilidade do essencial da sua doutrina, da sua mensagem, do seu projeto que deve ser cumprido, pode e deve-se ter flexibilidade para, num quadro de denominadores comuns, introduzir outras ideias. Nem sempre são ideias novas, mas ângulos de visão relativamente diferentes e mais catalizadores e, num caso ou outro, até disruptivos. Eu quando falo na capacidade de envolver as pessoas, não é apenas do lado do decisor, é o lado do decisor e do destinatário das decisões. Ao serem envolvidos, a decisão tem mais capacidade de ter sucesso e eficácia.
DL: Considera-se um presidente de consensos?
Eu procuro fazer isso. E eu direi que sim, eu gosto dos consensos.
Os consensos são, para mim, a melhor maneira de um decisor encontrar realização no destinatário da decisão. Portanto, eu quando falo no consenso, ou na capacidade de ideologia de envolver as pessoas, não é apenas do lado do decisor, é o lado do decisor e do destinatário das decisões. Porque sem terem envolvidos com isso, a decisão tem mais capacidade de ter sucesso e eficácia do que propriamente ter um exercício autoritário e depois bater na parede por resistência e até repúdio dos destinatários das decisões.
DL: Como encontra tempo para si e o que é que faz nos tempos livres?
Infelizmente, tenho dedicado muito do meu tempo à missão. Gosto de andar de mota. Obviamente gosto da minha família, mas para que saibam, estou divorciado, tenho duas filhas adultas, e portanto vivo sozinho. E isso tem-me permitido ter mais dedicação à causa pública. Eu não tenho vícios. Gosto de andar de mota mas passeio muito pouco. E não tenho tirado férias de longa duração, são muito poucas, e portanto tenho tido pouco descanso.
Mas o que me conta é o meu estado de alma e a minha consciência. Por isso, tenho tido pouco tempo para mim, mas também tenho a minha consciência de que neste espírito de missão tenho feito e dedicado o meu melhor para fazer e servir bem aos Açores e aos açorianos.
DL: Neste tempo de governação, qual foi o momento mais difícil?
Foram vários. Tivemos que ser inovadores, pioneiros neste processo democrático de pluralidade partidária na governação. No início havia o medo, a proibição, o condicionamento da vivência das pessoas, tendo em conta um controle epidemiológico. Quase simultaneamente, o risco de fechar as portas da SATA, que é uma empresa decisiva para a mobilidade dos açorianos. Também as dificuldades financeiras, toda a despesa com a pandemia. Ter que salvaguardar empregos, a sustentabilidade e segurança das empresas, tudo isto foi muito penoso. E muitos achavam que o Governo não ia durar seis meses, mas fomos, paulatinamente, construindo soluções. Também a situação com a crise sismovulcânica em São Jorge, na qual tivemos uma boa gestão. Aí ficou claro que a linguagem tinha que ser igualmente verdadeira e científica. Depois, o chumbo orçamental, os seis meses sem orçamento, as novas eleições em que penso que houve uma dose de irresponsabilidade, pois não posso negar a evidência de que o Partido Socialista (PS) achava que com novas eleições voltaria ao poder. A coligação foi testada, ganhamos novamente. Aliás, mais do que isso, o PS voltou a perder as eleições.
DL: E as críticas ao hospital modular? Acredita que é a melhor opção?
Sobre questões de grande especialidade técnica, prefiro ouvir quem sabe e não quem tem opinião sem conhecimento. Intuições, perspetivas de um determinado ângulo, são possíveis e até respeitáveis, mas outra coisa é a amplitude essencial da solução.
Relativamente a tudo que aqui já relatei, faltava o incêndio no HDES. É a verificação dos impactos, que não é de construção civil, é do sistema, dos equipamentos, das redundâncias, da certificação e de toda a logística que é necessária para tratar as pessoas, pois ter doentes com cuidados de grande sensibilidade com obras ao lado, é um absurdo. Estamos a falar de garantias de segurança, não é preciso ser cientista para perceber isso. A própria preocupação que eu senti nos testemunhos dos clínicos, entre os da direcção clínica, com o consenso maioritário, em que a prioridade era a segurança do doente. Não é o cêntimo, nem o milhão, mas sim a segurança. A estrutura clínica fez as suas avaliações e entendeu que esta é a melhor solução. O modular serve, porque tem garantia de qualidade e, por outro lado, pode ser deslocalizado e utilizado no futuro em outros lugares em São Miguel ou até em outras ilhas. Estou convencido que fizemos bem.
DL: O PS acusa-o muitas vezes de estar refém do Chega. Sente-se refém?
Eu habituei-me, infelizmente e em certa medida, a essas acusações. Mas, quem se afirmou disponível para viabilizar a estabilidade do mandato foi o Chega, e tem sido leal. Isto não quer dizer que se confunda com a governação, que pense como o governo pensa. Até discutem muitas diferenças, mais com o CDS e PPM. Torna-se difícil esse trabalho, mas tenho que reconhecer que o diálogo tem permitido a estabilidade governativa. Há algumas coisas em que são absolutamente diferentes, porque obviamente manifesta-se como um partido anti-regime. Não me sinto refém, porque tenho sentido a responsabilidade e a concretização de um esforço por parte do Chega, que é decisivo no apoio à estabilidade governativa, seja na aprovação ou na viabilização do programa de governo, na aprovação das orientações a médio prazo ou dos planos de orçamento anuais.
DL: Na Lagoa já temos um Centro de Saúde, recentemente levantou-se a questão da criação de uma associação de bombeiros. Vai ser este Governo a resolver esta lacuna?
Eu nunca vi uma grande reivindicação relativamente ao Centro de Saúde na Lagoa. Fui eu, pela minha convicção, numa ideia de mudanças de paradigmas, pois não faz sentido, na ilha de São Miguel, termos seis concelhos e um deles não ter um Centro de Saúde. Aproveitando as instalações e as capacidades instaladas no posto de saúde, apostamos numa remodelação do edifício e reconfiguração da gestão de recursos humanos técnicos diferenciados. Esta governação fez o que foi sempre recusado, pelos anteriores governos, em 24 anos de PS.
Relativamente à constituição, ou não, de uma associação de bombeiros, essa cabe ao domínio da iniciativa privada. Deve ter, na minha opinião, um forte financiamento do poder local para a sua sustentabilidade. Entendo, por isso, que é importante termos uma estratégia de protecção civil de proximidade, mas deixo isso no domínio do impulso cívico da população da Lagoa. O que posso garantir é que da parte do governo terá de existir apoio. Isso envolve muita despesa, o que me parece é que se pode otimizar as capacidades instaladas e até reforçá-las. Vejo com bons olhos se houver este impulso e a garantia da sustentabilidade. Se surgir, o governo estará cá para contribuir como tem feito com todas as outras associações de bombeiros.
DL: Como imagina os Açores daqui a quatro anos?
Com oportunidades devido à sua geografia, quer seja na modernização, na qualificação humana, na dimensão marítima e espacial, associada às novas tecnologias, à ciência, à investigação e ao digital, onde pode existir uma grande oportunidade para o país e para a Europa. A economia azul, a economia espacial, a economia da inovação e da investigação tecnológica, a exploração e o conhecimento do mar profundo e das oportunidades espaciais são fundamentais para os Açores. E, também, enquanto destino turístico e arquipélago de sustentabilidade. Isso permite-nos criar riqueza, porque é o consumidor que vem a ter connosco e consome o nosso produto de valor acrescentado. Trata-se de transformar os Açores numa região de oportunidades.
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