Um título roubado a um romance escrito por Charles Dickens, em 1861, muito estimado e considerado um clássico da literatura inglesa perante um imaginário tão belo quanto complexo, convertido em filme mais de 10 vezes, em peças de teatro e séries televisivas. É uma história com muitas camadas e temas clássicos, relevantes até à atualidade. Aborda questões sobre ambição, expectativas e sonhos, sobre a esperança, a resiliência, a arte de nunca desistir. A personagem principal, Finn, tem grandes esperanças para a sua vida e deseja ascender socialmente, tal reflete a busca por realização pessoal e o desejo de melhorar a própria condição em muitas pessoas na sociedade atual, o desejo da democracia.
O livro também explora temas como classe social e desigualdades. Finn enfrenta a segregação social e a influência negativa do dinheiro e do status na sociedade vitoriana, séc. XIX, relacionado com as disparidades sociais e económicas. Na época, o romance entre uma cozinheira e um médico jamais seria assumido e assinado como casamento. Será que já nada disso existe, atualmente?
Outro tema é a análise das relações humanas e da complexidade dos sentimentos. Finn desenvolve um interesse romântico por Stella, embora nunca correspondente, graças à disciplina estoica da menina fatal. Na verdade, o sentimento foi sempre recíproco, mas só tardiamente assumido por Stella, descrita como snobe, quase pedante, mas bela e inspiradora, a grande musa de Finn. Stella foi educada, isto é, manipulada para ser a mulher fatal, uma quebra-corações, por sua egoísta tia, outrora deixada no altar. Portanto, estes dois são como fantoches nas mãos de uma mulher amarga que se pretende vingar, não de um, mas de todos os homens. Estes são temas universais e atemporais, como: ambição, desigualdade social, busca por identidade e por amor.
Encantou-me, sobretudo, o filme de 1998, realizado por Alfonso Cuarón, com os protagonistas principais Ethan Hawke e Gwyneth Paltrow, acompanhado por uma fabulosa faixa sonora, composta por Patrick Doyle, e desenhos originais de Francesco Clemente. Nesta versão, Finnegan Bell (Finn ou Pip) é retratado como um artista talentoso desde a infância, mostrando habilidades excecionais no desenho. Essa característica é significativa para a compreensão da história, pois a expressão artística dele é um reflexo da sua sensibilidade e busca por beleza e significado na vida. Ele é um apaixonado, não só por Stella, mas por tudo o que o rodeia, desde o feio ao belo, desde a realidade ao sonho.
A paixão inevitável de Finn por Stella também é parte importante de sua personalidade, pois impulsiona-o a transcender-se, inspirando-o a criar obras autênticas e sublimes, pela sua simplicidade, as quais expressam os seus sentimentos mais profundos. Através dessa paixão, Finn descobre o poder transformador da arte. Este carisma artístico da personagem principal, um órfão, com parcas condições monetárias, ensina-nos que a arte tem o poder de nos ajudar a explorar e a compreender melhor o mundo ao nosso redor. É através da expressão artística que Finn é capaz de canalizar as suas experiências, emoções e visões de mundo nas suas obras, proporcionando um meio para o público se conectar com a sua própria humanidade. Se não fosse esta a sua habilidade, a personagem não seria tão densa e resistente perante as agruras, as seduções, as inquietudes; seria como o seu estimado tio pescador, embora alcoólico, ou o assustador criminoso Arthur Lustig, protagonizado por Robert de Niro, um prisioneiro fugitivo que, no final da trama, acaba por ser o mais caridoso, afinal, recompensando Finn por um pequeno mas grande ato de coragem e bondade, quando estava em debandada, anos atrás. Através de Finn, o público pode concluir que a arte é um veículo poderoso que nos permite explorar e comunicar a nossa própria visão de mundo, além de nos levar a um maior autoconhecimento e entendimento dos outros, incluindo a aceitação. São, precisamente, os desenhos de Finn (originais do italiano, Clemente) a emprestar toda uma estética naif, mas verdadeira e especial, a todo o cenário. O rapaz não sabia dançar, mas sabia desenhar muito bem. Enquanto designer, considero ser, este, um filme marcante, na sagaz capacidade em demonstrar a importância criativa e libertadora, através do desenho, da ilustração do mundo e dos sonhos.
– respeitar as pessoas e ajudá-las, como fez Finn com o prisioneiro, mesmo que a medo. A grande lição do criminoso para com a sociedade é o facto de ter sido o benfeitor do sucesso de Finn; ninguém mais ajudou o talentoso artista a não ser um fora da lei e ninguém mais teria ajudado o prisioneiro a não ser a criança;
– a realidade social pode definir um estatuto mas não a qualidade do ser humano. Felizmente, Stella aprendeu a lição a tempo de amadurecer e usufruir da felicidade junto de Finn, o mesmo não aconteceu com sua rica tia que morreu abandonada, na grande mansão “Paraíso Perdido”;
– viver o presente e não ficar ancorado no passado, isto é, se a vida nos atira pedregulhos, temos duas hipóteses, podemos arremessá-los a um alvo qualquer ou, com essas pedras, construir um castelo. A manipuladora tia de Stella não tinha o direito de estragar a vida dos outros; tinha o direito de emendar a sua.
– respeitar a individualidade, deixar crescer um indivíduo tal como é, fosse o tio de Finn um pescador alcoólatra, não estava escrito na pedra que Finn seria o mesmo ou que o tio era uma má influência. Na verdade, foi a bondade do pescador o que permitiu a Finn ser detentor de um grande carisma; esta pessoa simples nunca o limitou, sempre lhe deu asas – Só porque Stella cresceu num ambiente tóxico e manipulador, recheada de riquezas e mordomias, não significa que, também ela, tivesse de seguir o mesmo percurso ou que o seu coração estivesse enregelado. A vergonha por amar Finn foi reconhecida a tempo e Finn também chegou a Stella, a personificação da sua ambição, a tempo.
Em conclusão, um alavancou o outro e esta é a verdadeira esperança. A fé de que podemos ser o que quisermos, mais tarde ou mais cedo, sozinhos ou ajudados.