Nos nossos dias não é habitual os órgãos de comunicação social participarem nas reuniões de Câmara no concelho de Lagoa, mas, há 100 anos atrás isto acontecia. Dá conta disso o “VigilanteII” , um semanário dedicado aos interesses do nosso concelho, com redacção e administração na rua do Tanque, na Lagoa. Era seu director, proprietário e editor o lagoense António José de Sampaio.
“Como se fazem as sessões da nossa Câmara Municipal”
Relata-nos o “VigilanteII”, na sua edição de 14 de Maio de 1916 o seguinte:
“Ora, no dia 29 de Abril último, soube-se que haveria nova sessão plenária na Câmara, onde compareci com diversas pessoas, a fim de assistirmos à sessão, mas infelizmente só nos foi dado ingresso muito depois das 2 horas da tarde, hora em que se abriu a portinhola para tal fim. Ao entrarmos na sala, achavam-se todos os senhores vereadores já de posse das suas cadeiras, tendo assumido a presidência o vereador sr. Marcelino do Rego Borges, tendo ao seu lado o sr. Administrador do Concelho, o Arthur, a título de servir de ponto à comédia que se ia representar e já de antemão ensaiada na administração do Concelho, onde estiveram reunidos em conferência os senhores Manuel Egídio, Tavares, ambos de Água de Pau, Martins do Cabouco e Virgílio da Ponte, desta vila.
Mas, ao entrarmos na sala já o sr. secretário da Câmara andava com o livro das actas, cobrando a assinatura dos srs. Vereadores, provavelmente da acta anterior, da última sessão, que foi feita a portas trancadas, sem que essa acta fosse lida como é praxe.
Mas, vamos adiante. O sr. Administrador que se achava de cigarro na boca, tocou na manivela do sr. Presidente, despertando-o do letargo em que se achava possuído, e dando a corda necessária, disse: está aberta a sessão, seguindo-se um prolongado silêncio.
O sr. Araújo (de Água de Pau) diz que era necessário tomar-se providências sobre a caça – porque os canários, os melros negros e os estornos faziam um prejuízo às sementeiras.
O sr. Presidente: – Traga-me sr. Secretário o regulamento da praga !! (Espanto geral).
O sr. Martins – interrompendo o sr. Presidente diz-lhe que é pena, mas que os canários faziam realmente um bom guisado. (E esta!)
O sr. Secretário, com a sua presença de espírito, diz ao sr. Presidente que não há regulamento de praga mas sim de caça e que este mesmo é já muito antigo.
O sr. Manuel Egídio lamenta-se que não eram só os pássaros indicados pelo seu colega Araújo, mas que os ratinhos traçavam o milho em criança, isto é, em novo, e que seria urgente, que se tomassem providências.
O sr. Carneiro, que estava procurando no «Diário do Governo», o regulamento da praga, diz, isto é, não diz nada, e fechou os Diários imediatamente.
O sr. Soares do Rego, que não estava preparado para tal discussão, entendeu por ponto final à discussão e lembra à Câmara um muro que se achava caído e que seria urgente levantar-se por estar impedindo quase o trânsito e além disso um perigo para o trânsito de carroças, etc. – (Única coisa de jeito da sessão).
O sr. Presidente – tendo levado mais um bocadinho de corda, dada pelo sr. Administrador, diz que ficaria encarregado o fiscal das obras da Câmara, José Marques, do Cabouco, para fazer o relatório e o orçamento para tal fim e finalmente:
– Está fechada a sessão. Quanto aos restantes Vereadores, como se achavam como Pilatos no Crédo, levantaram-se, puseram o chapéu na cabeça e saíram para as suas ocupações, não me podendo referir durante a sessão aos mesmos srs. porque como de costume, não passaram do respectivo – amén!
E eis a sessão do dia 29 de abril que apenas durou alguns minutos sendo rápida como um relâmpago. Ora é caso para formularmos a nossa pergunta:
Que tem o sr. Administrador com a sua presença « gracinha» às sessões da Câmara e da Comissão Executiva? Que autoridade representa sua senhoria em tais actos?
Não sabem os nossos leitores? É que sua senhoria é único com habilidade, que manivela a corda que é transmitida às cadeiras dos srs. Vereadores, porque sem ela era o mesmo que estivessem a velar um defunto!
Infeliz concelho, que assim te achas entregue nas mãos de independentes régulos, sem política, sem ………. E sem justiça.
V.
Por: RoberTo MedeirOs
(Artigo publicado na edição impressa de janeiro de 2017)
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