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 “Portugal não é um país para idosos”

Especialista em Serviço Social conta-nos sobre o seu percurso e como o seu saber leva-o a ficar preocupado com o futuro do país e do mundo

Professor e investigador, Eduardo Marques, de 58 anos, é natural de Coimbra mas em 2018 mudou-se para os Açores © DL
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Nasceu e cresceu em Coimbra, onde viveu a maior parte de sua vida. A 1 de janeiro de 2018 mudou-se para a ilha de São Miguel para romper com a “rotina profissional”. Escolheu os Açores para viver nesta nova fase da sua vida e apenas alguns meses depois a sua esposa e filha juntaram-se à nova aventura. Tem 58 anos e é professor e investigador na área de Serviço Social, na Universidade dos Açores.

Considera-se “um sonhador” e “uma pessoa preocupada com a natureza, com o futuro do mundo e com o desgoverno deste nosso planeta”.

“Incomoda-me ver tanta injustiça social, tanta desigualdade social e, nesse contexto, acho que estou na profissão certa, no sentido de poder ser protagonista, poder ser ator, poder colaborar, de alguma forma, para a transformação do mundo ou para que este mundo seja um lugar melhor”, afirma ao Diário da Lagoa (DL).

Eduardo Marques conta que sempre esteve ligado ao associativismo, tudo porque o seu objetivo sempre foi “ligar a teoria à prática e, com a prática, poder construir outras teorias” uma vez que “repetir aquilo que já existe”, não o estimula.

O professor e investigador revela uma tripla faceta, a “de professor e investigador que cria conhecimento e que escreve, oferece o conhecimento às atuais e futuras gerações do Serviço Social, não só numa perspetiva regional ou nacional, mas muito focada numa perspetiva internacional”. Numa entrevista de quase duas horas, nesta edição revelamos algumas das suas respostas.

DL: Porquê os Açores?
Foi uma escolha. Já tinha vivido mais de 50 anos em Coimbra. Nasci, estudei e trabalhava lá, mas andei sempre pelo mundo todo. Conheço quase 100 países e sempre me senti um cidadão do mundo. Não só por projetos, mas também porque dei aulas em diversas universidades europeias. Por exemplo, trabalhei muito com a Noruega, com a Itália, com a Áustria e com a Espanha, onde inclusive concluí o meu doutoramento. E sempre tive essa vontade de explorar mais o mundo, de conhecer outras realidades.

DL: Foi convidado pelo Governo de Timor-Leste para desenvolver um programa de voluntariado de competências. Pode contar-nos em que consiste?
Precisam de médicos, de enfermeiros, de professoras, de educadoras. E, nesse sentido, está-se a tentar desenvolver um programa vinculado aos timorenses, para levar daqui recursos. E uma das questões que eu coloquei é que gostaria de levar, pelo menos anualmente, um professor ou um profissional daqui e um aluno para criar estes diálogos entre quem sabe alguma coisa, quem já tem uma grande experiência profissional. E, é claro, quando surge esta possibilidade de poder contribuir para o bem-estar, para o desenvolvimento de outros países, para mim, é o ideal neste sentido de poder ser útil. A gente vai e deixa o nosso conhecimento, a nossa experiência, as nossas vivências, mas vimos lá muito mais ricos.

DL: Está ligado à questão ambiental. Como pode o Serviço Social contribuir para essa causa?
O compromisso do serviço social é com o desenvolvimento humano, com a criação de bem-estar, combater injustiças sociais. Hoje em dia não há possibilidade de combater as injustiças sem termos em consideração o respeito e a preservação dos ecossistemas e da natureza. Vivemos uma crise climática profunda que está a gerar milhões de desalojados, pobres e pessoas deslocadas. Não há outra forma se não trabalharmos em simultâneo com as questões ambientais. É trabalhar na prevenção, na ajuda após a catástrofe e, depois, o mais importante, trabalhar na recuperação das comunidades no pós-catástrofe.
Os assistentes sociais devem colaborar na educação ambiental, pois temos que preservar, temos que educar, temos que sensibilizar. Temos de criar uma lógica de reciprocidade de olhar para a natureza como nossa parceira, como a nossa casa comum, como algo do qual fazemos parte. Por vezes esquecemos que somos natureza, não há nós e a natureza, pois tudo faz parte do planeta, nós somos natureza.

DL: Portugal é um país envelhecido. Devemos ficar preocupados?
Portugal é um dos países mais envelhecidos e temo-nos descuidado e invisibilizado esta realidade que nos está a impactar e que vai criar um grande stresse no sistema de pensões. O nosso foco decididamente deve deixar de ser o dinheiro para passar a ser efetivamente as pessoas e o seu bem-estar. Portugal não é um país para idosos, ou seja, é um país que os maltrata e isso é vergonhoso. Como é que 50 anos depois do 25 de Abril, continuamos por não cumprir Abril, a não cumprir a Constituição da República Portuguesa? Isso choca-me e envergonha-me, pois continuamos a tratar os idosos como pessoas de segunda categoria. Essa desumanização é uma falta de respeito para com eles depois de tudo fizeram por nós. As pessoas idosas têm direito à segurança económica, portanto deixem-se de pensões de miséria. Aquilo que temos de fazer é dar-lhes segurança económica e isso resulta de terem pensões que lhes permitam viver com dignidade. E não me digam que é uma questão de dinheiro, pois o governo português mostrou que pode mandar milhões para uma guerra absurda e injusta, uma guerra por procuração que cumpre objetivos ocidentais e ninguém contesta.

Os idosos precisam mais do que alimento, cama e roupa lavada, eles precisam de ser tratados com dignidade, de ter a sua liberdade e de ter a sua autonomia para não sofrerem com o isolamento ou solidão. Os idosos devem poder conduzir a sua vida, viver e participar na sua comunidade. Eu diria que ainda há muito para fazer, embora reconheça e elogie o esforço de muitos diretores responsáveis por instituições que trabalham no campo do envelhecimento.

DL: Enquanto especialista em Serviço Social alguma vez foi contactado, por exemplo, pelos políticos, para contribuir com o seu saber para a legislação regional?
Nunca me pediram nenhum tipo de contributo ou de opinião e não têm que fazer, mas penso que podiam ouvir os especialistas do Serviço Social. Acabo, por exemplo, por ser mais requisitado por universidades americanas e noutros países. Recentemente em Espanha aconteceu o primeiro encontro de Assistentes Sociais em Desenvolvimento Comunitário e em Serviço de Comunidades, e é um bocadinho paradoxal como é que lá sabem que eu existo. Cá ainda há uma visão muito limitada, pensa-se que o Serviço Social é caridade, mas é muito mais do que isso e deveria ser um instrumento de transformação social, um parceiro na procura do diagnóstico de problemas e soluções. No fundo devia haver mais diálogo entre saberes, mas sempre nessa perspetiva de transformação social e menos de academismo. Ainda se valoriza muito o status quo, precisamos de criar mais comunidade. Eu diria que todos somos relevantes, mas o importante é aquilo que fazemos todos juntos.

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Clife BotelhoDiretor

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