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Quem quer dar o Lajedo ao Santa Clara SAD?

André Silveira

Quem quer dar o Lajedo ao Santa Clara SAD? Porque razão se insiste numa decisão tão incompreensível? Esta é a pergunta que qualquer cidadão atento deve colocar-se perante um processo que, por mais voltas que se lhe dê, permanece incompreensível, e que se torna ainda mais grave quando recordamos que todos os grupos parlamentares se manifestaram contra, que em 2021 o grupo parlamentar do PSD, com exatamente as mesmas pessoas que hoje ocupam esses lugares, defendia que o equipamento fosse devolvido à comunidade escolar e aos clubes de formação, mas que agora, inexplicavelmente, defende o contrário. O caso ganha contornos ainda mais surreais quando vemos figuras, como um conhecido contorcionista político, que consegue defender qualquer posição, desde que isso lhe permita manter a sua posição, pouco interessado na (sua) coerência, nos princípios ou sequer no respeito pela memória do que ele próprio afirmou há pouco mais de três anos.

O protocolo agora conhecido confirma, sem margem para dúvidas, a desfaçatez de todo este processo: não há nenhuma contrapartida para a Região, zero, absolutamente nada, e perante esta evidência importa questionar porque razão se isenta uma empresa privada do pagamento de mais de duzentos mil euros em taxas, num momento em que todos os Açorianos enfrentam dificuldades crescentes, e em que a própria Região enfrenta constrangimentos financeiros tão sérios que deixam equipamentos desportivos e escolares sem manutenção adequada.

Ainda mais grave é perceber que se tentou, em paralelo, conceder terrenos a essa mesma empresa privada, precisamente numa zona onde está em projeto um loteamento habitacional público que é fundamental para dar resposta à falta de habitação que corrói a qualidade de vida das famílias e condiciona o futuro da juventude açoriana, o que só reforça a gravidade da promiscuidade política e económica em causa. Ou seja, a política pública, que devia proteger o interesse coletivo, tentou ser utilizada para beneficiar um interesse particular, à custa das necessidades mais urgentes da população. Inqualificável. Bem haja aos que a tempo o impediram.

E como se não bastasse, sabe-se que o Estádio de São Miguel e alguns terrenos envolventes preparam-se também para serem concessionados ao mesmo privado, tornando este processo ainda mais sensível e exigindo muita atenção por parte da opinião pública e das instituições. Concessionar sim, mas apenas em prol do interesse público, com regras claras e contrapartidas robustas para os açorianos, e nunca em condições obscuras que apenas servem um grupo restrito.

O cenário repete-se na Ribeira Grande onde a câmara municipal gastou cerca de quatrocentos mil euros num equipamento privado, investimento que em nada trará retorno para o concelho, nem em termos sociais, nem em termos económicos, nem sequer em termos de projeção desportiva, porque a verdade é que este tipo de opções não se fazem em prol da comunidade mas sim em prol de interesses muito concretos, que precisam de ser expostos e responsabilizados. É evidente que mais cedo ou mais tarde tudo isto será revertido, porque não há base legal, moral ou sequer política que sustente tamanha cedência do património coletivo, mas isso não chega, porque o essencial é perceber como se chegou a este ponto, quem tomou estas decisões, com que motivações e com que objetivos.

Torna-se por isso essencial que a Assembleia Legislativa dos Açores constitua uma comissão parlamentar de inquérito, que as entidades competentes, desde o Tribunal de Contas ao Ministério Público, façam o seu trabalho, que se investigue de forma profunda e consequente, porque a transparência e a dignificação da política regional exigem isso mesmo. Não basta indignarmo-nos, não basta denunciar, é preciso apurar responsabilidades políticas e, se for caso disso, responsabilidades judiciais.

O Lajedo não pertence a partidos, não pertence a empresas privadas, não pertence a dirigentes que usam a política como instrumento de conveniência pessoal: pertence à comunidade, pertence aos jovens que precisam de espaços para treinar e crescer, pertence a todos os açorianos que acreditam que o interesse público deve estar sempre acima dos interesses particulares. Se este caso servir para expor os mecanismos de promiscuidade que ainda subsistem na nossa autonomia, então terá ao menos a utilidade de nos obrigar a ser mais exigentes e a não aceitar que se brinque com o futuro de uma Região inteira. Os Açores merecem mais e melhor.

Comentários

  1. avatar Bruno Andrade 09-09-2025 20:50:58

    Muito bem! Que se retratem os Atores de tamanha aberração e que estejam preparados para as consequências.

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