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Receitas que nos fazem viajar ao passado: O percurso de Leonor Santos, fenómeno do YouTube

A vilafranquense Leonor Santos tem um canal no YouTube com 105 mil subscritores e fãs de todo o mundo. No canal “Sabor dos Açores”, partilha todo o tipo de receitas de pratos tradicionais

Leonor Santos, 65 anos, tem já publicados cerca de 1000 vídeos sobre receitas © DL

“Foi no fogão a petróleo que aprendi a cozinhar”, começa por contar, em conversa, Leonor Santos, de 65 anos. Foi nesse fogão que em tenra idade lhe surgiu a paixão de cozinhar. A paixão, o “dom” e a inspiração que vem da sua mãe, tia e avó, levaram a vilafranquense a criar um canal no YouTube, que tem neste momento 105 mil subscritores e quase 1000 vídeos publicados.

A vilafranquense recebeu o Diário da Lagoa (DL) logo pela manhã na sua casa, com vista para o ilhéu. Àquela hora, ainda não havia aromas ou sabores dos pratos açorianos, mas pairava no ar o cheiro de uma boa história.

Ouvir Leonor contar sobre a sua vida foi também um retorno ao passado.  “No tempo, quando éramos pequenas, as meninas da minha rua vinham todas para a minha casa. Brincávamos às casinhas. Chegava a uma certa altura em que ficávamos com fome e eu fazia a comida. Devia ter à volta dos sete anos. No tempo não tínhamos frigorífico. A mãe de uma amiga minha matava porcos e ia-se buscar chouriços. Outra amiga, o pai era pescador e tinha batata para engordo do peixe e eu cozia essas batatas. Por vezes ela trazia peixe. São boas memórias. Quem me dera voltar atrás”, sente a vilafranquense.

Leonor Santos chama-o de dom: “Cozinho desde que me lembro, porque foi sempre um dom que tive para a cozinha. Adoro fazer comida. Faço tudo o que é antigo, que a minha mãe e a minha avó faziam, mas também faço pratos variados”, refere. As suas comidas preferidas são as couves aferventadas e os chicharros fritos.

A sua sabedoria também se deve à mãe, à tia e à avó. Leonor, uma de quatro irmãos, lembra que a mãe era “uma grande cozinheira, tanto para fazer pão como para comidas.

Emigração e 40 anos na Bermuda

© CORTESIA LEONOR SANTOS

Na conversa com o DL, Leonor falou sobre quando emigrou para a Bermuda, quando tinha apenas 22 anos: “Fui para a Bermuda em 1982. Levei daqui os meus dois filhos mais velhos. Lá tive o mais novo. O mais velho tem 46, a minha filha tem 45 e o mais moço, 40. O meu marido emigrou um ano antes. Trabalhava como jardineiro. Na altura não havia trabalho para as mulheres na Bermuda. Fui para os meus filhos terem sempre o pai presente”. Mas é cá, na sua terra, que mais gosta de viver, confessa: “Na Bermuda há praias lindíssimas, mas não gosto muito de sol”, confessa.

Sobre a vida na ilha das Bermudas relembra: “Todos os dias, a primeira coisa que fazia era ir lá fora ver a horta. Uso os produtos que planto na minha comida. Lá tinha as minhas pimentas, para fazer calda de pimenta – lá o tempo é quente e as plantas crescem rápido – fava verde, salsa, couves, cenouras. No verão não se podia ter nada porque o calor é tanto e queima tudo, mas a partir de setembro começamos logo a plantar, até junho. Tinha de tudo lá. Aqui tenho salsa, couves, vou plantar pimentas”, diz a vilafranquense.

“Cozinhando com amor e alma” é o segredo do sucesso

O canal de YouTube de Leonor Santos surgiu em 2016. Agora, conta já com 105 mil subscritores, de várias partes do mundo, quase 1000 vídeos publicados e muito feedback positivo.

Começou assim, conta a vilafranquense: “Eu não sabia o que era o YouTube. A primeira coisa que criei quando tive o Ipad foi um grupo na internet. Tirava as fotos das comidas que fazia todos os dias e partilhava. As pessoas gostavam muito. Depois o meu filho mais velho sugeriu gravar vídeos para colocar no YouTube. A primeira coisa que o meu filho fez foi fazer um vídeo com fotos das comidas. Depois fiquei entusiasmada porque as pessoas começaram a ver e a comentar. Eu cozia pão todas as semanas, porque o meu marido não gostava do pão de lá. Fazia papo-secos, pão de milho, tudo. Gravei um vídeo com os papo secos e houve muitas pessoas a subscrever o canal e a comentar. A partir daí continuei a fazer e comecei a gostar cada vez mais”.

Voltar ao passado e lembrar as mães e avós através da comida

© CORTESIA LEONOR SANTOS

Polvo guisado, chouriços caseiros, molho de feijão, fava guisada, bolo rei, malassadas e massa sovada são apenas algumas receitas entre as centenas que Leonor Santos tem no seu canal e na sua lista de receitas de pratos portugueses e açorianos. Segundo Leonor, “não é usar muitos temperos que faz a comida ser boa, é o saber juntá-los”.

Sobre o que o seu canal significa para muitos seguidores, explica: “Estou a ajudar muita gente a fazer comida, por exemplo pessoas que as mães já faleceram e elas nunca se interessaram em aprender a cozinhar. Agradecem-me tanto porque são comidas que as mães faziam e agora estão a aprender comigo”.

O feedback aos seus vídeos tem sido muito positivo. Há pessoas que abordam Leonor na rua para elogiar e partilhar que seguem as suas receitas, relata a youtuber ao DL. A vilafranquense diz ter fãs de vários cantos do mundo: “Pessoas de todo o mundo veem os meus vídeos, de África, Austrália, Canadá, Bermuda, Estados Unidos da América.”

“Elas adoram. Dizem que as minhas receitas são muito boas, e para continuar sempre a fazer, ou que fizeram uma receita minha. Dizem que é “uma delícia” ou “a minha família adorou.” As pessoas dizem que as receitas que fazem dão sempre certo, massas, pão, biscoitos”, salienta Leonor.

© CORTESIA LEONOR SANTOS

“O meu sonho era fazer um livro com receitas antigas”

Entre lembranças do passado e sucessos do presente, Leonor Santos revela: “O meu sonho era fazer um livro com receitas antigas”. E tem já tudo escrito, conta. “A minha filha ia fazer o livro, mas agora está parado. Ela disse que um dia vai ser publicado. Vai ter as receitas e as fotografias das comidas. O livro seria em português e inglês. Tenho muitos seguidores que não sabem português e pedem as receitas em inglês,” explica Leonor.

Permanece o sonho e a esperança de alcançá-lo. Entretanto, Leonor Santos, deixa a promessa de continuar a partilhar o seu saber: “Vou fazer sempre até poder. Faço o que gosto.”