Andando por uma das ruas históricas da freguesia da Matriz, no concelho da Ribeira Grande, mais concretamente na Rua Nossa Senhora da Conceição, pode encontrar-se um edifício centenário onde ainda é preservado um ofício antigo, em vias de desaparecer.
A Relojoaria Amaral, com o número 9, acima da sua porta verde, foi aberta há 110 anos, em 1914, pelo relojoeiro José Ernesto Amaral. O ofício foi herdado pelo seu filho Aristides Vasconcelos Amaral, que por sua vez o passou ao seu filho Fernando Amaral.
Passado mais de um século, a relojoaria Amaral permanece igual e visitá-la é como viajar até ao passado. Ao entrar, à esquerda, podemos encontrar o relojoeiro a trabalhar, preservando o ofício, de lupa no olho, rodeado de relógios, peças e ferramentas. À direita, relógios na parede, fotografias e memórias antigas, uma gaiola com dois canários e vasos de plantas a adornar o chão.
Fernando Amaral, de 79 anos, natural da Ribeira Grande, é o mais antigo relojoeiro da ilha de São Miguel e um dos últimos dos Açores. Ao Diário da Lagoa (DL) conta a origem da relojoaria: “o meu pai aprendeu com o meu avô e eu aprendi com o meu pai. Estou aqui desde os 15 anos, altura em que saí do liceu”, lembra Fernando.
O avô era de Vila Franca do Campo, tendo se mudado com a família para a Ribeira Grande, quando o pai de Fernando Amaral tinha 14 anos, surgindo aí a relojoaria, no ano em que começou a primeira guerra mundial.
O relojoeiro ribeiragrandense lembra como se iniciou no ofício. Após tirar o segundo ano do liceu, Fernando Amaral decidiu sair da escola, apesar de o seu pai ter insistido para que ficasse. “Eu quis ir para a relojoaria”, e assim começou. “Não me arrependo nada de não ter estudado mais”, confessa. No início, esteve como aprendiz do pai, observando como se fazia. “Estive quatro anos sem mexer nos relógios, só ficava a ver o meu pai. Depois principiei com relógios grandes e aqui estou, há 65 anos”, conta ao DL.
Não se imaginando a fazer outra coisa, Fernando afirma que gosta muito do que faz, apesar da carga de trabalho ser menor do que há uns anos. Há mais de seis décadas que abre a relojoaria de segunda-feira a sábado. Neste momento, o espaço tem um horário de funcionamento entre 10h00 ou 10h30, às 17h00, com pausa para almoço das 12h00 às 14h30.
Mas a vida não é só trabalho e Fernando Amaral dedica o seu tempo livre ao gosto pelas atividades físicas. “Estou habituado a ir à praia. Vou tomar banho ao mar, de verão e de inverno, faça chuva ou faça sol, ao sábado e domingo”, conta-nos. Aprecia também as caminhadas, que realiza há já vários anos. “Mantenho-me sempre em forma”, orgulha-se.
“Sou feliz”, contou-nos o relojoeiro, mas partilha a falta que sente da sua esposa Ivelina Maria, natural de Ponta Delgada, já falecida, lembrando as viagens ao estrangeiro que realizava com ela e a boa relação que tinham.
Sobre o passado e o presente da profissão, o relojoeiro explica que antigamente era mais rentável. “O meu pai ganhava muito mais do que um empregado público na altura”, lembra. No entanto, agora as condições são outras e há menos procura. “Não era nada do que é hoje. Agora é muito diferente, inclusive monetariamente. Antigamente ganhava-se muito aqui. Era outra vida, outros relógios, de cordas, mecânicos. Hoje são todos eletrónicos e de pilhas”, recorda Fernando Amaral.
No que toca ao futuro, apesar de Fernando Amaral ter quatro filhos e seis netos, nenhum dos seus descendentes mostrou interesse em aprender o seu ofício. “Fui o último da família a aprender relojoaria”. Apesar de ser incerto o destino deste negócio centenário, Fernando Amaral, enquanto puder, pretende fazer o que gosta e manter a Relojoaria Amaral, na Rua Nossa Senhora da Conceição, como tem permanecido há quase 111 anos: de portas abertas, a preservar uma herança de família e uma profissão em vias de extinção.
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