DL: Como encara a manifestação dos agricultores que aconteceu a 8 de fevereiro?
A manifestação dos agricultores aqui, em São Miguel, nasce obviamente de um grupo de agricultores com uma razão objetiva que tem que ver com o seu rendimento, com a qual concordamos plenamente. É isso que tenho defendido, claramente, ao longo destes anos, o rendimento dos agricultores. Embora ninguém tenha falado connosco, nós não nos desligamos dessa situação. Do meu ponto de vista a manifestação teve a agregação de muitos agricultores e correu bem. Fiquei satisfeito com a forma ordeira como decorreu. Mas, claro, que depois o objetivo não foi falar do rendimento e do preço do leite, como se percebeu, por isso não há muito mais a dizer sobre isso, porque o meu foco vai essencialmente para o rendimento dos agricultores. E o que temos feito para colmatar essas situações ao longo dos anos é diferente do que se vê ao nível nacional e também na Europa.
DL: O que difere a realidade nacional e de outros países europeus no setor agrícola para com a açoriana?
Há manifestações na Europa com as quais somos totalmente solidários mas a maior parte delas não tem que ver com a Região Autónoma dos Açores. Começando pela Alemanha, onde começou, está relacionado com a retirada do subsídio ao gasóleo verde. Os agricultores manifestaram-se contra porque se tirassem esse subsídio deixavam de ser competitivos. Na França tem a ver com o rendimento e também com a proibição de produtos da União Europeia para a França. Abre-se assim uma caixa de pandora, a livre concorrência entre os países pode não existir com a França a ter esse comportamento. Depois temos os cereais da Ucrânia que estão a ser vendidos a preços baixos no mercado europeu e que beneficiam os Açores e o continente porque nós não somos auto suficientes em termos de cereais. Mas se houver proibições os preços aumentam e somos prejudicados.
A nível nacional a grande reivindicação é na questão da desburocratização, bem como o compromisso do Governo da República na produção biológica e produção integrada ao nível dos apoios. Essa situação não existe aqui nos Açores, pois foi resolvida há mais de três anos. Nós estamos muito mais à frente.
DL: Então o que falta fazer nos Açores?
Para mim o que é preocupante é o rendimento dos agricultores que está sempre assente naquilo que são a sua receita e as suas despesas. Ninguém está indiferente ao que acontece no mundo inteiro, mas essas situações estão trabalhadas, reivindicadas e identificadas.
DL: A crise política nos Açores afeta o setor agrícola?
A instabilidade política para nós é muito complicada. O rendimento do agricultor pode ser muito penalizado pela instabilidade, por isso é que eu apelo a que haja bom senso da nossa classe política. É preciso pensar mais nos Açores e menos nos cargos políticos que queiram ocupar.
O que é sempre muito importante é o preço do leite. Nós não podemos perder mais tempo, nós precisamos de um Governo que acolha aquilo que são as nossas grandes preocupações, que trabalhe em conjunto com o Governo da República para resolver essas questões. A questão do rendimento é transversal a todos e a opinião pública tem que saber isso, as indústrias têm que ter outra capacitação comercial e a distribuição tem que olhar para o setor como um de fileira, porque senão a produção começa a baixar, perdemos agricultores e a distribuição terá que comprar leite e derivados a outros países.
DL: Fixar um preço justo mínimo para o leite pago ao produtor é uma reivindicação. Como e quando pode ser essa medida implementada?
Quando se fala de preço justo é muito simples. Nós até sabemos quanto é que custa produzir um litro de leite em média, a Associação tem esses dados, sabemos o preço médio que é pago ao produtor. A indústria sabe das suas contas e nós não temos problema nenhum em tornar transparente todo o processo. Esperamos que os outros, incluindo a distribuição, tenham essa capacidade e lealdade para com o setor e que tornem tudo transparente. Alguém que verifique, fiscalize e tenha capacidade de penalizar quem fica com a fatia de leão. Por isso o apelo que faço aos agricultores é no sentido de responsabilidade e de união entre agricultores.
DL: E se a Associação Agrícola de São Miguel construísse uma fábrica de leite?
Não está na nossa estratégia, porque temos uma que é da lavoura, a Unileite. Tivemos um período de recolha que atingia os 50 por cento em São Miguel. Não transformava na totalidade mas recolhia e depois vendia à Prolacto, portanto, já é uma grande indústria. Eu penso que não acrescentava grande valor. O que nós precisamos é que a Unileite consiga, nos próximos tempos, orientar-se para criar mais alguns produtos de valor acrescentado. Não estamos a passar a responsabilidade para ninguém. A Unileite e a sua direção sabem que a associação está sempre do lado das organizações da produção. O que queremos é uma Unileite forte, no sentido de puxar o setor para cima. A Unileite como também as outras indústrias que estão ligadas à Lactaçor e que são da própria produção. Também pretendemos que ao nível da Unicol se consiga melhorar o preço dos produtores na ilha Terceira. É transversal a todas as ilhas.
DL: Defende um pacto de regime na região para o setor agrícola. Como pode esse pacto tornar-se uma realidade?
O que nós discutimos com o presidente do Governo regional antes do período eleitoral e que até anunciou como bandeira é que se encontre uma plataforma de entendimento entre todos para que o leite não baixe o preço a partir de um determinado limite. Acho que é um risco que devemos assumir mesmo que sejamos penalizados, porque somos uma região ultraperiférica em que a proteção aos agricultores açorianos nunca poderá ser igual à de outros países europeus.