Rui Amaral, 45 anos, natural da Ponta Garça, em Vila Franca do Campo, é Técnico Administrativo de Contabilidade na Cooperativa de Santo Antão há quase 30 anos. É, também, presidente da Junta de Freguesia da Ponta Garça, cargo que mais ocupa o seu tempo livre. É igualmente proprietário de uma loja de arte floral, a única na freguesia e no pouco tempo que lhe sobra participa em aulas de pintura na cidade da Lagoa. Fomos ao seu encontro para saber quais as preocupações da maior freguesia de Vila Franca do Campo.
DL: Para ser presidente de junta é preciso ter espírito de missão?
Encaro um pouco assim. Tiro muito tempo da minha vida pessoal e familiar, há dias que nem almoço. É por gosto e se não gostasse, não daria tanto tempo à causa. Não me movem interesses pessoais, porque tenho a minha profissão. Acredito que ainda é possível fazer política honestamente e afincadamente.
DL: O que lhe dizem as pessoas?
Há de tudo um pouco. Um presidente de Junta nunca tem uma reputação 100 por cento imaculada, porque a nossa ambição é agradar a todos, no bom sentido. As pessoas conhecem-me de várias etapas porque passei por várias instituições, conhecem o meu percurso. E a generalidade das pessoas parece que está minimamente contente porque tentamos chegar a todas as áreas.
DL: Verificamos que disponibilizam consultas de psicologia. Porquê?
Entramos na altura do pós-pandemia. Lidamos com os idosos e com as pessoas mais seniores, fizemos um primeiro encontro aqui e as pessoas disseram que devíamos continuar, porque estiveram muito fechadas em casa. Depois notamos que havia pessoas que tinham ansiedade de conviver e de falar. As pessoas pedem, têm recorrido, não só os seniores. Depois passámos para os jovens, a nível do combate e prevenção do suicídio. Pensamos que eles também não iam aderir mas temos jovens a marcar consultas. Privilegiamos o anonimato. Têm aderido, o que foi uma surpresa. A psicóloga tem consultas com os idosos, os jovens e agora estamos a trabalhar com as crianças na própria escola, porque já há aqui uns problemas de violência, de toxicodependência.
DL: A toxicodependência começa a preocupar em Ponta Garça?
Felizmente não está tão enraizado como em outros sítios. O nosso concelho e a nossa freguesia são dos poucos sítios em que se pode falar ainda em prevenção. Não podemos é descurar muito mais, porque se não houver um plano e uma estratégia de ação e prevenção, já estaria muito descontrolado. A PSP teve, também, um trabalho preponderante nos últimos anos.
DL: É uma freguesia grande.
Já chegamos a ser mais de seis mil habitantes. Neste momento temos 3.500 e a população está muito envelhecida, pois os jovens têm emigrado. Há uns anos, iam para os Estados Unidos da América e Canadá. Agora, mantém-se mais a Bermuda, e alguns para o continente. Também temos outra situação, que se pode chamar de migração: as pessoas não têm casa aqui e querem ficar mais próximos do local de trabalho. É curioso porque muitos têm ido para a Lagoa porque está estrategicamente posicionada e está mais próxima de Ponta Delgada e da Ribeira Grande.
DL: Ainda há espaço para construir?
Há muita habitação degradada que precisa de ser recuperada. Temos reivindicado habitação para os jovens. A especulação imobiliária e o alojamento local não vieram ajudar a situação. Temos notado muitos imigrantes e turistas a comprar habitação na freguesia, a preços exorbitantes que os jovens não conseguem aceder. As casas mais acessíveis têm sido adaptadas para alojamento local.
Não sou contra o alojamento local, pois é bom porque traz turismo mas mau porque está a retirar habitações aos casais jovens. Ficamos aqui num meio termo, sem saber o que defender. Compete, a quem de direito, legislar, mediante a área, limitar o número de alojamentos locais.
DL: Quais os projetos que têm a longo prazo?
Temos um projeto que está estagnado, mas pelo qual temos lutado, que é o parque infantil. É uma ambição da freguesia há mais de 20 anos. O ano passado a Câmara cedeu um projeto e um terreno. Tivemos de nos candidatar, com o apoio da Câmara Municipal, ao Prorural. Foi aprovado. Quase na fase de construção, começou a guerra na Ucrânia e veio a inflação e ficou estagnado. Agora estamos a ver se ainda é possível salvá-lo e fazer por duas fases. A Câmara assumia uma fase e a Junta a outra. Ainda não desistimos.
Uma outra ambição é a variante à Ponta Garça. Não me posso calar com isso, é uma necessidade, porque temos muitos lavradores, temos autocarros, uma via muito estreita, temos seis quilómetros de via principal.
Também gostaríamos de ver aqui uma casa do Romeiro. A Casa do Romeiro seria um espaço Museu – de Reflexão e Encontro de ranchos, uma forma de colmatar a situação presente na freguesia, que cada vez complica-se mais para receber tantas pernoitas.
Também estávamos a tentar junto do Governo candidatar um projeto que é um centro de prevenção de toxicodependências e de doenças do foro psicológico, outro flagelo que se começa a ouvir cada vez mais. Temos um edifício que gostaríamos que fosse adaptado para isso. Como temos este projeto do gabinete de psicologia, este centro seria uma mais-valia. A Junta é que suporta por inteiro os custos com a psicóloga. Já batemos a várias portas, todos reconhecem, mas ninguém apoia. É muito complicado manter uma freguesia com esta dimensão mas com poucos recursos. Não é uma tarefa fácil, mas é possível com boa-vontade.
DL: Quer acrescentar mais alguma coisa?
Somos a maior freguesia de Vila Franca do Campo, somos a maior assembleia de voto. Todos os presidentes chegam a Ponta Garça e prometem tudo mas depois esquecem-se da Ponta Garça. Temos de dotar as freguesias com algo mais e olhar para elas com outro carinho e outra forma, independentemente da cor política. Nas eleições, dizem que vão fazer isto ou aquilo e fazem coisas pontuais, mas se formos a ver a freguesia ficou parada. Por exemplo, temos uma belíssima praia virgem, que é muito procurada por turistas, mas o acesso é péssimo. Há aqui um jogo do empurra e quem toma sempre essa responsabilidade é a Junta, que faz a limpeza e a manutenção. Precisamos de mais habitação, precisamos de melhores vias, de mais projetos e ideias. Não é só à Junta que compete ter as ideias. E temos algumas, mas precisamos que sejam aceites. A autarquia também tem de ser criativa, tem de saber revitalizar o seu tecido populacional e empresarial. Se não houver esse motor, as coisas começam a decair.
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