Com entrevista marcada para as duas da tarde, chegámos dez minutos antes da hora marcada. Depois de vários lances de escadas, no segundo piso do edifício onde se situa o consulado americano mais antigo do mundo em funcionamento ininterrupto, chegámos à porta. Por cima, o brasão nacional dos Estados Unidos da América (EUA). Lá dentro, uma janela blindada e dois seguranças. Convidados a entrar, passámos por um controlo de segurança semelhante à de um aeroporto. Segurança feita, e no interior do edifício, são vários os símbolos americanos. Encaminhados para o gabinete da cônsul, fomos recebidos de forma calorosa por Margaret Campbell para a conversa com o Diário da Lagoa. Nasceu nos EUA, frequentou a Universidade da Virgínia, onde estudou Língua e Literatura Alemã. Margaret é casada e mãe de dois filhos. Iniciou a sua carreira no departamento de Negócios Estrangeiros dos EUA, em 2003, e tem-se concentrado principalmente em assuntos europeus. Chegou à ilha de São Miguel em junho de 2022 para liderar a equipa do consulado americano em Ponta Delgada. Com uma vasta experiência internacional, passou por vários países e continentes, é “uma defensora fervorosa do intercâmbio cultural como forma de ampliar o entendimento mútuo”.
DL: Quem é a Margaret e como se descreve?
Sou uma diplomata americana representando aqui os Estados Unidos da América no Consulado mais antigo, numa operação contínua para o nosso país, os EUA, no mundo inteiro. Sou mãe de dois filhos, tenho um marido e estão aqui comigo nos Açores. Também tenho o meu pai — a minha mãe, infelizmente, faleceu há quatro anos — e tenho muitos primos. Considero-me uma pessoa com muita sorte porque tenho uma família enorme.
DL: É natural de que zona dos EUA?
Sou natural da Virgínia, perto de Washington DC, mas, claro que com a carreira de diplomata nós mudamos de país a cada três anos. E, depois, voltamos para a Virgínia onde trabalho na sede do Departamento de Estado em Washington. O meu marido também trabalha no governo dos Estados Unidos, no Departamento da Educação. E quando estamos na Virgínia trabalha normalmente de forma presencial e não remotamente como acontece enquanto está aqui nos Açores.
DL: Estudou Língua e Literatura Alemã. Como surgiu este interesse por uma língua europeia?
Boa pergunta. Eu acho que o intercâmbio cultural é muito importante. Quando estava na escola secundária recebi uma bolsa de estudos para estudar na Alemanha e no Japão. Com 17 anos tive que viver com uma família alemã, frequentar uma escola alemã, sem ainda saber falar a língua, o que para mim foi difícil e desafiante. Por isso, depois continuei a aprender e a estudar alemão. Agora o que gosto muito é o facto dos meus filhos estarem a aprender português da mesma maneira. Quando cá chegaram não conheciam a língua portuguesa, mas agora frequentam a escola aqui em Ponta Delgada e falam quase fluentemente, ou seja, estão sempre a corrigir o meu português.
DL: Na sua carreira na Europa começou pela área das Relações Internacionais mas focada exatamente nos assuntos europeus. Porquê?
Nós diplomatas somos conhecidos por sermos generalistas [em termos de conhecimento], o que significa que podemos trabalhar em qualquer parte do mundo. E comecei a minha carreira a trabalhar na embaixada dos EUA na Arábia Saudita. Mas, posteriormente, por saber falar alemão fui enviada para a Alemanha e para a Áustria. E como também estudei espanhol, estabeleceu-se esta ligação.
DL: Quais as tarefas diárias de uma cônsul?
