“O exagero político de aprovar milhões, acaba muitas vezes em tostões nas mãos dos agricultores”
Jorge Rita, presidente da federação agrícola dos Açores, mostra-se preocupado com a diminuição do preço pago aos produtores de leite. Na entrevista que dá ao Diário da Lagoa (DL) realça as potencialidades da Lagoa no âmbito do setor agrícola

DL: A dimensão da Lagoa poderá ser limitante para os agricultores do concelho?
Não, a Lagoa até, se nós analisarmos em termos de produção de leite, é o concelho na ilha que mais produção tem, por rácio de produtor. É um concelho que tem aptidões naturais para agriculturas excecionais, exemplo disso são as produções do passado da beterraba, da escória, do tabaco. Na área das hortícolas sempre foi um concelho muito forte nesse tipo de produção.
O concelho tem um grande potencial devido aos seus solos, o que é excelente. Algo que tem sido feito, mas se calhar ainda há muito mais a fazer é ao nível dos abastecimentos das explorações.
E a Lagoa para além de ter algumas vantagens por ter nas proximidades todos os mercados — tem uma indústria de laticínios, tem outras que não são muito distantes — está próxima do centro que define a agricultura em termos operacionais na região. O potencial existe a todos os níveis.
Há os desafios para a própria autarquia que têm a haver com as alterações do PDM [Plano Diretor Municipal]. É importante que se altere algumas das decisões de há muitos anos que estão a nível do PDM, por exemplo, ao nível da dimensão das próprias explorações. É um trabalho que está a ser feito, esperamos que seja concluído e que venha de encontro àquilo que são as pretensões dos agricultores.
DL: E acha que essas intervenções, que são necessárias, vão ser atendidas?
São urgentes e estão a ser atendidas e discutidas porque temos o novo quadro comunitário aí é preciso fazer investimentos. E ainda bem que existem produtores e agricultores no setor que têm vontade e acreditam em fazer investimentos, porque se não fosse assim a situação podia ser muito mais grave. Se existe essa vontade da produção, em querer continuar a investir e a crescer, a nível da Associação Agrícola de São Miguel, nós mostramos muita satisfação.
DL: A produção de leite nos Açores é sempre um tema que está em discussão. O preço pago aos produtores baixou.
É sempre uma situação dramática porque temos de reconhecer que as subidas foram muito interessantes. É pena. Aqui o nosso grande foco da discussão é que foram tardias. Se tivessem sido feitas de forma atempada, quando houve os sinais positivos dos mercados, se calhar hoje não estaríamos a falar em descida. A questão é que todos, sem exceção, subiram muito tarde e quando os mercados já estavam estabilizados em alta em todos os países da União Europeia. Não só os mercados dos laticínios, as indústrias capitalizaram-se e não refletem o verdadeiro negócio do produtor. Isso para eles é uma situação dramática, embora o pagamento final de cada litro de leite, em comparação com o passado, tenha melhorado. Mas também viemos de três anos de prejuízo latente em quase todas as produções de leite. Tivemos que recorrer a mais apoios e fazer uma ginástica brutal. Houve aqui toda uma situação muito grave na economia regional pelo preço do leite pago ao produtor ser muito baixo.
Se não houver produtores, não existe indústria. Fui bancário e tenho experiência nisso. Quando saí da banca, a lavoura tinha endividamento entre 10 a 15 anos, era praticamente o máximo. Hoje em dia, muitos lavradores estão com 30. As indústrias que, normalmente, estavam entre os 10 e 15 anos e às vezes até mais, hoje estão com cinco. Ou seja, as indústrias na fileira sempre foram aquelas que mais ganharam e isto é uma situação que nos preocupa. Por isso é que o Governo regional, o Governo da República e a Europa têm que estar muito atentos à aprovação de projetos nas indústrias. Se for para fazer mais do mesmo, não faz qualquer sentido. Ou a indústria se compromete a dar valor acrescentado para a região, e dessa forma melhorar o rendimento dos produtores, ou se calhar não vamos deixar que as indústrias continuem a fazer este investimento. Sobre as indústrias que anunciaram a baixa do preço pago ao produto de uma forma muito precoce, que foi a Prolacto e a Bel, é uma situação que lamentamos profundamente.
DL: É um problema para os produtores.
É um problema para os produtores. Nós também sofremos com a inflação, nós sentimos a descida do preço do leite. A fatia do leão fica sempre do lado da indústria. Com a distribuição é uma luta que existe entre eles, mas pelos vistos dão-se muito bem, porque são os dois que ganham sempre bem. Não ganha o consumidor e perde sempre, claramente, o produtor.
DL: O Governo pode fazer mais?
O que estamos a assistir é algum desnorte nas decisões políticas nacionais que depois acabam por ter um reflexo na Região Autónoma dos Açores.
É impossível qualquer tipo de governo substituir-se às crises ou substituir-se à inflação. Se alguém quiser dizer que na inflação o governo pode por dinheiro e elimina a inflação, isso não existe.
Por exemplo, a nível nacional o IVA zero, não serve de absolutamente nada. Não seria muito mais interessante aplicar essas verbas na produção ajudando os agricultores e a outra parte ajudando aqueles que são mais carentes e têm mais necessidades? E socialmente era muito melhor, porque o IVA zero não existe, isso é uma falácia do meu ponto de vista.
DL: Falamos com alguns produtores que dizem que há muita promessa de apoios mas que na prática não conseguem ir buscar muita coisa.
A grande questão é essa. Anunciam-se muitas verbas mas nunca se diz a verdade toda, esse é o grande problema. Por exemplo, pode haver muitas ajudas a nível do que o Governo regional cria, mas as próprias empresas nem sequer se podem candidatar. Não é aquele valor que se anuncia por empregado, por pessoa ou por organização que vão receber. É preciso ter muito cuidado. O exagero político de aprovar milhões, acaba muitas vezes em tostões nas mãos dos agricultores.
Quando se fala nos milhões para a agricultura toda gente pensa que são para os agricultores. Não são só para os agricultores. Vou-lhe dar um exemplo: no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], dos 580 milhões, 30 milhões são para a agricultura, não são para os agricultores. Dos 30 milhões, quatro milhões e meio é que são para os projetos dos agricultores, o resto é, por exemplo, para matadouros e estradas.
DL: Relativamente à questão dos transportes, é urgente facilitar a circulação de bens entre ilhas?
Sou presidente da federação, e em todas as ilhas a grande reclamação tem a ver com os transportes.
Desde o Corvo a Santa Maria, os transportes, até mesmo em São Miguel, os transportes muitas vezes são um grande problema. Se calhar nós não falamos muito para não dizerem que nós, em São Miguel, estamos sempre a falar do mesmo assunto. Os transportes em São Miguel, os transportes marítimos em São Miguel, muitas vezes são um problema, não é só nas outras ilhas. E se calhar na Terceira é igual. Há aqui um problema de transportes que já se vem acumulado há muitos anos. Como se resolve essa situação? Acho que os políticos estão lá para resolver a situação. Existem quadros comunitários de apoio, existem apoios, existe muita matéria para progredir.
Clife Botelho
Entrevista publicada na edição impressa de maio de 2023