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No dia de compadres em Água de Pau

Conto mais esta história, “Antes que a memória se apague”

Roberto Medeiros

A história foi-me contada pelo Mestre Antero e aconteceu há já largos anos em Água de Pau nos meados da década de 1950. Viviam o António e o Augusto, dois compadres, um na rua da Arrochela e o outro na rua dos Coelhos. Os seus quintais separavam-se apenas por um arbusto de «bufa-de-cão».

Sempre se deram bem e por isso partilhavam as novidades das sementeiras dos seus quintais e um deles tinha até um pequeno estábulo com uma vaca, que também era dos dois. Dividiam entre si, as várias «canadas» de leite da vaquinha e assim foi por alguns anos.

Um dia, encontravam-se os dois compadres na taberna do tio Chico Inácio, numa função de goela, ou seja, a beber um copo de vinho novo da Caloura. O compadre António já tinha a morra aos trambolhãos, porque aquele era mesmo daquele vinho especial, traçado com uva-jaqueira do Cinzeiro e por isso, já lhe tremia o copo na mão.

© D.R.

– “O que é que me crias dezê compadre António?” Perguntou-lhe Augusto.

-” A gente tem de se d’vedir compadre. Eu vou p’Ámerca e eu precise de dinheire pás passages!” – retorquiu-lhe António.

– “Mas, o que é c’a-gente vá d’vedir compadre? Só se fô a vaca?”

E, lá decidiram os dois compadres dividir entre a si a vaca. Agora, como se divide uma vaca é que levou os dois compadres ao escritório dum advogado, na cidade. Em frente ao advogado, sentado na sua secretária, puseram-se os dois compadres de pé, de casaca dobrada no braço e de chapéu na mão.

– “Caros senhores o que vos traz aqui ao meu escritório?” – inquiriu o advogado.

– “ Òh senhô doutô, a gente semos sócios numa lavoura e a gente quésse d’vedir – tá a comprendê? ”

– “Está bem e, quantas vacas formam essa vossa lavoura?” – questionou o advogado.

– “A gente sempre se-demos bem Senhô Doutô mas na sabemos resorvê isse. A gente tem oá [uma] vaquinha e crêmos se d’vedí! Na-sê se me tá a entendê! “

– “Siimmm já entendi!…e bem! Vocês têm uma vaca em comum e querem dividir-se! Ora isso não é fácil, como devem calcular! Bem… depositem aqui 10 contos e eu depois entro em contacto convosco mais tarde!

– “ 10 contos?!!! – Óh Snhô Doutô a gente singanou na porta. A gente pensava qu’isse aqui era um scritóre dum advogade e nã um Banque! “

Já na rua, os dois compadres lamentavam-se “descorçoados” e sem saber como tinham ido ali parar e então recordavam quem lhes tinha indicado, na Praça de Água de Pau, aquele advogado.

– “O compadre Augusto alembra-se quim fou que aconselhou a gente pa-ir àquel advogade?…na-fou o Jesé fava-no-pé? Ou fou o Jesé pé-da-mã?”.

– “Nã, na-fou ninum deles. Fou o Jesé Vira-o-bôlo!”

-” Lá-nada ! …esse é pescadô e nunca botou os pés na cidade. Fou o tio Jesé Borges Miáôfa !”

– “ Intam-se fou isse! E a gente na-quis ouvir o mestre Antére. Ele é que tinha razã ! “

– Ah pous fou ! … ele disse à gente: “vacês na-vaiam pará ao scritóre dargum advogade de 10 contes!”

– “Êh que merda, êh ninvendo? Fou mesmo compadre “

MAS, e a vaca?

© D.R.

Chegados a casa em Água de Pau foram ter com o senhor Pacheco da Preta e esse deu-lhes 10 contos pela vaquinha…Mas, por via de dúvidas e descarte de consciência, o senhor Pacheco pôs nas mãos de cada um, cinco lençóis de mil patacas para que não fossem procurar o padre para os ajudar a dividir os 10 contos.

Contentes, lá foram de novo “levantar-nosso-senhor” que é como quem diz, beber mais uns copos de vinho de cheiro da Caloura na taberna do tio Chico Inácio, com a tia Berta, a sua mulher, a passar por eles olhando-os de escantilhão e de passo vivinho, com o juízo pulando de censura e maldizer!

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