Em 2009, nas últimas eleições europeias, a taxa de abstenção atingiu nos Açores a cifra de quase 80% recorde absoluto de desapego pelo ato eleitoral europeu.
A primeira razão de ser desse desapego foi recentemente explicada por uma jovem politólogo nacional, Pedro Magalhães, que explicou ser Portugal o país europeu em que existe uma maior falta de capacidade de influência do eleitor sobre quem é eleito.
Em concreto, e tal como eu mesmo constatei na noite eleitoral europeia de 2009, enquanto eu com o meu voto na lista socialista pretendia eleger o candidato pelos Açores Luís Paulo Alves, na verdade o meu voto apenas contribuiu para eleger a última candidata socialista eleita, a Dr.ª Ana Gomes, algo totalmente contrário às minhas intenções.
Esta aberração do sistema político nacional – que ninguém no aparelho político nacional contempla emendar – é a razão de fundo do progressivo afastamento do eleitor da decisão política.
No caso das eleições europeias, as questões vão substancialmente mais fundo, porque o processo decisório europeu dá razões suplementares para esse desapego. A política económica e monetária europeia – conhecida entre nós como a política da austeridade ou a política da troika – foi aprovada pelo Parlamento Europeu em pesados pacotes regulamentares conhecidos pelas suas siglas inglesas, six pack e two pack.
Esta aprovação do Parlamento Europeu só existiu em função do voto unânime e empenhado dos partidos do arco governativo – O PP, o PS e o PSD sem rigorosamente nenhuma diferença entre eles.
No entanto, dentro de portas, o discurso desses mesmos partidos tem sido totalmente diverso, dependendo unicamente de estarem ou não no poder. Quando o PSD e o PP estavam na oposição, estes e o senhor Presidente da República explicaram que o país já não aguentava mais austeridade, garantiram que com eles não se iria aumentar impostos ou tocar no subsídio de Natal, enquanto o PS, no Governo, ia paulatina e envergonhadamente aplicando a política económica e monetária europeia.
Assim que se inverteram as posições no Governo, o discurso inverteu-se, com o PS a declarar que estava contra a austeridade e o PSD e PP a praticá-la.
Enquanto isso, uns e outros, de braço dado, no Parlamento Europeu, continuaram a aprovar toda a política económica e monetária europeia, nomeadamente a que mandata de forma rigorosa a atuação da dita troika, cujo último pacote legislativo foi aprovado em Maio de 2013.
Para tornar a charada ainda mais completa, exatamente os mesmos que legislaram toda a arquitetura política que dirige os trabalhos da troika entre nós, anunciaram uma pseudo-comissão de inquérito em que escassos meses depois de legislarem o curso de ação da troika pretenderam nada ter a ver com a sua atuação.
A generalidade do cidadão eleitor não conhece os pormenores de toda esta fraude política mas compreende que o sistema democrático não funciona e que aquilo que se pratica não é aquilo em que se vota, e por isso tende a reagir através da abstenção.
Na presente campanha eleitoral para as eleições europeias a situação continua a agravar-se, com os principais partidos políticos portugueses a fazer crer que as eleições nada têm a ver com a Europa mas apenas com um primeiro round das eleições legislativas em que os portugueses não têm realmente escolhas políticas a fazer mas apenas a do rosto do Primeiro-Ministro.
Isso não é contudo verdade, e toda a questão está em saber se vamos ou não conseguir furar o círculo de silêncio e opacidade que se aperta à nossa volta.
Aos portugueses, para além da opção entre a continuidade da atual situação – protagonizada pelos partidos do arco governativo que indistintamente votaram a atual política e vão continuar a fazê-lo se lhes for dado mandato para isso – e o arco da rejeição feito pelos partidos eurocéticos que querem mandar borda fora todo o acervo europeu, há uma alternativa reformista que não promete o paraíso mas promete mudanças substantivas à política económica e monetária europeia.
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