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O percurso de Mário Roberto: a arte como necessidade vital e fonte de prazer

Mário Roberto é um artista que desafia rótulos e categorias. Jornalista, ator, cineasta, pintor e ilustrador, a sua vida tem sido um constante movimento entre diferentes formas de expressão. Para ele, a arte nunca foi um meio de sobrevivência, mas uma necessidade vital

Mário Roberto tem 63 anos e é natural de Vila Franca do Campo © DL

No início da tarde, em dia de semana, a Rua Pedro Homem, em Ponta Delgada, enche-se de movimento e histórias. Um pequeno ateliê de arte, de porta aberta, chama a atenção de quem por ali passa. A Traça é um espaço repleto de telas e pincéis.

Neste microcosmos criativo, Mário Roberto, que dá as boas vindas a quem mostra interesse em entrar, movimenta-se com naturalidade, como se a arte fosse uma extensão de si mesmo. Para ele, criar não é apenas um ofício, mas uma necessidade, uma forma de se expressar e encontrar prazer na vida. Quisemos conhecer a sua história.

Desde cedo, Mário Roberto, 63 anos, natural de Vila Franca do Campo, demonstrou aptidão e criatividade para a escrita. Aos 12 anos, começou a publicar textos em jornais locais. A sua paixão pela literatura foi incentivada pelo pai, professor, que sempre lhe ofereceu livros e o incentivou a explorar o universo das palavras. Os seus primeiros contos, apesar da sua pouca idade, chamavam a atenção pelo conteúdo por vezes provocador. Lembra-se com humor de quando um de seus textos foi considerado “atrevido demais” para um jornal religioso, o que não o desmotivou, mas sim o desafiou a continuar a escrever.

A escrita acompanhou-o ao longo da vida. Nos anos 80, Mário aprofundou-se na ilustração e começou a colaborar com suplementos literários, criando desenhos para matérias e contos. O seu talento para o desenho levou-o a experimentar diferentes técnicas, incluindo tinta da china e aguarela. Foi um caminho natural até à pintura, com exposições que lhe renderam reconhecimento no meio artístico.

A arte em cena: teatro e cinema

O teatro também entrou na sua vida como uma extensão do desejo de contar histórias. Desde pequeno, esteve envolvido em encenações religiosas e na adolescência começou a participar ativamente em grupos teatrais. Durante o período escolar, juntou-se a um grupo ligado à sua escola e aprofundou a sua relação com as artes cénicas. Atuou em diversas peças e experimentou a direção, sempre à procura de novas formas de expressão.

O cinema também exerceu um grande fascínio sobre Mário Roberto. Inicialmente, a sua relação com a sétima arte era a de um espectador apaixonado, mas, com o tempo, passou a experimentar a criação de vídeos e filmes independentes. O seu trabalho como cineasta, embora menos conhecido do que as suas outras facetas artísticas, reflete a sua constante inquietação e vontade de explorar novas linguagens.

Questionado se o seu percurso fosse um roteiro de um filme, qual seria o seu enredo, Mário Roberto expõe: ” uma história de um gajo irrequieto”, que procura prazer naquilo que faz.
Mário Roberto trabalhou também na área do jornalismo, durante 14 anos. No entanto, o ritmo acelerado da profissão começou a pesar e a ausência de satisfação pessoal levou-o a repensar o seu trajeto.
“Quando percebi que já não sentia prazer no que fazia, vi que era hora de sair”, diz ele. Essa decisão não foi fácil, mas abriu caminho a novos desafios e a uma reaproximação com as artes plásticas.
Agora em papéis invertidos, perguntamos ao artista qual a pergunta que faria a si próprio? Mário Roberto refere os planos para o futuro, respondendo a si próprio: “o meu plano para o futuro é envelhecer o melhor possível, com qualidade”.

A criação do Rotas e a arte nas ruas

Com o desejo de empreender na área cultural, uniu-se a Catarina e João Pacheco Melo para fundar o Rotas, um espaço que nasceu como casa de chá, mas evoluiu para restaurante e centro cultural. Durante anos, o Rotas foi palco de exposições, apresentações musicais e eventos culturais. No entanto, a parceria acabou por chegar ao fim e Mário seguiu outro rumo.
Foi então que decidiu levar a sua arte diretamente ao público. Armado com papel e tinta, passou a desenhar caricaturas para turistas nas ruas da cidade. A experiência, apesar de desafiadora financeiramente, trouxe-lhe uma nova perspectiva sobre a relação entre arte e sustento. “A arte é complicada, devia ser mais apoiada”, reflete. Ainda assim, ele manteve-se fiel ao princípio de só fazer aquilo que lhe dava prazer.

O nascimento da Miolo e da Traça

Em 2015, juntou-se a Vítor Marques para criar a Miolo, um espaço de arte que se transformaria, anos depois, na Traça – studio gallery. O nome escolhido reflete bem a sua filosofia: traçar planos, desenhar ideias e seguir caminhos próprios. Na Traça, ele encontrou um refúgio para produzir e comercializar as suas obras, além de promover eventos e colaborações com outros artistas.
A Traça tornou-se um ponto de encontro para amantes da arte, oferecendo desde pinturas e ilustrações até produtos personalizados. O espaço reflete a diversidade de interesses de Mário Roberto e sua insistência em transformar a paixão em modo de vida.

O privilégio de viver da arte

Hoje, Mário Roberto segue a sua rotina artística na Traça, sempre explorando novas possibilidades. Seja a pintar, escrever, atuar ou a filmar, o seu percurso reflete um compromisso com a autenticidade. Ele não se prende a rótulos nem procura reconhecimento acima da satisfação pessoal.
“Se eu gosto, se me interesso com alguma coisa, vou fazer”, afirma. Essa filosofia guiou a sua vida e permitiu que encontrasse felicidade no ato de criar, independentemente dos desafios financeiros. Para Mário Roberto, a arte nunca foi apenas um ofício, mas um modo de existir.

Questionado sobre que projetos ainda pretende concretizar, Mário Roberto responde: “queria fazer mais uns filmezinhos”.

O seu trajeto é um lembrete de que a arte, quando vivida com paixão e coragem, transcende barreiras e torna-se um estilo de vida autêntico e livre. Por isso mesmo, questionado sobre que conselho daria ao seu “eu” jovem, o artista afirma: “olha, Mário Roberto, faz o mesmo que fizeste até agora”.

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Mariana RovoredoJornalista

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