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Investigadores monitorizam contaminantes em organismos marinhos nos Açores

Estudo sobre os níveis de contaminação encontrados permite conhecer melhor as espécies comerciais, bem como alertar para os níveis considerados preocupantes para o consumidor

 Investigadora da Universidade dos Açores é quem coordena o projeto © CORTESIA INÊS MARTINS

Nos Açores desde 1999, Inês Martins nasceu em Oeiras, distrito de Lisboa, mas é na Universidade dos Açores que trabalha e se dedica à ecotoxicologia, a área que estuda “como é que os animais do mar profundo se adaptam fisiologicamente a um meio tão diferente e inóspito como o fundo do mar, e em particular, às fontes hidrotermais”. A investigadora auxiliar é a coordenadora do projeto “Conhecer para Decidir” que complementa o Plano de Monitorização Regional de Contaminantes em Organismos Marinhos para Consumo Humano (MoniPOL). Quisemos aprofundar o tema e estivemos à conversa com a investigadora.

Como surgiu a ideia de monitorizar contaminantes em pescado nos Açores?
A ideia surgiu há uns cinco ou seis anos e foi posta em prática no final de 2022.
A necessidade deste projeto era grande, sabíamos muito pouco em termos científicos. Por sermos ilhas de origem vulcânica, temos metais pesados presentes no oceano, as espécies que habitam a coluna de água do Atlântico, à volta das ilhas, estão mais expostas.
Desenvolvemos trabalhos ao longo dos anos, sabíamos que havia espécies que acumulavam mais do que outras, mas nunca tinha sido feito um estudo dirigido às espécies que são procuradas comercialmente e que entram na alimentação dos consumidores.
E sabendo, à priori, que comemos cada vez mais espécies de fundo e que estas, à partida, acumulam mais contaminantes, é necessário saber o que é que isso significa para a saúde humana. Esse interesse não era só científico, mas também público, por isso o Governo regional quis financiar. Decidiu-se então fazer uma lista de espécies que, não sendo só comerciais, poderiam efetivamente ser espécies com mais quantidade de contaminantes. O objetivo é trazer valor acrescentado ao nosso pescado, conhecer o que comemos. 

DL: De que tipo de metais se trata?
Por exemplo, mercúrio, cádmio e chumbo. Podem até ser os chamados metais essenciais, que o nosso corpo reconhece como sendo necessários como o ferro, o cobre e o zinco, o manganês. Todos são relevantes para o conhecimento do peixe que consumimos, é uma contaminação natural que deve ser monitorizada para podermos considerar o número de vezes que consumimos as espécies que apresentam maior acumulação de contaminante.
O mercúrio, o cádmio, o chumbo, e o alumínio também, são os chamados metais pesados. Antes era usada esta nomenclatura porque são metais de peso molecular muito elevado, mas agora também é usada para caraterizar os tais metais que o corpo conhece sempre como um corpo estranho.
Nos Açores, por sermos de origem vulcânica, toda esta lista de metais tem origem magmática. As fontes hidrotermais que temos na Zona Económica Exclusiva são um fator de entrada desses metais para a coluna de água, juntamente com a geologia que carateriza as nossas ilhas. A erosão das rochas liberta os metais para a água e esses metais que estão presos na forma mineral, nas rochas, vão se libertando e tornam-se disponíveis para os organismos marinhos. Há metais que ficam acumulados e que se vão amplificando na cadeia trófica. Os grandes predadores que comem os animais dos níveis da cadeia trófica mais baixa vão acumular esses mesmos metais.

DL: O atum está na lista. Não receiam uma reação dos pescadores?
Pensamos nisso, por isso temos um projeto de comunicação, que é o “Conhecer para Decidir”. Com a ajuda do Observatório do Mar dos Açores, temos programas não só nas escolas, mas também nas comunidades de pescadores. O patudo é sempre assunto, porque quando falamos em metais pesados as pessoas lembram-se logo da quantidade de mercúrio que o atum tem. Mas o atum, além de ser um grande predador, tem uma grande variedade de tamanhos. O patudo que é comercializado tem um tamanho e um peso que é representativo dos juvenis. Os grandes atuns, que acumulam mais metais, na realidade, não são comercializados na região com tanta frequência. As análises mostram que não é a espécie que acumula mais mercúrio. Já a melga e o boca-negra acumulam muito mais e são muito mais pequenos, mas vivem mais anos e por isso acumulam mais. Há toda uma sensibilização, ao ficarmos a saber quais são as espécies que têm mais, desmistificamos alguns mitos. Trata-se de esclarecer as pessoas, pois o receio vem do desconhecimento.

DL: Quando serão publicados os resultados?
Há um boletim que elaboramos que já tem bastantes resultados e que advém de um relatório final. Preparamos também um artigo científico. Além da informação dos contaminantes, tem também o valor nutricional. Decidimos fazer este trabalho em paralelo, porque o peixe não tem só contaminantes, tem muitas mais coisas que interessam ao consumidor, como a quantidade de proteínas, gorduras, água, sal, etc. E fizemos um gráfico dos ómegas porque é uma componente da gordura muito falada em termos nutricionais. Ainda não fizemos em muitas espécies, mas vamos fazer em muitas mais. Aumentamos a lista para espécies mais acessíveis.

DL: E há evidências de que o mar nos Açores esteja a sofrer alterações?
Não há evidências científicas. Agora vamos explorar a parte das dioxinas e também os poluentes orgânicos, porque apesar de não termos poluição industrial, temos muita poluição por macro e micro plásticos, que também são vetores de contaminação.

DL: E depois de finalizado o estudo?
O estudo vai continuar, temos contratualidade até 2027. Vamos fazer também o estudo das biotoxinas. Há uns quantos indicadores científicos que dizem que a alteração da temperatura da água do mar tem feito com que várias espécies do sul migrem mais para norte, porém ainda não há registos de que essas espécies tenham chegado aos Açores.