09.09.2023
Clife Botelho
Diretor do Diário da Lagoa
Na edição impressa deste mês exaltamos o privilégio que é termos a liberdade e a ousadia de fazer capa com quem, nascida há cem anos na ilha de São Miguel, nos Açores, marcou Portugal. E, assim, publicamos uma simbólica homenagem, um fragmento de Natália Correia. Ela que foi poeta, jornalista, editora, romancista, ensaísta, dramaturga e deputada na Assembleia da República, conhecida pelo seu espírito livre e combativo.
Ser Diário da Lagoa é, também, querer marcar a diferença e sair fora da caixa. É assumir que é desnecessário chegar primeiro, apressar-nos ou garantir o furo jornalístico. Aos nossos cronistas e colunistas é dada a liberdade de escreverem sobre o que lhes vai na alma, aos jornalistas a oportunidade de o serem na sua essência. Apreciamos, por isso, escrever sem aparecer. Resistimos a ir atrás de agendas, porque prezamos as nossas escolhas e criatividade. Somos da Narrativa Frequente e assim o é, não por acaso. Se nos copiam, é porque estamos no caminho certo. Se nos desviam o olhar ou tentam condicionar, é porque as nossas questões incomodam. Enquanto crescemos, não agradamos a todos os que se cruzam connosco, no entanto seguimos em frente, mais fortes, porque aprendemos que se formos unidos como as páginas de um jornal, seremos a alma que anseia tornar o que mais gostamos de fazer, naquilo que só é compreendido mais à frente no tempo. Cabe ao leitor folhear, mantendo as nossas páginas juntas.
Do local para um público global, temos “Lagoa” no título, mas não nos limitamos a cinco freguesias. Almejamos ir além, ser o diário que nos conta outros lugares, concelhos, ilhas e a diáspora. Porque estamos em viagem, como um emigrante que deseja regressar a casa. A mais jovem cidade deste arquipélago não é aqui neste jornal um lugar concreto, neste “Diário”, esta “Lagoa” é aquele lugar que está em cada um de nós, mesmo que dentro dela o leitor não tenha germinado, vivido ou visitado. O objetivo é que ao ler-nos se procure independência de pensamento, se torne pessoa sólida como o basalto das nossas ilhas vulcânicas, convicto do privilégio de ser ilhéu. Ser Açores com Natália naquilo que somos. É elevar o nome de um concelho a discussões maiores e a outros lugares. É trazer à Lagoa o que nos pode enriquecer e lembrar que já tivemos ao leme tanto homens como mulheres, lagoenses e não lagoenses, sem discriminação, para neste mês partirmos à descoberta destes pequenos fragmentos de uma mulher que para sempre nos fascina.
Neste mês em que se completa o centenário do nascimento de Natália Correia, queremos ser humilde tributo ao sublime, ao genial, à poeta. E quando nas páginas à frente fugirmos ao tema, que se leia as próximas narrativas que resultam do espírito rebelde que nos invade para publicarmos o que nos apetece nas folhas que sobram. Importa é que sentimos que conta, recusando pressões, rejeitando seguir padrões, para mostrarmos que o jornalismo na proximidade não é fazer concorrência ou limitar-se à obrigação de seguir o expetável, mas antes chegar perto de quem nos lê como um turbilhão que surpreende e inquieta. É olhar o mar que nos abraça e fazer perguntas, contar histórias, fitar o horizonte desde a montanha ao mar para matar a saudade a quem lá fora se encontra: os nossos, que nos acompanham lá de longe. E aos de cá, fazer reconhecer que lhes damos esta voz e fazemos parte desta alma açoriana, enquanto dão corpo à comunidade que nos apoia, apercebendo-se por fim que somos um jovem jornal não só lagoense, mas também micaelense que resiste há uma década ao fim sempre anunciado a quem nestas lides da imprensa se aventura.
Em desfecho, com a montanha que abraça o concelho da Lagoa à minha direita, na janela, recordo um excerto do poema de Teresa Gonçalves, sobre Natália Correia:
«vulcão em permanente erupção,
foste cratera a expelir frontalidade.
foste espírito livre que quebrou
grades da prisão
dando asas à palavra liberdade.»
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