Nasceu em Santa Maria, mas é na ilha mais próxima que cresceu e desenvolveu vários projetos em São Miguel. “A nossa família vivia num sítio rural e os meus pais vieram à procura de um futuro melhor”, começa por contar José Ernesto Rezendes, 69 anos, sócio e fundador da tipografia Nova Gráfica. Veio para a ilha aos seis anos de idade e aos 11 anos teve o seu primeiro trabalho. Anos mais tarde, “fiquei sozinho em São Miguel” porque “a minha família emigrou toda para os Estados Unidos da América e Canadá”, conta. Aos 15 anos iniciou a sua carreira na Tipografia Insular, onde descobriu o gosto e interesse pelas artes gráficas. O seu percurso, quando já tinha 22 anos, passou pelo jornal Açoriano Oriental, onde trabalhou durante cinco anos como diretor de produção. No entanto, como sempre demonstrou interesse pelas artes gráficas, procurou outro futuro e juntamente com três colegas da primeira tipografia onde trabalhou, fundou, há 42 anos, a tipografia Nova Gráfica. “Sabia que tínhamos capacidade para fazer coisas diferentes e sabíamos que dentro do espaço onde estávamos a trabalhar, estas coisas não seriam possíveis de realizar”.
Nesta altura, existiam 18 gráficas em São Miguel, agora “deve existir umas sete ou oito”, diz José Ernesto, comparando esta mudança com a própria mudança dos tempos. “Tudo evoluiu, o papel está cada vez mais em escassez e isso faz com que as gráficas comecem a desaparecer”, diz.
Um dos seus maiores projetos chama-se Letras Lavadas. A livraria surge porque há 17 anos, a Nova Gráfica adquiriu a editora e agência de publicidade Publiçor, Lda., ficando assim a livraria pertencendo à Publiçor, Lda.. “Tentamos transformar a agência numa editora porque é aquilo que sabemos fazer, produzir livros e colocar livros no mercado”, confessa. A experiência foi aumentando gradualmente ao longo dos anos e “chegou a uma altura em que ser só editores não se justificava”, continua. Por esta razão, decidiu-se criar uma “livraria de rua”, principalmente, “fora dos centros comerciais”.
Aberta desde 2019, celebrou no mês passado o seu quinto aniversário numa festa que juntou presentes colaboradores, autores e leitores.
A principal política editorial da editora passa por produzir livros de pessoas que escrevam sobre os Açores. “Neste momento, devemos ser a editora dos Açores com o maior número de livros sobre os Açores”, garante o fundador.
Na ótica do entrevistado, os livros que saem mais para venda na livraria são infantis. Para José Rezendes o livro, hoje em dia, funciona de duas maneiras: “para leitura, para as pessoas que têm necessidade de ler, aprender e evoluir” e, também, “como objeto de decoração e oferta”. Como editores e promotores de livros, “nós tentamos fazer livros cada vez mais bonitos e atrativos” através do design gráfico ou da matéria-prima que se utiliza no livro para que “as pessoas sintam que vale a pena comprar aquele livro”.
Na opinião do empresário, a leitura de livros está a diminuir e considera que os governantes, secretarias e outras instituições poderiam fomentar e promover mais a leitura.
“Uma livraria pequena em meios pequenos dificilmente sobrevive só por vender livros”, afirma José Ernesto Rezendes, referindo que, ou a livraria associa-se a uma grande empresa, como é o caso da livraria Letras Lavadas, ou então, por si própria, “não tem sucesso”, diz. Atualmente, os e-books são cada vez mais utilizados, mas para o empreendedor, quem lê através destes livros eletrónicos, “vai-se cansar” havendo pessoas que “já voltaram para o livro em papel”.
No mundo livreiro e das artes gráficas há certas dificuldades que são difíceis de combater, a título de exemplo dado pelo entrevistado, a matéria-prima que vem de países como a França ou Alemanha leva mais tempo a chegar ao arquipélago comparativamente ao continente e o transporte utilizado é o marítimo porque o aéreo é muito difícil e dispendioso. O transporte inter-ilhas torna-se também complicado por ser só uma vez por semana que é enviada mercadoria de São Miguel para outras ilhas, excetuando Santa Maria que são duas vezes.
Ao longo dos anos, a Nova Gráfica obteve 150 prémios de qualidade gráfica, sendo a primeira empresa dos Açores a ser certificada em gestão de qualidade de produção.
Para o entrevistado, o futuro é incerto, mas é necessário pensar nele. “O futuro é adaptarmo-nos aos que vem”, ajudando a alargar “a nossa missão e os nossos horizontes”, afirma o empresário, garantindo que sabe o caminho que quer e deve seguir.
Às oportunidades da vida e às pessoas que foram aparecendo no seu percurso, deve tudo aquilo que sabe. Aos leitores diz para “continuarem a ler”, referindo que se pode encontrar nos livros o que não se encontra no dia a dia.
