
Tem 25 anos, é licenciado em Direito e mestre em Direito Administrativo e Administração Pública. É natural da Vila de Água de Pau e encontra-se atualmente a viver no Livramento. Embarcou na aventura de viajar até à Ucrânia e conta-nos como foi enriquecedora a experiência que viveu.
DL: Como é que surgiu a oportunidade de viajar até à Ucrânia?
Tudo começou porque vi uma notícia no jornal Público. Várias entidades estavam a organizar este grande evento internacional, que era levar 20 jovens portugueses, em conjunto com 20 jovens da Ucrânia, a Lviv, a capital europeia da juventude 2025. Enviei a candidatura e fui selecionado.
Partimos da Polónia, de Cracóvia, para a Ucrânia, com as recordações que levámos. Consegui levar uma carta escrita pelo presidente do Governo Regional dos Açores, uns lembretes da Câmara Municipal de Ponta Delgada e um crachá do Santa Clara.
Nós chegámos primeiro à fronteira com a Polónia, não saímos do autocarro, do qual era suposto sair. Apenas veio um agente ver os nossos passaportes e passámos. Depois houve a fronteira com a Ucrânia. No total, esperámos, mais ou menos, uns 45 minutos. Depois, quando estávamos já mesmo perto da Ucrânia, os militares entraram dentro do autocarro para carimbar os passaportes. Avançámos com escolta policial até Lviv.

DL: Recorda-se da paisagem ao entrar na Ucrânia?
Havia logo na entrada, quando entrámos na Ucrânia, campos muito grandes com casas dispersas. Passados 15 minutos, surgiu um pequeno cemitério com umas bandeiras e ficámos arrepiados. Inicialmente, estávamos num entusiasmo, mas depois, naquele instante, ficámos todos em silêncio. A nossa primeira iniciativa foi na Câmara Municipal de Lviv, onde fomos recebidos pelos organizadores, pelo presidente da Câmara de Lviv e pela embaixadora da Ucrânia em Portugal. Tivemos uma sessão de cumprimentos para nos conhecermos uns aos outros. No total foram cinco dias na Ucrânia. Vimos também o cemitério de Lviv, onde estão enterradas mil e duzentas pessoas.

DL: Foi uma chegada de choque em que a segurança era relativa?
Exato. Tínhamos protocolos de emergência em todos os nossos telemóveis: em caso de ataque aéreo, disparava os alarmes, também nas ruas, e íamos para um bunker. Se acontecesse alguma coisa, tanto podia ser durante a noite como de dia. Mas eu dormi completamente bem.
DL: Houve algum momento em que tenha sentido perigo?
Foi no penúltimo dia, quando tínhamos um plano de contingência em que, em última instância, se houvesse bombardeamentos à cidade, teríamos que sair de imediato para a Polónia. Estávamos numa espécie de conferência entre os jovens da Ucrânia e, a meio do evento, os nossos telemóveis tocaram devido a um alerta aéreo. A comunicação social tem muita frieza, e a primeira reação deles foi erguer as objetivas para capturar o momento. Havia um bunker para onde recolher, mas os ucranianos demonstravam que já estão habituados. É normal para eles. Então, nesse instante, estávamos com um ataque iminente e não sabíamos o que estava a acontecer ao certo. Fomos todos para o abrigo e lá, com mais calma, apercebemo-nos de que eram dois caças russos que tinham entrado no espaço aéreo da Ucrânia. Passados 30 minutos, recebemos outro aviso a dizer que estávamos seguros. Éramos um alvo porque a primeira-ministra estava no evento. E, passadas 12 horas, todo o edifício sofreu um ataque. Nessa altura, já estava no meu quarto, na cama, e por duas vezes ouvi a sirene. Tive que vestir uns calções e uma t-shirt à pressa e ir para o piso do abrigo. Ficámos quase uma hora dentro do abrigo, à espera de informações para sair em segurança. Acabámos por sair e despedimo-nos dos colegas ucranianos, com emoção. Estávamos em Lviv.
Depois dormimos no autocarro até acordar na fronteira com a Polónia e demorámos imenso tempo, talvez umas três horas, na fronteira, pois havia imensos carros.

DL: Pessoas a sair da Ucrânia?
Sim, pessoas a sair da Ucrânia. Demorámos imenso tempo para entrar na Polónia. Tivemos que sair do autocarro, tivemos que levar todas as nossas bagagens e fomos revistados. Nessa altura, não tínhamos qualquer passe diplomático, como tínhamos antes. É mais fácil entrar do que sair. Já dávamos o avião como perdido. Mas depois o autocarro arrancou a correr e deu tempo. Chegámos à Polónia e voámos para Portugal tranquilamente.
Conhecemos uns 20 jovens e, obviamente, existem alguns com quem criámos amizade. Há um jovem que conheci que é oriundo de Mariupol, que fica mesmo junto à fronteira com a Rússia. Uma zona complicada e que foi anexada em 2022. Ele fugiu com a família e pegaram fogo à casa dele. Perdeu tudo. Ele agora vive em Kiev e estuda lá. Ele contou-nos que alguém foi à casa dele e tirou fotografias, e que já estava reconstruída, mas que estava ocupada pelos russos. Era até tipo uma espécie de colonização.
DL: Como encara agora a resiliência das pessoas afetadas pela guerra?
Não sei como é que é possível. Por exemplo, conheci um jovem ucraniano na minha segunda residência universitária, em 2022. O nome dele é Rostyslav Ruslanovich Hutsol e chegou com 17 anos a Portugal como refugiado de guerra. E depois, numa conversa com ele, é que descobri a profundidade da história dele. Ele tem mais uma irmã, o pai é militar reformado e a mãe dele também era militar. Só que a mãe morreu no primeiro dia de guerra, no primeiro dia da invasão russa à Ucrânia. A sensação de ver aquele jovem e estar em contacto com ele, todos os dias, fez-me pensar que tenho de fazer alguma coisa por ele. Então, convidei-o para vir aos Açores no Natal, e ele veio em 2023, e no ano passado também. E vai passar o próximo.
DL: A ligação à Ucrânia continua?
Continua, e eu fiz-lhe a promessa de voltar à terra dele e ir à casa dele conhecer a família.
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