No ensino existem Professores(as) e depois existem “Margaridas”. Não fomos uma turma fácil de lidar. Nenhum adolescente é fácil de lidar. A Professora Margarida ensinou-nos a ser e não somente parecer. Fez-me rir e chorar de emoção. Transmitiu-me que do passado se faz presente nos estudos/ciência.
O meu interesse pelo comportamento humano a ela o devo. Ensinou-me que as estantes terão de ter livros guardados de forma correta, caso contrário, quando um cair inevitavelmente cairão todos. Recordo-me de lhe querer transmitir todo o meu interesse nos testes, enquanto pedia-me para ser sintética.
Até hoje, a minha admiração prevalece e recordo-a muitas vezes enquanto escrevo. Decidi, por isso, recordar questionando-a depois do tanto que me deu a aprender com amor e, assim, ainda continua.
Quem é a Margarida?
Sou sonhadora, sensível e com emoções fortes. Adoro viver, valorizo muito a minha família e os meus amigos. Sou exigente comigo e com os outros, pouco tolerante, mas com um grande sentido de justiça. Moldada pelo tempo e pelas experiências e histórias que carrego, tento aproveitar cada dia da melhor forma possível e faço projetos como se fosse eterna.
Como surgiu o gosto pela psicologia?
Em parte, por influência de professores inspiradores — de Psicologia e de Filosofia; por outro lado, sempre tive muita curiosidade e fascínio pelo comportamento humano, interesse pelo autoconhecimento, desejo de me compreender a mim e aos outros.
Porquê ingressar no ensino da mesma?
A minha formação de base é Filosofia. O ensino da psicologia foi um desafio que tive de aceitar pois são os professores de Filosofia que lecionam Psicologia no secundário. O desafio foi aceite, fiz muito investimento como autodidata e fui-me apaixonando cada vez mais pela área. A partir daí quanto mais aprendia mais interesse me despertavam os temas relacionados com a mente, as emoções, os pensamentos, os comportamentos.
Este caminho que fui trilhando permitiu-me compreender-me melhor a mim mesma, e contribuiu para o meu crescimento pessoal. Este autoconhecimento também me permitiu compreender melhor o outro, desenvolver a empatia e melhorar as minhas relações interpessoais.
Como se sente a dar aulas?
Fui para o ensino por vocação e, durante muito tempo, senti um grande entusiasmo e paixão. Saía das aulas com o sentimento de dever cumprido e pensava que ainda que não chegasse a todos os alunos, poderia fazer a diferença na vida de alguns deles.
Ao longo dos últimos anos as coisas mudaram muito. Apesar de adorar dar aulas, ensinar pode ser desgastante, especialmente, quando há desafios como falta de interesse dos alunos e dificuldade em cativá-los. Esta realidade é mais evidente na lecionação da disciplina de Filosofia, pois no mundo atual, a busca de resultados práticos e imediatos, muitas vezes, supera a valorização do pensamento. A sociedade moderna incentiva soluções rápidas em vez de reflexões profundas. O avanço da tecnologia e das redes sociais promove informações instantâneas, muitas vezes deixando de lado o incentivo à reflexão crítica.
O que vê nos seus alunos?
Por um lado, talento, potencial, possibilidades de crescimento, desafios, transformações, curiosidade, criatividade, emoções; por outro lado, dificuldades, inseguranças, falta de motivação, baixa autoestima, dependência excessiva do professor, individualismo e muitos problemas emocionais não resolvidos.
Muitos destes aspetos não são apenas “negativos”, mas sinais de dificuldades que podem ser trabalhadas.
O pensam os seus alunos sobre as suas aulas?
Dizem-me, com frequência, que as minhas aulas passam rápido; que são aulas onde têm em alguma liberdade, que podem participar e partilhar algumas vivências e preocupações. Julgo que isso tem a ver com o conteúdo das disciplinas que leciono. Na Filosofia porque promovo muito a reflexão sobre temas da atualidade, fazendo a ponte com os conteúdos programáticos; na Psicologia sentem mais motivação porque as temáticas lhes são familiares, mais suscetíveis de os cativar e interessar e, muitas vezes, vão de encontro, às situações que estão a vivenciar ou já vivenciaram.
