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Neuroplasticidade: tarde demais existe mesmo

José Estêvão de Melo
Engenheiro Informático

Costuma-se dizer que “nunca é tarde para aprender”. A frase é bonita e até inspiradora, mas nem sempre é verdade. Todos nós temos um grande potencial, é certo, mas acreditar que podemos aprender qualquer coisa, a qualquer momento da vida, é uma ilusão. Existem janelas que se fecham e não voltam a abrir-se.

As áreas cerebrais responsáveis pela perceção visual precisam ser estimuladas até uma certa idade crítica, geralmente entre os seis e sete anos. Uma criança que nasce com uma condição que a impede de ver, como cataratas congénitas, pode recuperar a visão se o problema for corrigido antes dessa idade. Porém, se a intervenção acontecer mais tarde, a visão dificilmente será restabelecida, mesmo que os olhos funcionem bem, isto porque o seu cérebro não “aprendeu a ver” e já não é capaz de o fazer. É duro aceitar, mas é assim que a natureza funciona.

Essa capacidade de adaptação e mudança chama-se neuroplasticidade. O termo “neuro” refere-se ao sistema nervoso central, e “plasticidade” significa maleabilidade, ou habilidade de se modificar. Cada vez que aprendemos algo novo, o cérebro reorganiza-se quimicamente, formando novas ligações neuronais. É graças à neuroplasticidade que somos capazes de aprender, reaprender e até recuperar certas funções perdidas.

A neuroplasticidade não desaparece com a idade, mas diminui progressivamente, e por isso diz-se que “burro velho não aprende truques”. Algumas janelas de aprendizagem fecham-se por completo, como a da visão, enquanto outras apenas se estreitam, exigindo mais esforço e tempo para se obter o mesmo resultado. É verdade que “tarde é o que nunca chega”, mas há aprendizagens para as quais será mesmo tarde demais, porque o momento certo para as adquirir já passou. Aceitar essa realidade é compreender que o tempo é um recurso finito e que tem que ser usado responsavelmente.

A adolescência é uma das fases críticas nesse processo. É quando o cérebro está mais recetivo, mais moldável e capaz de criar conexões duradouras. Por isso, pais e educadores devem estar atentos aos estímulos a que os jovens estão expostos e, igualmente importante, àqueles a que não estão expostos. O ambiente digital, embora repleto de benefícios, traz riscos subtis, mas profundos. Hoje, crianças com apenas dez anos têm acesso à internet sem restrições, algo que contrasta com o passado, em que éramos advertidos a não falar com estranhos. Agora, o “estranho” entra em casa através de um ecrã.

Para além dos perigos associados aos conteúdos não supervisionados, e o já muito discutido cyberbullying, existem evidências sólidas de outros maleficios associados à utilização excessiva de telemóvel e outros dispositivos semelhantes. A exposição prolongada à luz azul altera o sono, o fluxo constante de conteúdos digitais afeta o controlo de impulsos, e que a comunicação exclusivamente textual empobrece a expressão não verbal, todas estas, características importantes num adulto.

A falta de contacto direto e pessoal impede o correto desenvolvimento das capacidades de leitura de linguagem corporal, empatia, resolução de conflitos e lidar com situações difíceis. O uso constante de redes sociais e os seus likes, treina o cérebro a apreciar o retorno imediato e superficial em detrimento do reconhecimento duradouro resultante de esforço. A comunicação estritamente online dá a possibilidade de evitar por completo situações difíceis ou de conflito, levando a adultos que ao mínimo problema colapsam, porque nunca tiveram de lidar com pessoas ou situações difíceis na sua adolescência.

A verdade é que o tempo não volta. E, quando o cérebro deixa de estar preparado para certas aprendizagens, já não há como recuperá-las. Não é uma mensagem de desespero, mas de responsabilidade: o “tarde demais” existe, e o futuro depende do que fazemos antes que ele chegue.

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José Estêvão de MeloEngenheiro Informático

Comentários

  1. avatar Luis Gomes Gomes 21-10-2025 21:29:14

    Um artigo muito interessante e que está ba ordem do dia.

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