Filho de peixe sabe nadar. O dito é antigo e toda a gente conhece. Numa versão aplicada à família Simão pode ser adaptado para ‘filho de goleador, sabe marcar’. Esta é a história de Rodrigo, filho, e de Emanuel, pai. O Rodrigo é avançado e joga no Operário onde é treinado por Emanuel, também ele um antigo avançado com história no futebol regional. Os dois querem deixar a sua marca no clube da Lagoa.
“É sempre uma relação especial, mas ele sabe quando entra aqui dentro eu sou treinador dele e não o pai e também sei quando entro que ele é o meu jogador e não o meu filho”, começa por dizer Emanuel Simão ao Diário na Lagoa, numa conversa no estádio João Gualberto Borges Arruda, no Rosário. O treinador do Operário recorda que a situação não é inédita: já tinha treinado o filho durante duas épocas no Águia dos Arrifes. E aí a relação até deu frutos. No primeiro ano de sénior, ainda com idade de júnior, Rodrigo Simão marcou 17 golos no campeonato dos Açores. Aprendeu rápido com quem sabe.
“Para mim ter o meu pai como treinador é muito especial, já é o terceiro ano que isso acontece e as coisas para mim já estão muito normais. É como o meu pai diz: aqui sou jogador dele, ele é o meu treinador, dali para fora eu sou o filho dele e ele é meu pai”, afirma Rodrigo Simão, que está emprestado pelo Santa Clara ao clube da Lagoa. Mesmo no calor do futebol, o avançado garante que se consegue “controlar” quando surge “aquela vontade de mandar o treinador para longe”.
Também, diz, não cai na tentação de dar dicas ao pai sobre como devem ser os treinos. “Treinos é da parte dele, ele nesse espeto trabalha muito bem e eu só tenho é de respeitar”, diz. “Tomara!”, responde de imediato o pai, quando o filho ainda mal tinha acabado a frase. Nesta família, a marcação é cerradíssima.
Futebol não entra em casa
No início, nos tempos do Águia, Emanuel Simão recorda que a relação entre pai/filho e treinador/jogador foi “mais complicada”. Agora é “normalíssima”. “Ele é um jogador igual aos outros. Muitas vezes há pessoas que não pensam o mesmo, mas isso é de mentes pequenas”. Talvez tenha sido essa aprendizagem que os fez tomar uma decisão: o futebol é dentro das quatro linhas e não entra dentro de casa.
“Em casa, falamos pouquíssimo do Operário e de futebol. Já basta aqui, onde perdemos muito tempo das nossas vidas”, explica Emanuel Simão, assinalando que se quisessem, também não teriam autorização para discutir futebol: “raramente falamos de futebol em casa, mesmo a mãe não deixa”, diz, soltando uma gargalhada.
Mas nem sempre foi assim. Houve tempos em que o futebol fazia parte da rotina da casa da família Simão. “Sempre fui habituado ao futebol, sempre cresci a ver os jogos do meu pai, foi a infância toda no futebol. Estou nisto desde os cinco anos, já faz parte da minha vida”, afirma Rodrigo Simão. O pai fez carreira no futebol regional. Foi um avançado mítico. Começou no Santa Clara, passou pelo Operário, União Micaelense, Santo António, Santiago, Rabo de Peixe, Capelense e Sporting Ideal.
E a influência passou para o filho – mas não foi logo e já. Emanuel recorda a história: “o Rodrigo era muito apegado e não gostava de estar com ninguém e eu levei-lhe ao Santa Clara, Marítimo e ele nunca quis ficar. Só por um intermédio de um amigo, na altura da pré-primária, é que ele acabou por ir para o São Roque e aí ficou muitos anos”.
Fazer história no Operário
Foi também no Desportivo de São Roque que Emanuel Simão começou a carreira de treinador em 2011, ainda nos escalões de formação. Nove anos depois chegou aos seniores do Operário com a missão de voltar a levar o clube aos nacionais. “Quando chegamos, apanhamos, e talvez vou ser um bocado duro, um Operário de rastos. Ao nível de organização, de plantel, de tudo”, salienta o treinador. Para esta época conseguiram formar uma “estrutura boa” e uma “equipa com qualidade para ser campeã”, contudo, ainda é preciso dar tempo ao tempo: “é uma equipa nova que leva tempo a assimilar as ideias do treinador e o treinador demora tempo a conhecer os jogadores”, ressalva.
A covid-19, que até infetou um jogador do plantel, “estragou” os planos do treinador, porque a equipa estava a “conseguir levar gente ao estádio” e a “recuperar a mística” do clube. “O Operário tinha perdido a sua mística. Temos de ir buscar isso outra vez e ser fabris, trabalhadores, guerreiros”. Mas o objetivo está bem marcado: subir de divisão. Para isso, o mister conta com Rodrigo Simão, que chegou esta época ao Operário depois de uma experiência no Benfica de Castelo Branco e no Sporting Ideal. Está ainda a recuperar de uma lesão, mas depois promete muitos golos com o emblema fabril ao peito. “Infelizmente, ainda não consigo estar a cem por cento, estamos a tentar resolver e quando resolver vou dar muitas alegrias aos adeptos do Operário”.
O contrato profissional com o Santa Clara termina esta época e por isso Rodrigo não consegue fazer previsões a muito longo prazo. Não esconde o “sonho” de fazer vida do futebol, mas tem bem presente as dificuldades que tal implica. “Como não sei se vão renovar, gostava de ir para a universidade, gostava de tirar desporto, tenho de lutar pelo meu futuro”. E se o Santa Clara renovar o contrato? “Aí há-de se ver”, responde.
Já o pai, quanto ao futuro, não vai por menos: quer fazer história no Operário. Quer, não. Vai. “Tenho a certeza absoluta de que vou fazer história aqui no Operário ao ser a primeira pessoa como jogador e como treinador a subir o clube dos regionais para os nacionais”, afirma, sem rodeios.
Sobre o futuro do filho, a resposta é igualmente taxativa: “no futebol há muitos lobbys e por isso é muito complicado. Eu quero é que ele seja feliz, seja no futebol ou noutra profissão qualquer, o resto não importa”. E bola para a frente: o que importa é marcar golos, seja dentro ou fora de campo. E golos é com a família Simão.
Rui Pedro Paiva
(Reportagem publicada na edição impressa de dezembro de 2020)
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