Como professora, o meu desafio é encontrar formas de motivar e ajudar os alunos a superar as suas dificuldades. Mas confesso que esta tarefa está a ser cada vez mais complicada. Para tal resultar é preciso que cada um cumpra com a sua parte.
Sinto que a relação com os alunos pode ser muito rica, quando gera interação, conexão, empatia e até laços afetivos mas quando os alunos não têm motivação torna-se difícil chegar à meta.
Acha que o interesse pelo conhecimento do comportamento humano tem aumentado?
Talvez, porque há, na generalidade, um maior interesse pela saúde mental, necessidade de melhorar relacionamentos, autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, necessidade de adaptação ao mundo em mudança.
Por outro lado, também me deparo com muitas situações de desinteresse e falta de motivação. O que acontece geralmente é que, no contexto escolar, aqueles que não manifestam motivação para a compreensão do comportamento humano também não se interessam por nada. Isto é que é preocupante. Deparo-me, hoje em dia, com alunos mais desmotivados do que no passado.
Há algum episódio especial que tenha surgido em aula que possa revelar?
Há muitos anos, quando lecionei na Escola Secundária da Ribeira Grande aprendi uma grande lição com um aluno.
Dava aulas a esta turma às 8h e este aluno, numa certa altura do ano, adormecia com frequência nas minhas aulas. Fui chamando a atenção mas a situação foi recorrente. Um certo dia, de forma autoritária, impulsiva e até agressiva, aproximei-me dele e disse-lhe: ”Eu não vou continuar a pactuar com esta situação. Dorme-se em casa e nas aulas é para se estar desperto e atento”. O aluno baixou os olhos e não respondeu. No final da aula, dirigiu-se a mim e justificou a razão pela qual adormecia nas minhas aulas. O pai tinha uma lavoura, tinha adoecido gravemente e não havia dinheiro para pagar empregados. Então, ele (com 16 anos ) e um irmão (com 18 anos) levantavam-se às 4h da manhã para tratar das vacas, voltavam a casa e preparavam-se para ir para a escola e não faltar às aulas.
Fiquei bastante sensibilizada com a situação, pedi-lhe mil desculpas e aprendi que por detrás de cada aluno há uma pessoa que carrega uma história de vida, nem sempre fácil. Aprendi a tentar perceber as causas de alguns comportamentos e, simplesmente, dizer “ Está tudo bem contigo”? ou “Precisas de ajuda? Se precisares estou disponível”. Na verdade, eles precisam sentir-se apoiados. Podem não usar esta ajuda mas precisam sentir que alguém está disponível, no caso de ser necessário.
Imagina-se sem dar aulas?
Durante muito tempo não imaginava a minha vida sem dar aulas e sentia que não conseguiria fazer outra coisa a nível profissional.
Nesse momento sim. Estou em final de carreira, sinto-me cansada, sobrecarregada com tarefas burocráticas, desmotivada e julgo já ter dado o meu contributo e cumprido a minha missão. Já sonho com a reforma e com dedicação a outras prioridades na minha vida.
Fazendo um exame retrospetivo e crítico, julgo poder concluir com justiça, que me empenhei com entusiasmo e lucidez nos desafios que me foram solicitados. Dei o melhor de mim. Com empenho e dedicação abracei a profissão que escolhi por vocação.
O que sugere aos futuros professores?
Ensinar é uma missão! Assim, ensinar é, mais do que uma profissão, é um propósito, é a possibilidade de mudar vidas por meio do conhecimento. Educar não é apenas ensinar conteúdos mas formar seres humanos, preparando-os para enfrentar o mundo. Por isso, para se abraçar esta profissão tem que se ter vocação, tem que se cultivar a paixão pelo ensino. Esta tarefa é bastante desafiante, sobretudo no mundo atual que está a mudar de forma vertiginosa. É preciso ajustar-se e adaptar-se, inovando as nossas práticas.
