Um dia com o Clube Náutico da Lagoa que acaba de completar 28 anos de vida

O Diário da Lagoa (DL) acompanhou um dia de treino da escola de Vela e Canoagem do Clube Náutico da Lagoa que conta com cerca de três dezenas de praticantes. Nasceu motivado por uma causa social

Clube Náutico da Lagoa foi oficialmente fundado a 20 de abril de 1995 © MARIANA L. FURTADO/ DL

Era um dia nublado e o Sol insistia em não aparecer. A temperatura do ar rondava os 15°, e sentia-se algum vento, mas o mar estava calmo e propício à prática de vela e canoagem/desportos náuticos. Passava um pouco das 14 horas, quando o DL chegou ao Portinho de São Pedro, na freguesia do Rosário, para acompanhar o treino de vela e canoagem do Clube Náutico da Lagoa. “A gente vai andar de barco à vela, e vamos trabalhar com duas classes: o Laser e o Optimist”, começa por explicar um dos jovens atletas. “E o treinador vai lá estar no semirrígido e dizer o que é que nós temos de fazer”, prossegue Daniel Gata, 13 anos, praticante de vela.

O Clube Náutico da Lagoa conta atualmente com cerca de 30 atletas, dos quais 22 são veteranos e os restantes pertencem aos escalões de formação, segundo João Cardoso, delegado da Federação Portuguesa de Vela e Federação Portuguesa de Canoagem, que atualmente desempenha funções de administração no Clube Náutico da Lagoa. 

“Estes [o grupo que acompanhámos] são da escola de vela e começaram a treinar aqui há dois meses”, explica Francisco Melo, treinador de 27 anos, responsável pelos escalões de formação de Vela no Clube Náutico da Lagoa. “O objetivo é fazer o campeonato regional do próximo ano. Eles vão fazer, com certeza, se evoluírem e trabalharem para isso”, prossegue o treinador, com confiança, e perante o olhar atento dos atletas.  

Ainda junto à rampa de vareagem que dá acesso ao mar, os atletas prosseguem com a preparação do material: há que tirar os barcos e os caiaques do armazém e preparar todos os equipamentos de segurança antes de entrar para a água.

“Eu costumo fazer vela. Nós preparamos os barcos para ir para o mar e depois de estarem preparados, vestimos os coletes e vamos”, conta Sara Leitão, de 13 anos. Assim, Nuno Rodrigues, Daniel Gata e Sara Leitão, todos da mesma idade, entretêm-se com o rebuliço que antecede cada treino de vela, enquanto Júlia e Ana, atletas de canoagem, vestem os fatos de preparam os caiaques para os colocar no mar. 

Por volta das 14h20 já todos os atletas estão na água. Daniel Gata segue ao longe no barco laser, enquanto Sara e Nuno revezam as suas posições no Optimist – um barco à vela mais leve e pequeno, feito de madeira.

Miguel Viveiros, de oito anos, permanece no semirrígido com o treinador. Curioso, está atento a cada movimento dos colegas. Anseia por poder andar no Optimist sozinho. Enquanto isso, o treinador vai gritando indicações a quem já segue longe: “Isso, aponta para aquela boia amarela!”

“Se estiveres sempre a puxar o leme, vais cambar e vais levar com a retranca na cabeça”, adverte Francisco aos atletas que seguem juntos no laser. “Olha a cabeça! Não segures a vela, deixa a vela ir para o outro lado. Dá o leme à Sara”, grita Francisco a plenos pulmões.

“Leva o barco a direito, olha para o rumo do barco. Mantém a cabeça levantada: foi aquilo que eu ensinei em terra… Os vossos pais quando vão a conduzir, não olham para o volante, olham é para o caminho”, prossegue o treinador nas indicações, enquanto corrige a postura dos atletas. 

O treino decorre normalmente, com os atletas a revezarem-se entre os barcos, conforme o cansaço vai chegando. Às tantas, Sara junta-se ao treinador e a Miguel no semirrígido para que Nuno possa praticar sozinho. Enquanto isso, Daniel prossegue confiante no Optimist, acompanhado por outro formador. Diverte-se a cortar as ondas e rasgar o mar em várias direções.

Por volta das 16h30 já os atletas estão cansados, e começam a pedir ao treinador para voltar para terra. Miguel já se queixa com frio, mas está feliz no mar, e ainda pergunta ao treinador, a medo, se pode andar sozinho no outro barco. A resposta é negativa, mas Miguel conforma-se: “Fica para a próxima!”.

Já de regresso a terra, as atletas Ana e Júlia conversam animadas, mas cheias de frio. Estão agora a lavar os caiaques e a despir os fatos, para poderem ir para os balneários do clube e dar o treino por terminado.

Ao DL explicam brevemente em que consistiu o seu treino: “Fizemos um aquecimento de vinte minutos, que foi ir até a baía de Santa Cruz e voltar”, começa por dizer Ana.

“Depois comecei a voltar. Enquanto vinha no regresso, ia passando à frente do senhor Júlio e atrás da Júlia, ou seja, ia rodando os caiaques deles os dois”, continua. “Viemos até aqui, demos a volta à bóia e fomos até ao Porto dos Carneiros, para trocarmos de caiaque. Fui andar um bocadinho no K2, e a Inês experimentou o 420”. 