“Nós, na gráfica, não somos melhores que os outros, mas temos a certeza que fazemos igual àqueles que fazem bem”, concluiu Ernesto Rezendes, confessando que é feliz e realizado com o seu trabalho e com o que conquistou em quase sete décadas de vida.
Quinto aniversário das Letras Lavadas
Batalhadora, criativa e sonhadora, é assim que se define Cláudia Ferreira, 33 anos, natural da Ribeirinha, Angra do Heroísmo. Reside em São Miguel há quatro anos e atualmente mora na Lagoa. Escolheu a Lagoa porque lhe faz lembrar a freguesia dos Biscoitos na Terceira e, por isso, “é reconfortante”, afirma. Acrescenta dizendo que tem “outra qualidade de vida” com “menos stress”.
Cláudia é autora de dois livros, estando o terceiro já escrito à espera de ser publicado. Associa o gosto pela leitura à sua infância. “Sempre percebi que eu, os livros e a escrita tínhamos uma ligação profunda”, começa por contar. “Gostava de me expressar através da escrita e de oferecer textos quando me deparava com alguém que estava mais triste”, continua.
Ainda era criança quando a sua professora, na escola primária da Ribeirinha, percebeu que Cláudia tinha facilidade com as palavras. “Na altura, os meus pais não perceberam, eu própria não sabia que aquilo era uma paixão e ficou adormecido”. Com 17 anos pertencia ao grupo de jovens da sua freguesia denominado por “Mensageiros da Palavra”. Este grupo convidava, mensalmente, um jovem para escrever um texto que viria a ser publicado posteriormente no jornal da freguesia. Cláudia foi convidada a escrever. “Quando eu vim para casa, sentei-me na secretária, comecei a escrever e aquilo começou a fluir”, diz. Aquele momento “foi como abrir a caixa de pandora, mas num lado positivo”, garante. A escritora conta ao nosso jornal que já se tinha esquecido desta sua facilidade com a escrita. “Era algo mágico que estava ali escondido e que voltou a desabrochar”, nota.
A partir daí surge um novo ciclo na sua vida. “A princesa de Limaland e a Pedra Mágica”, é o primeiro livro lançado pela autora em 2011. Um ano depois publica a continuação da história com o livro “A princesa de Limaland e o Mistério da Professia”. Estas histórias fazem parte de uma trilogia. “A princesa de Limaland e a Decisão Crucial” é o título do terceiro livro que já está escrito, mas como “há sempre detalhes a melhorar, não há data prevista de lançamento”, confessa-nos.
A autora revela que não sabe de onde lhe vem a inspiração. “Eu acho que a inspiração é que me escolhe”, conta. Lê, vê muitas séries e filmes, mas quando escreve “é muito natural” e as ideias começam a fluir.
Para além do seu trabalho profissional e da escrita de livros é, também, biblioterapeuta. A biblioterapia é uma terapia de diálogo mediada por um livro. Os livros são cuidadosamente escolhidos e podem ser em poesia ou prosa. A biblioterapia remonta ao antigo Egito e era algo já valorizado. A título de exemplo, uma biblioteca em Mênfis, antiga capital do Egito, tinha à entrada uma inscrição que dizia “Palácio para curar a alma” e por isso “os livros já eram vistos como terapêuticos para a alma”, afirma. No entanto, o termo biblioterapia surge em 1916 pelo norte-americano Samuel Crothers quando, ao visitar o seu amigo padre numa igreja, deparou-se com uma sacristia semelhante a um consultório médico onde o padre administrava doses de literatura às pessoas que se apresentavam com determinados problemas. O processo da biblioterapia acontece de forma simples. A mediadora utiliza um livro que permite fazer uma reflexão e após a leitura, cada pessoa irá refletir sobre aquelas palavras, abrindo portas para a catarse. A catarse é a libertação das emoções. O ouvinte absorve a história, identifica-se com as personagens e sentir-se-á “mais aliviado”, contribuindo para “o desenvolvimento pessoal” e ajuda “pessoas com depressão, ansiedade ou outras patologias”, explica Cláudia Ferreira. A biblioterapia funciona melhor em grupo e serve para qualquer pessoa que queira compreender as suas próprias emoções.
Cláudia descobriu o termo biblioterapia através de um livro e, como nos refere que é “apaixonada pela literatura, escrita e leitura”, quis levar a mensagem desta terapia para outras pessoas, para que percebam que “a literatura pode nos ajudar e pode ser um auxiliar na nossa vida”, diz. Através da rede social Instagram conseguiu encontrar uma formadora oriunda do Brasil. Esta formadora tem uma plataforma online onde é possível, através de aulas por videoconferência, qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, realizar a formação. No Brasil a biblioterapia é mais reconhecida, existindo disciplinas sobre este tema nas universidades do país.