Por outro lado, é preciso entender o exercício do trabalho na área da docência como um processo de desenvolvimento nunca acabado. Nas várias vertentes do ensino, muito há para despertar, interiorizar e aprender e o envolvimento nestes desafios é essencial para o desenvolvimento pessoal e profissional do professor no cumprimento da sua missão. Nunca pare de aprender. Aprendi que ensinando se aprende!
Entre amigos, antigos colegas, por vezes recordamos a Professora Margarida. Na nostalgia de um passado só compreendido com o amadurecimento daquilo que somos, desafiei Rodrigo Medeiros e Filipe Oliveira a lembrar também esse tempo.
Rodrigo Medeiros: «Sem dúvida que quando enfrentamos situações difíceis na nossa vida profissional, as aprendizagens da Professora Margarida vêm dar uma luz, é uma orientação a seguir.
Sem dúvida que se há professora que marcou o ensino secundário, foi a professora Margarida.
Vivíamos todos uma realidade de proximidade com a vida real porque ela demonstrava como seria a vida profissional e não apenas o mar que navegávamos enquanto alunos livres das responsabilidades que nos esperavam. Ela ensinou-nos a ultrapassar vários obstáculos com palavras simples e frontais, por isso ficará sempre no nosso coração. E, assim, hoje em dia, o seu sorriso e humildade ainda faz brilhar o nosso dia.»
Filipe Oliveira: «Desde a primeira aula que impôs o seu respeito, não deu abertura de folia e brincadeiras (muito provavelmente ja nos tinha feito o “Raio-x”, e com razão).
Fomos alguns que não tínhamos paciência para nada, não queríamos estudar e não respeitávamos quem queria.
Mas se houve alguém que nos meteu na linha, uma delas foi ela, A grande Prof. Margarida. Connosco durante três anos, começamos com quase 30 e terminámos com nove. Professora incrível, com um ensinamento e forma contagiante de dar a sua aula — só não aproveitava quem não queria —, humana ao mais alto nível, pois sabia dividir o seu tempo de professora e o de nossa conselheira. Lembro-me de nos seus testes (1ª parte sempre escolhas múltiplas) e eu fazia um dó li tá, e não é que acertava em quase tudo? O que nos riamos à conta disso. Ainda me lembro da sua gargalhada.
Ficaria aqui a falar durante horas sobre “si”. Agradeço do fundo do coração o caminho que fez comigo/connosco e por não ter desistido de mim/nós. Obrigado “Migui”.»
E, em jeito de desfecho, quis saber igualmente junto de quem tem o maior orgulho.
«Para nós, claro, a nossa mãe é a melhor mãe do mundo! É a pessoa que sempre se dedicou a dar-nos toda a sua atenção, amor, carinho e sabedoria. Sempre a tivemos como uma referência de vida e, cada vez mais, e à medida que também vamos ficando mais velhas, temos a noção de que queremos tentar, pelo menos, ser um bocadinho de tudo aquilo que ela é. Quando éramos adolescentes diziam que éramos “as três irmãs”. Ela ficava toda lisonjeada. Agora percebemos que nós é que deveríamos ficar. Faz tudo por aqueles de quem gosta e que gostam dela, mas também sabe ser assertiva quando é preciso ou quando lhe “pisam os calos”. Quando éramos mais pequenas, ficávamos com vergonha da sua assertividade em público, hoje em dia os nossos maridos dizem que somos todas iguais nesse aspeto. Estudamos na escola onde ela dá aulas e percebemos que vários alunos se referiam à nossa mãe como uma professora especial e ainda hoje temos amigos que passaram pelas suas mãos e continuam a tê-la num cantinho especial do seu coração. Costumamos dizer que é capaz de ser das poucas professoras de Filosofia “normal”, mas talvez normal seja dizer pouco para o que ela realmente é. Neste momento de entrada dos 60 anos, desejamos que ela se mantenha assim durante muitos mais, a partilhar connosco todos os momentos importantes da nossa vida, com saúde, alegria e genica. Parabéns mamã!»
Obrigada por tanto querida Professora.
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