Do outro lado da rampa de vareagem, Nuno Rodrigues executa os procedimentos habituais no fim de cada treino: desmontar a vela e limpar o barco, para poder deixar tudo em perfeitas condições para o treino seguinte. À volta do Portinho de São Pedro já se vão aglomerando alguns carros, os pais vão chegando para vir buscar os filhos ao treino. Mas vão ter de aguardar mais um pouco porque arrumar o material é uma tarefa que ainda demora.

Ao DL, Nuno Rodrigues revela como correu o treino: “Correu bem!”, considera, visivelmente satisfeito. “É como de costume… nós fazemos isto muita vez. A base é começar a montar primeiro o barco, depois vamos para a água e depois é começar a levar o barco para fora, virar, circundar as boias… Um treino que o professor diz que os atletas profissionais também fazem”, explica.

“É preciso estar calmo, não estar sempre muito nervoso. Não podemos mostrar medo ao mar, e não podemos ter medo”, remata Nuno. 

“Para eles evoluírem têm de trabalhar e ter muitas horas de mar. Por isso é que nós fomos para a água às 14h30, são quase 17h00 horas e nós só estamos a sair agora. Temos de trabalhar muito, temos de treinar: nada se faz sem o trabalho. E é isso que eles estão a fazer, e estão a fazer bem feito” –  assegura Francisco Melo, treinador de Vela.

Como Tudo Começou: 28 anos de CNL

Clube conta com cerca de 30 atletas dos quais 22 são veteranos e os restantes pertencem aos escalões de formação © MARIANA L. FURTADO/ DL

O Clube Náutico da Lagoa (CNL) foi oficialmente fundado a 20 de abril de 1995, tendo completado no passado mês 28 anos de existência. Segundo um dos fundadores, Ricardo Martins Mota, empresário e farmacêutico lagoense, na altura, o CNL surgiu para dar resposta a uma necessidade: a causa social. 

Na fundação do clube estiveram envolvidas várias pessoas que verificaram o seguinte: tendo a Lagoa uma forte comunidade piscatória, os filhos das famílias de pescadores entretinham-se a brincar junto ao mar, entre o Porto dos Carneiros e as Piscinas Municipais da Lagoa. “Alguns até criavam as suas embarcações, que eram feitas com as câmaras de ar dos pneus”, recorda Ricardo Martins Mota. “Havia ali um manancial de crianças que gostava muito do mar, e às quais era importante dar alguma resposta formativa, não as retirando do meio que elas gostavam”, assegura o membro do grupo de fundadores.

“Partimos do zero, não tínhamos nada. A única coisa que tínhamos era vontade de trabalhar”

O Portinho de São Pedro é o local de onde partem e regressam os atletas do clube lagoense a cada treino © MARIANA L. FURTADO/ DL

Segundo Ricardo Martins Mota, alguns dos nomes envolvidos no projeto daquilo que se veio a tornar o CNL foram o professor universitário Luís Gomes, Manuel António Pádua, “que já tinha alguma experiência, mas que estava ligado à náutica há muito tempo e gostava muito da modalidade”, e Luís Ourique, que foi presidente do Clube Naval de Ponta Delgada.

Mesmo sem grandes recursos financeiros para investir em equipamento, o grupo uniu-se em torno de uma ideia: “vamos fazer isto, pegar nestas crianças e dar aqui uma resposta, criar uma escola”, conta o empresário. “Nós partimos do zero, não tínhamos nada. A única coisa que tínhamos era vontade de trabalhar”, assegura Ricardo Martins Mota.

“Nós apostámos num fator que eu acho que foi determinante para o futuro do clube”, considera Ricardo Martins Mota. “Mais do que o equipamento, porque esse desgasta-se e renova-se, foram as pessoas e os monitores. E isso é que foi, depois, a alma de arranque do clube”, recorda.

Vítor Hugo Marcelino e Vasco Moreira foram os professores dos primeiros atletas lagoenses de desportos náuticos, algo que Ricardo Martins Mota considera ter sido uma grande conquista para o clube, na altura. “O Vítor Hugo Marcelino era um velejador incrível, que participava em competições mundiais e era uma pessoa que sabia muito de vela. O Vasco Moreira, na altura, era monitor do Clube Naval de Ponta Delgada, também uma pessoa extraordinária, com um saber muito significativo, que veio para a Lagoa”.

“Eles não vieram pelas condições, porque em Ponta Delgada eles provavelmente teriam muito melhores condições”, diz. “Nem sequer vieram pelo dinheiro, que na altura nós tínhamos pouco. Eles vieram pela alma do projeto, e movidos por aquela paixão de ensinar”, assegura Martins Mota.

O CNL foi um projeto que se prolongou no tempo, e ainda hoje se renova, geração atrás de geração, como diz Francisco Melo, atual treinador de Vela: “estamos a começar um projeto que, da minha parte, é completamente novo. Daqui a um ano, esperamos já ter alguns resultados”.

Mariana Lucas Furtado

Reportagem publicada na edição impressa de maio de 2023

Categorias: Reportagem

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