Tenho sempre muito que fazer. As prioridades são manter os laços históricos de cooperação e amizade com o povo e Governo regional dos Açores, prestar um serviço da mais elevada qualidade aos cidadãos americanos no arquipélago, salvaguardando a sua segurança e bem estar. Esta é uma prioridade muito importante, bem como aumentar o intercâmbio educacional, cultural e comercial. Em serviços consulares eu já visitei sete das nove ilhas durante este ano e meio que cá estou. E uma das visitas foi uma aventura que nunca mais vou esquecer. Fui para as Flores e depois para o Corvo num semi-rígido, mas fui de fato porque estava em trabalho enquanto os restantes estavam vestidos à turista. Foi muito interessante [risos]. E também temos cidadãos americanos no Corvo. Podemos apoiar na renovação dos passaportes, assinar as certidões de nascimento. Enquanto estive nas Flores houve crianças às quais concedemos pela primeira vez a cidadania americana.
DL: Está em São Miguel desde junho de 2022. Como tem sido a adaptação?
O meu marido nunca se sentia confortável nos lugares onde vivíamos, exceto aqui. Ele quer comprar uma casa cá e que nos mudemos para os Açores. É a primeira vez que isso acontece. E também é muito bom que os meus filhos estejam na idade em que podem frequentar a escola e aprender a língua portuguesa. O que considero ser a chave de acesso à cultura. Para mim trata-se de uma cultura muito semelhante àquela que temos nos Estados Unidos, na importância que se dá à família, porque se reparar estou sempre a falar da minha família.
DL: Trabalhou no American Spaces e no escritório de Assuntos Educacionais e Culturais do Departamento de Estado, em Washington, sendo essa uma das suas áreas de interesse. Sendo que nos Açores há uma elevada taxa de abandono escolar, é possível aos EUA apoiarem de alguma forma?
Esta semana, por exemplo, estou a trabalhar muito com a Fulbright para rever candidaturas de açorianos que desejam estudar nos Estados Unidos. Esses programas são apoiados pelo Governo regional dos Açores e, também, pela Fulbright. Fico impressionada com os açorianos que se candidatam, porque vejo como colocam ênfase na ciência, na criatividade e na inovação. Isso é muito interessante e, por isso, estamos a apoiar essas bolsas de estudo exatamente para fortalecer esses laços entre ambos os países.
DL: A relação com o arquipélago açoriano é importante para os Estados Unidos?
É muito importante. Digo sempre aos jornalistas e a todas as pessoas de cá que os Açores têm uma importância geoestratégica que não vai mudar, porque estão no meio do Atlântico e mais próximos dos Estados Unidos do que o continente da Europa. Então, sempre que estou a conversar com americanos que querem visitar os Açores, digo: é muito mais fácil voar para os Açores do que para o continente europeu. E, igualmente, porque se trata de uma relação histórica, pois Portugal e os Açores são dos amigos mais antigos dos EUA.
DL: O que diria mais a um americano que pretende visitar-nos pela primeira vez?
Há muito que fazer aqui. Sempre digo que os trilhos são maravilhosos e ainda há uma semana fui com o meu marido fazer o trilho Janela do Inferno na Lagoa. O nome é um pouco dramático mas foi um trilho maravilhoso. Acho que a natureza aqui nos Açores tem algo de muito especial. A minha família quase toda já visitou os Açores e a minha casa já parece um alojamento local, porque temos sempre visitas e a casa cheia até ao final de setembro. Eu acho que tenho que me entusiasmar menos para não ter tantas visitas.
DL: Pretende manter esta ligação quando regressar ao seu país?
Oxalá. O meu marido quer ficar aqui, comprar uma casa. E como os meus filhos estão na escola, sendo que têm 11 e 13 anos, e têm verdadeiros amigos aqui, estão integrados na cultura e também jogam futebol, por isso acho que é impossível para a minha família esquecer os Açores.
DL: Quer acrescentar mais alguma coisa?
Sim, gostaria de acrescentar que Joana Bettencourt do partido Bloco de Esquerda [candidata pelo círculo dos Açores] disse que existem trabalhadores portugueses que trabalham pelo Estado Norte Americano na Base das Lajes cujo salário base está abaixo do salário mínimo. A compensação dos funcionários locais da Base da Lajes não está abaixo do salário mínimo dos Açores e nenhum funcionário da Base das Lajes recebe abaixo do salário mínimo. Os Estados Unidos da América reconhecem o valor geoestratégico dos Açores como já referi e estão empenhados numa presença contínua na Base das Lajes.
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