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O meu elétrico afinal é a Diesel

José Estêvão de Melo

Parece um paradoxo, mas infelizmente não é! Aproveitando a tendência, e os incentivos, associados à mobilidade elétrica, adquiri no final de 2024 um veículo de passageiros 100% elétrico, que tem cumprido muito bem o seu objetivo de redução de custos com combustível, o que para quem faz tantos quilómetros como eu é uma poupança mensal considerável. Para além desta poupança, veio associado um sentimento de contributo para a descarbonização e um melhor futuro ambiental, que rapidamente desapareceu quando analisei a fatura da EDA, tendo sido substituído por um sentimento de preocupação e alguma vergonha alheia.

Se lermos as letras mais pequenas que se encontram na fatura de eletricidade da EDA, estão discriminadas as fontes de produção para a energia consumida. Em Maio de 2025, 65.5% foi produzido a partir da queima de diesel, 32.2% por fontes renováveis, nomeadamente geotérmica, eólica e hídrica, e a restante percentagem para resíduos sólidos urbanos e outros. O que significa que o meu carro 100% elétrico é carregado com 65.5% de energia resultante da queima de gasóleo, com a agravante de ao contrário do ditado popular “que conta um conto acrescenta um ponto”, neste caso todo o processo entre a produção elétrica a partir de diesel na central até ao carro começar a andar, retira energia na forma de calor dissipado e outros desperdícios. Isto significa que o meu motor elétrico carregado com eletricidade produzida pela queima de gasóleo na central elétrica, tem uma eficiência menor comparativamente um motor de combustão cuja queima é diretamente transformada em força motriz, devido às percas existentes entre processo de produção elétrica na central e transmissão até ao motor do carro.

Esta análise, para além de mudar a forma como me refiro ao meu carro, tendo passado a ser um híbrido, deixou-me apreensivo com a situação energética dos Açores, que depende em dois terços de uma única fonte, para as suas necessidades elétricas, fonte esta não renovável. O recente apagão de Abril na Península Ibérica, pelo que se sabe até ao momento, teve como origem uma falha elétrica em Espanha, de quem Portugal importa cerca de 30% da eletricidade que consome. Não querendo entrar detalhe sobre a rede elétrica, que é um sistema incrivelmente complexo, esta oscilação na produção de 30% causou um apagão geral em Portugal. Estarmos dependentes em 65.5% de uma única fonte deixa-me apreensivo, e não sendo uma fonte renovável ainda mais.

Em termos ambientais e comparativamente a Portugal Continental, de acordo com a REN, a produção de energia em 2024 a partir de fontes renováveis foi de 71%, colocando Portugal no topo dos países europeus com maior produção de eletricidade a partir de renováveis, muito acima da média europeia de 46,9%, dados da Eurostat. Saber que nós estamos 15% abaixo da média, deixa-me algo envergonhado, quando sustentabilidade é das buzzwords mais repetidas atualmente.

É certo que não temos as mesmas condições para produção de energia eólica, solar e hídrica que o território do continente, mas também não temos as mesmas condições geotérmicas, e por isso acredito que é hora de olharmos a sério para a produção de eletricidade nos Açores.

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José Estêvão de MeloEngenheiro Informático

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