Carlos Caetano Martins
Dirigente Iniciativa Liberal Açores
Falhamos enquanto sociedade. Falhamos em transmitir valores de união enquanto povo. Falhamos em ensinar as pessoas a não serem manipuláveis. Falhamos em utilizar a escola pública para aquilo que deveria ser a sua principal função: formar cidadãos capazes de pensar, questionar e interpretar o que ouvem.
Precisamos de uma sociedade culta, não apenas em fórmulas matemáticas ou equações químicas, mas sobretudo em pensamento crítico. Só assim se combate o populismo que grassa em setores da nossa política, tanto à esquerda como à direita. Só assim se evita cair no “conto do vigário” de quem manipula factos, distorce números e vende ilusões impossíveis: milhares de viagens em poucos anos, festas inventadas ou slogans que soam bem, mas não resistem a uma simples análise lógica.
Este é um dos grandes problemas de Portugal: em vez de formar cidadãos críticos, estamos a formar papagaios — ecoadores de opiniões alheias, sem nelas pensarem um minuto. Esta falta de free thinkers abre espaço para outro fenómeno cada vez mais preocupante: a cultura de cancelamento.
O cancelamento tornou-se uma arma política e cultural. A última vítima veio dos Estados Unidos da América: Jimmy Kimmel, famoso humorista e há mais de 20 anos apresentador de um talk show em prime time, foi suspenso pela própria network após uma tirada sobre o assassinato de Charlie Kirk. A ABC, prestes a realizar um negócio de 6,2 mil milhões de dólares, suspendeu preventivamente o programa, receosa de represálias da administração Trump. Bill Maher, antecessor de Kimmel no mesmo programa, já tinha sido cancelado depois de uma piada sobre o 11 de setembro de 2001. Maher, com uma vasta legião de fãs, costuma enfrentar a fúria tanto da esquerda progressista — por questionar dogmas ideológicos — como de setores da direita conservadora, que rejeitam as suas críticas às políticas da extrema-direita. Mas a lista de cancelamentos é longa: J.K. Rowling, Dave Chappelle, Kevin Hart, Stephen Colbert, entre tantos outros. Carreiras postas em xeque não pelo que efetivamente disseram, mas pelo que outros interpretaram do que disseram — independentemente de estarem mais à esquerda ou à direita.
E aqui está o ponto crucial: quando queremos proibir alguém de falar, já todos perdemos.
Posso discordar de ti, posso até achar o que dizes moralmente repugnante, mas lutarei com toda a minha força para que continues a ter o direito de o dizer. Porque, se hoje alguém te cala, amanhã será a mim que alguém vai calar.
Tu és dono da tua boca. Eu sou dono dos meus ouvidos e da minha mente. Cabe-me a mim escolher o que ouço e cabe-me a mim discordar, refutar ou simplesmente desligar. O que não me cabe é exigir que se cale quem pensa diferente de mim.
A liberdade de expressão não existe para proteger o que é popular ou consensual. Existe precisamente para proteger o que é incómodo, o que desafia, o que provoca. Quando trocamos a liberdade pela segurança do silêncio, ficamos entregues a uma sociedade infantilizada, incapaz de distinguir o trigo do joio, presa em bolhas de conformidade.
Mais do que nunca, precisamos de cidadãos preparados para ouvir, pensar e discordar sem querer silenciar. Só assim teremos uma sociedade verdadeiramente livre.
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