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O Mesquinho

Rui Tavares de Faria
Professor e Investigador

Iniciar o ano a falar sobre mesquinhice pode não parecer um bom augúrio. Tranquilize-se, porém, o caro leitor, porque o décimo tipo ético a que se dedica Teofrasto nos seus Caracteres bem pode ser ilustrativo de um comportamento ou modus uiuendi a considerar no dia a dia, não apenas no período cronológico que agora se inaugura, mas também a médio e a longo prazo. A mesquinhice, afirma o autor grego, “é uma economia levada para além das marcas.” (Char. 10.1). O que mais se deseja “para além das marcas” em véspera de Ano Novo? Prosperidade! E se estes votos traduzissem a mesquinhice teofrástica, não seria de facto próspero – financeiramente – o Ano Novo? Na ótica do “mesquinho”, não há esbanjamentos, não há manhãs e tardes passadas no shopping a encher sacos com prendas para o Natal ou para o Reis, não se coloca sequer a hipótese de beirar o supérfluo… De acordo com os traços deste carácter humano, a quadra que ainda se vive e celebra restringir-se-ia ao extremamente necessário e básico, o mesmo é dizer a um amealhar de “prosperidades” para os 365 dias que se seguem, evitando dispensar o que quer que seja ou fosse com o(s) outro(s). Esperto, pois claro.

O termo grego a que corresponde a palavra “mesquinho” em português, opção mais que acertada pela tradutora de Teofrasto, é μικρολόγος (mikrológos). Procedendo à decomposição morfológica do vocábulo chega-se, quase por intuição, a μικρός (pequeno, pouco) e λόγος (palavra, conhecimento, …), estrutura que sugere, à letra, qualquer coisa como “o de pequenas/poucas palavras ou ações”.

Etimologicamente, o μικρολόγος (mikrológos) é, assinala Maria de Fátima Silva, “o miudinho, aquele que presta atenção e faz contas a coisas pequenas; tem, portanto, um lado de avareza na sua personalidade”; e a classicista acrescenta que “sobre a falta de maleabilidade no que respeita ao dinheiro, Aristóteles (Ética a Nicómaco 1121a, 10-15) divide os comportamentos humanos em dois estilos: “os que exageram no receber e os que se excedem no não dar.” […] É sobretudo nesta dicotomia que o mesquinho e o avarento divergem, o primeiro muito apertado no dar e o segundo sobretudo preocupado em receber e acumular. Logo o mesquinho ensaia, de certa forma, um comportamento regular para com os outros, apenas se excede no grau das restrições que impõe.” Por outras palavras, embora próximo do sovina ou do forreta, o mesquinho tem a particularidade de se “autorrestringir”, apertando-se no dar. Não há neste perfil um ideal de busca da prosperidade?! No poupar está o ganho, dita o adágio popular, e nesta perspetiva não se sabe se o português (nós!) não deveria assumir um carácter de mesquinhice de vez em quando, com o objetivo de se impor certos limites e aproximar-se dos que são efetivamente prósperos (como os nórdicos, por exemplo). É caso para se refletir sobre o assunto…

Na verdade, o mesquinho de Teofrasto é aquele que, “a meio do mês, vai a casa de um devedor cobrar uns míseros cinco tostões” (Char. 10.2.), logo, os empréstimos ficam devidamente saldados, não há aqui o “pagas (muito) depois” ou o “nunca chega a pagar”. O mesquinho é aquele que, “num banquete, deixa contas a quantos copos cada um bebe e, entre todos os convivas, não há quem como ele rateie as oferendas a Ártemis.” (Char. 10.3), ou seja, é o indivíduo que, num jantar entre colegas e/ou amigos, não aceita dividir equitativamente a conta, uma vez que não bebeu vinho ou não comeu sobremesa.

Chamemos-lhe de tolo! O mesquinho é aquele a quem trazem “a comida por uma pechincha e, quando se lhe apresenta a conta, ele queixa-se de que é muito caro” (Char. 10.4); trata-se, pois, não de um insatisfeito, mas de alguém excessivamente crítico que, procurando apertar-se no dar, exige uma correspondência entre a qualidade do produto que adquire e o valor que por ele tem de pagar. Os exemplos continuam, mas os que antes se enumerou são suficientes para se justificar a intenção inicial de que o “mesquinho” pode ser um bom augúrio para se ter ou alcançar a tão desejada prosperidade que se recebe nos votos de um feliz Ano Novo.

Poupado e atento – e não sovina ou forreta –, ser-se mesquinho é, afinal, sinal de se possuir alguns dotes de inteligência (prática, com certeza) ou, pelo menos, de um certo sentido de oportunidade e estratégia de atuação social. Veja-se como nos rodeamos de adeptos da mesquinhice. Quantas vezes não se acompanha um colega de trabalho ao café e se avança, dois ou três dias seguidos, com os “míseros cinco tostões” para pagar os dois cafés? Nunca aconteceu o aparecimento de um outro colega, à hora do almoço, que, não fazendo planos para nossa companhia, se junta, almoça e se esqueceu da carteira? Noutros casos, quando se organiza um convívio, há sempre um elemento – o mesquinho – que se recusa a participar no evento porque o valor lhe foge, diz ele, do orçamento semanal, mas conduz um carro de topo de gama e tem piscina aquecida em casa. Ou, ainda, em comemorações que implicam dar uma prenda a um colega ou a um aniversariante, há também aquele envolvido que considera de mais proceder desse modo, pois a sua presença e o valor que pagará pelo almoço/jantar já são oferta mais que satisfatória…

Talvez por tudo isso não seja de todo despropositado ser-se mesquinho, porque é o mesquinho quem sai sempre a ganhar, é ele quem sabe, na realidade, o que é a prosperidade. Esquivando-se àquilo que considera supérfluo, impondo-se limites nos gastos, sobretudo naqueles que não lhe dizem diretamente respeito, que é isso senão saber poupar e, ato contínuo, prosperar? Fica, pois, a ideia de que nem todos os perfis éticos desenhados por Teofrasto nos Caracteres são exclusivamente negativos. Desejados votos de um próspero 2025, com a devida e necessária mesquinhice!

Ser-se mesquinho é, afinal, sinal de se possuir alguns dotes de inteligência (prática, com certeza) ou, pelo menos, de um certo sentido de oportunidade e estratégia de atuação social.

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