Em conversa com o nosso jornal, conseguimos perceber que, em Portugal, é difícil conseguir formação nesta área. “As pessoas ainda estão muito reticentes”, nota. Acrescenta dizendo que é necessário desmistificar o conceito de ler um livro. “Eu penso que as crianças olham para o livro como uma obrigação”, sendo necessário que elas olhem para o livro como um “refúgio” ou como “algo a que podemos socorrer sempre que tivermos dúvidas, sempre que precisamos de saber alguma coisa”.
Para quem quer escrever um livro, Cláudia deixa a mensagem de que é necessário haver uma boa gestão pessoal do tempo. “É um ofício muito solitário e que exige realmente ficarmos fechados no nosso mundo para que possamos transcrever tudo aquilo que passa na nossa mente”, afirma.
“Pessoas que nos contam” com Cláudia Ferreira
O quinto aniversário da livraria Letras Lavadas decorre ao longo desta segunda-feira, 22 de julho. Várias atividades acontecem em comemoração do aniversário junto à Livraria situada em Ponta Delgada no Largo da Matriz.
No início da manhã, no exterior da loja, instalou-se uma máquina da tipografia Nova Gráfica com o intuito de personalizar blocos de notas para oferta. A partir das 10h00, incentiva-se a população a participar na leitura, em voz alta, de passagens de alguns dos livros editados pela Letras Lavadas.
Às 11h00 acontece um momento musical com o saxofonista micaelense Luís Senra, natural de Rabo de Peixe. Os momentos musicais continuam durante a tarde, sendo que às 14h00 o lagoense Luís Paulo Moniz, maestro da Sociedade Filarmónica Estrela D’Alva, também atua. Às 15h00, Raquel Gomes e Vitória Carvalho apresentam o seu talento através do violino.
A partir das 17h30, celebra-se o aniversário com bolo, acompanhado de champanhe. Entidades oficiais estarão presentes. Na página do Facebook da livraria pode ler-se que o momento serve para desfrutar “de um momento de confraternização entre amigos, leitores e a equipa da livraria”.
A cerimónia termina às 18h00 com a atuação da tuna masculina da Universidade dos Açores, os Tunídeos.
A noite clara de lua cheia iluminou o serão cultural no Centro de Atividades Culturais do Nordeste para a apresentação do livro “Longos versos longos”, do documentário “A infância é eterna num escritor” e, ainda, em jeito de surpresa, a entrega por parte de João de Melo do seu mais recente livro, “Lisboa”, obra que será apresentada em junho, na feira do livro da capital portuguesa.
Foram cerca de duas horas de cultura genuína e singela que cativaram os presentes. Ao seu jeito, João de Melo abordou temas que dizem muito aos açorianos, detendo-lhes a atenção pela excelência do seu discurso e por ser um escritor cujas características, entre as quais a simplicidade, agrada a todos.
Desde logo, a entrega do livro “Lisboa”, cuja apresentação oficial apenas acontecerá dentro de alguns dias, e que já se encontra patente no edifício da biblioteca municipal do Nordeste.
Recebido por Marco Mourão, vice-presidente da Câmara Municipal do Nordeste, João de Melo foi acompanhado numa visita às novas instalações do espaço, na qual se encontra uma estante dedicada ao escritor com todas as obras por ele publicadas, às quais agora se junta “Lisboa”.
“Este último livro surge como pagamento da dívida à cidade onde vivo e vivi a maior parte da minha vida, como sendo a cidade da razão, porque a emotiva continua a ser de ilhéu”, explicou o escritor.
Antes disso, participou na sessão cultural organizada pelo município, de apresentação pública do testemunho audiovisual de um dos escritores mais aclamados da literatura atual, conduzido pela professora Susana Goulart Costa, da Universidade dos Açores.
A sugestão de recolher o testemunho partiu da professora e foi acolhido pelo município, tendo sido gravado na casa onde viveu o escritor, na freguesia da Achadinha, no qual João de Melo dá a conhecer ao público as experiências de vida que moldaram as suas obras, sendo composto de uma segunda parte cuja data de exibição será oportunamente anunciada e que será feita na Casa João de Melo.
O documentário “A infância é eterna num escritor”, serviu de inspiração para que o município do Nordeste convidasse outros dois escritores a juntarem-se a João de Melo noutro momento cultural da sessão, designadamente, a professora Paula de Sousa Lima e João Pedro Porto, para um debate à volta das vivências pessoais na produção literária.
A sessão foi aberta pelo presidente da autarquia, António Miguel Soares, que salientou a “grande aposta que a autarquia tem feito na divulgação da Casa João de Melo, atraindo várias iniciativas de artistas, estudantes e grupos locais, que encontram naquele espaço um local onde podem apresentar trabalhos, estudar, ler, conviver e conhecer um pouco da história e cultura do Nordeste, da Achadinha e do escritor João de Melo”.