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“Sou uma estalajadeira com alma de artista”

Empreendedora e artista natural de Lisboa, Marta Duarte é a criadora do mural na Ribeira Chã intitulado “Lugarinho dos 500 anos de elevação de Lagoa a vila e a sede de concelho e dos 56 anos de elevação a freguesia”. Foi inaugurado a 29 de maio, nas comemorações do 56.º aniversário da freguesia lagoense

Marta Duarte é artista, focada no desenho e na pintura, mas tendo já criado mobílias, cerâmica, e, mais recentemente, bonecos de presépio © MARIANA ROVOREDO/DL

Em 2019, Marta Duarte e João Silva deixavam a correria da capital para virem viver no meio do verde e do azul: “eu queria vir para o pé do mato e ele para ao pé do mar”, conta em conversa ao Diário da Lagoa (DL). 

A sua primeira vinda aos Açores deu-se com uma visita a São Miguel, tentando perceber as zonas, lembra, à procura de alguma oportunidade na área da hospedaria, na qual já tinham experiência no continente português. A segunda visita, por sua vez, serviu para delimitar os lugares onde poderiam assentar-se. Na terceira visita, encontraram a oportunidade no Nordeste, fora dos limites que tinham delimitado: “era a zona mais inexplorada, mas com muito potencial”. As ligações aéreas mais rápidas a Lisboa foram outro fator que os fez optar pela ilha verde.

Em junho deste ano, abriam a Hospedaria São Jorge, por baixo do famoso monumento da Ponte dos Sete Arcos, na Vila do Nordeste. Percebendo que a hospedaria estava fechada, o casal concorreu a um concurso, com um projeto, de modo a dar uma nova vida àquele espaço. Não excluindo a possibilidade de voltar a viver fora de São Miguel, Marta considera que aqui ainda há muito que fazer e, se tudo correr bem, tenciona continuar por cá por muito mais tempo.

“Sou uma estalajadeira com alma de artista”, diz Marta Duarte, formada em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa e pela Sociedade Nacional de Belas Artes. Para além de estar ligada à estalagem, é artista, focada primeiramente no desenho e na pintura, mas tendo já criado mobílias, cerâmica, “mil coisas” e, mais recentemente, bonecos de presépio. “Desde miúda gosto de pintar e fazer coisas”, lembra, e que no período da pandemia teve mais tempo para se dedicar ao desenho e à pintura, criando imensas peças.

O seu estilo é maioritariamente geométrico, inspirando-se nas ruas, becos e linhas lisboetas, utilizando perspetivas que distorcem a imagem. A partir de fotografias tiradas por Marta, nascem os seus desenhos, de imagens, ruas e objetos que existem: “Em Lisboa tens muitos becos, ruelas, prédios empinados, aqui não. Lisboa continua a ser a minha inspiração”. É também na capital que tem as suas peças à venda, incluindo as que tem criado cá na ilha.

Mural da Ribeira Chã tem também o dedo das crianças e dos pais

Mural pintado encontra-se no Jardim e Parque Infantil da Ribeira Chã © DL

Na Ribeira Chã, Marta pintou o seu primeiro mural: “já tinha pintado muitas paredes, mas em casas. Uma coisa na rua foi a primeira vez”, explicando que esta oportunidade surgiu através do contacto daquela junta de freguesia com a Vaga – espaço de arte e Conhecimento, que por sua fez a contactou, tendo a artista aceitado o convite, muito motivada. Existiu planeamento, para se perceber a dimensão da parede e conseguir adaptar o desenho.

Marta explica que, por um lado, a ideia para o mural, intitulado “Lugarinho dos 500 anos de elevação de Lagoa a vila e a sede de concelho e dos 56 anos de elevação a freguesia”, era que fosse alusivo a aspetos da Ribeira Chã, “que tem uma ligação forte com o fado e eu quis ir um bocado por aí”. Por outro lado, que fosse algo em que as crianças pudessem participar. Assim, há uma parte da autoria da artista, e outra em que as crianças deixaram o seu marco, para que eles, à medida que cresçam, passem ali e vejam uma criação que também é deles. “Foi muito giro”, relata a artista. No dia da inauguração, as crianças tiveram ao seu dispor tintas e formas, pintando uma parte do mural, com a ajuda dos pais.

A primeira bonecreira do Nordeste

Este ano, Marta participou no curso de formação de bonecreiros “Novos bonecreiros”, promovido pela câmara municipal da Lagoa, com o objetivo de preservar e promover essa arte centenária, tão própria do concelho.

Marta, que pensava que não ia ser selecionada, explica que primeiro foi preciso perceber como eram feitos os bonecos. A partir daí é possível seguir a tradição em termos de estilo, mas é também possível ciar uma coisa nova, podendo o bonecreiro deixar o seu estilo naquele boneco de barro. É um processo complexo e requer disponibilidade. “Dá asas para fazer muita coisa. Podes-te manter fiel e simplesmente replicar, ou então variar”, explica, sendo que a arte bonecreira permite uma determinada criatividade.

A artista diz querer levar um bocadinho dessa arte para a zona do Nordeste. “A ilha já é tão pequena, apesar da arte bonecreira ser própria da Lagoa, porque é que não pode estar presente noutras zonas?”, questiona. De acordo com Marta, seria bom espalhar essa tradição por outros cantos.

A tradição da arte bonecreira nos Açores, nascida na segunda metade do século XIX como arte popular, consiste no fabrico de pequenas figuras em barro, incluindo-se figuras de representações presentes nos presépios micaelenses, tais como romarias, procissões, filarmónicas, entre outras. Este processo artesanal obedece a certas regras e técnicas e tornou-se numa produção típica da Lagoa.

“Isso é muito giro, mas não é um bem essencial”

Questionada pelo DL, Marta conta que adoraria poder viver só da arte, pintando e desenhando o tempo todo, mas reconhece que é quase impossível viver disso. Explica que é uma queixa geral dos artistas o facto de ser difícil divulgar as coisas e ser um mercado muito à base de conhecimentos.

Para além disso, não há poder de compra para obter arte, principalmente por parte dos portugueses, justificando com o facto de a maior parte das pessoas que obtém os seus trabalhos ser estrangeira. Marta diz que cá não há mercado artístico, problema mais acentuado nas ilhas do que em Lisboa, pois “há menos pessoas a vir e quem vem quer explorar e não vem propriamente para um sítio urbano para ver o que há aqui de arte”.

Em contraste, a artista considera que a comunidade artística em São Miguel é muito recetiva a outros que queiram vir, integrando-se nas entidades artísticas e sente que cá, é fácil conhecer as pessoas e perceber o que fazem. “Acho que há muito aqui para fazer”, conclui.

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Mariana RovoredoJornalista estagiária

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