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“Não acredites em nada, questiona tudo”

Numa entrevista exclusiva ao Diário da Lagoa (DL), o cientista Craig Mello falou de ciência e dos perigos da informação tendo agora o seu nome no auditório do Hospital Internacional dos Açores

Craig Mello nasceu nos Estados Unidos da América, mas os seus bisavôs paternos são naturais da Maia na Ribeira Grande © MARIANA P. ROVOREDO/ DL

O I Congresso Internacional promovido pelo HIA trouxe em outubro passado, à Lagoa, como convidado de honra, o galardoado biologista Craig Cameron Mello, de 62 anos. Tem ascendência açoriana e venceu o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2006, juntamente com Andrew Fire. 

O nobel deveu-se à descoberta da Interferência RNA (ribonucleic acid). O ácido ribonucleico, em português, é um ácido nucleico, uma molécula formada por unidades menores chamadas nucleotídeos. O estudo de Mello e Fire descobriu um mecanismo que ocorre naturalmente nas células de plantas e animais. As conclusões vieram desmentir um dogma central de genética e que, afinal, as moléculas duplas de RNA conseguem barrar a passagem da informação do ADN para o formato de proteína e que o RNA não serve apenas para transportar a informação do ADN para proteína. Nesse seguimento, esse mecanismo poderá ser usado para desligar genes, nomeadamente genes ligados a doenças, sem interferir diretamente no ADN.

Craig Mello nasceu em New Haven, Connecticut, nos Estados Unidos da América (EUA), em 1960, mas os seus bisavôs paternos, Eugénio de Melo e Maria da Glória Barracôa, emigraram da Maia para os EUA em 1907. Mello possui um bacharelato em Bioquímica e doutoramento em Biologia Molecular. Desde 1994 é professor de Biologia Molecular na Universidade de Massachusetts e é investigador do Howard Hughes Medical Institute há 22 anos. Em 2005 foi eleito membro da Academia Americana de Ciências.

No dia do desfecho do evento, que decorreu a 21 e 22 de outubro no Nonagon, Mello falou sobre a sua família açoriana, e explicou o estudo que lhe valeu o Prémio Nobel. No final, recebeu uma medalha comemorativa dos 500 anos da Lagoa, entregue por Cristina Calisto. O norte-americano foi homenageado nas instalações do HIA tendo o auditório do hospital sido batizado com o seu nome. 

Em entrevista ao Diário da Lagoa (DL), Mello falou sobre si e sobre as suas raízes açorianas, sobre ciência e ainda sobre a maneira como devemos utilizar a informação, que está em “perigo”, da maneira mais inteligente. 

DL: É a primeira vez que vem aos Açores?
Não, é a quarta vez.

DL: Os seus bisavós emigraram da Maia para os Estados Unidos da América. Acha que as suas raízes açorianas influenciaram a sua vida?
Absolutamente. Lembro-me das histórias que o meu avô costumava contar sobre a Maia, embora ele nunca a tenha visto. Ele nasceu nos Estados Unidos da América, mas conhecia as histórias da sua família. Sempre quis conhecer os Açores. Valorizo essa herança da minha família simples e muito trabalhadora.

DL: Como teve conhecimento do HIA? Como foi o seu primeiro contacto com o hospital?
Tive conhecimento do HIA através da minha família cá. Ouvi-a falar sobre como este era um novo projeto importante que ajudaria a fornecer cuidados de saúde na ilha. Então decidi ajudar e entender como poderia apoiar o projeto.

DL: Qual é a importância de uma conferência como esta e o facto de estar a acontecer nos Açores?

Acho que esta conferência é muito importante para reunir as pessoas, com o objetivo de tentar resolver estes problemas e melhorar a prestação de cuidados de saúde. É um desafio. Há aspetos económicos e empresariais que eu não compreendo e depois há um outro lado,  a troca de informação sobre as novas tecnologias e as novas abordagens que passam a ser possíveis. Vejo a sua utilidade por essas duas razões.

DL: Quando e como percebeu que queria fazer o que faz, e que queria ser cientista?
Desde criança sabia que queria ser cientista, só não sabia de que tipo. Pensei que seria astronauta ou algo parecido, porque o Homem estava a andar na lua quando eu tinha nove anos. Contei um pouco dessa história durante a minha palestra, sobre a altura em que aprendi genética. Isso realmente abriu-me os olhos para a Biologia, e adorei.

DL: Como se sente relativamente a esta homenagem a si, dando o seu nome ao auditório do HIA?
É fantástico. Acho excelente e estou muito feliz por isso.

DL: Sobre ter ganho um Prémio Nobel, qual foi a sensação de ter alcançado tal reconhecimento? Estava à espera?
Não estava à espera. Foi uma surpresa porque veio tão rapidamente depois da descoberta inicial. Foram apenas oito anos, por isso fiquei bastante surpreso.

DL: Que conselhos daria aos cientistas açorianos?
Dou o mesmo conselho a todos que é “não acredites em nada, questiona tudo” e usa a informação muito cuidadosamente. Usa a informação para tentar refutar aquilo que acreditas ou pensas, não a uses para tentar confirmar. Isso é saudável. Deves estar sempre disposto a admitir que não tens a certeza. Se seguires essas regras simples, acho que é bom, não só para a ciência porque é isso que os cientistas fazem, mas também para a sociedade.

DL: Então também podemos desacreditar factos científicos?
Absolutamente. Deves questionar tudo. É o que os cientistas fazem diariamente. As experiências que fazemos não servem para provar que estamos certos, são para tentar provar que estamos errados e se falharmos, continuamos a acreditar no que acreditamos, mas se tivermos sucesso temos de seguir em frente e pensar numa nova ideia. Na ciência, as ideias nunca são definitivas. É isso que é tão difícil as pessoas perceberem e é por isso que surge a ideia de que os cientistas concordam sobre as alterações climáticas. Não podemos provar que o clima está a mudar devido à atividade humana, mas parece uma ideia bastante credível. É difícil refutá-la, mas também não a podemos provar. Este é só um exemplo.

Esse é um sistema muito complicado. Pode chegar a um nível filosófico, a certo ponto, porque a base do conhecimento humano é baseada na perceção. A certo ponto, estamos perante a filosofia antiga: “como é que sabes que algo é real?”, “como é que podes provar que esta parede existe?”. Não posso atravessá-la, posso bater nela. Isso é muito simples. O facto é que não posso provar que ela existe, só posso dizer que a perceciono, mas é apenas perceção. Então, a ciência acredita num conceito inicial simples e racional da existência de um universo real em que estamos, mas não podemos conhecê-lo absolutamente, podemos apenas testar as nossas ideias.

O que aconselho a qualquer pessoa é usar a informação dessa forma, e se fizer isso será um cidadão muito mais inteligente e votará melhor. Nunca deves acreditar no que os cientistas te dizem, ou no que eu digo ou no que um político diz. A informação não está a ser tratada com segurança. Isso é muito perigoso.

Mariana Piedade Rovoredo

Entrevista publicada na edição impressa de novembro de 2022

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