Log in

Outro amor é fantasia

Júlio Tavares Oliveira
Escritor

Só se ama uma vez
Outro amor é fantasia
Só se ama em quem crês
Que o amor é noite e dia

Bem que o teu amor te dizia
«Quem vier depois não te diz
o que o anterior te dizia»
Que o depois não te condiz

O que o dantes te condizia
Pois não tem comparação
Só se ama uma vez
Uma vez só – sem exceção

O resto é demagogia
Quimera, sonho e espuma
Banho imerso na farsa bruma
Outro amor é fantasia.

Não é sobre a viagem que fazemos, é sobre a forma como viajamos

Júlio Tavares Oliveira

Já, por vezes, nos questionámos, tantas vezes, em casa ou no café, ou mesmo ao relento na nossa cama, sobre o sentido «de tudo isto» – sobre as tantas vezes, mesmo, que errámos redondamente, sobre as mesmas tentativas falhadas, as inúmeras chamadas não atendidas, as mensagens ignoradas ou as relações falhadas; as mesmas ilusões sobre sonhos degradados; as mesmas dispendiosas desilusões amorosas sobre as mesmíssimas paixões atípicas não correspondidas.

Já, por vezes, com certeza, e ainda bem, nos questionámos, com angústia e desamparo, sobre a pessoa que amamos, e que se casou, no fim, com outro alguém – do porquê de tudo isto assim, sem conserto ou afeto; sobre aquele jogo que perdemos no último minuto da partida; sobre o penalti falhado ao poste; sobre o prato que caiu das nossas mãos e que se partiu no chão em mil bocados; sobre um mau dia no trabalho… Sobre tudo o que de mau (nos) acontece, e que sempre (nos) acontece só a nós.

Com certeza, caros leitores, e amigos, já vocês se questionaram, inúmeras e inúmeras vezes, sobre o propósito de estarmos todos aqui – juntos – a contar e a descontar os dias para um só dia: o da nossa morte.

Da minha curtíssima, e tangencial, vida – no meu recato de “estar” e de “ser” – apenas posso explicar e ecoar, discretamente, o som de outros que, como eu, e vocês, se preocuparam com estas questões e que, sobre elas, escreveram e pensaram.

Da minha vista ainda bem «curta» sobre estas coisas, posso dizer-vos abertamente que a vida, ainda que injusta, por vezes, tende a ser um quadro magnífico, e belíssimo, se encarado pela perspetiva mais bem enquadrada – ou mais certa. É como o magnífico ensinamento que nos convoca, sempre, a «dançar na chuva», reciclando, ou reaproveitando, uma circunstância difícil ou inglória e fazendo, dela, uma belíssima chance de criação magnífica e proporcionalmente bela.

Talvez o mais belo, tal como o vivemos, seja, hoje, tão menosprezado, seja tão mal-encarado como um fardo pesado, um mistério sem fim, um dom, uma tristeza deambulante, ou um meio sem princípio ou fim seguros e sem fio condutor que não seja senão intermitente; porque, apesar de estarmos todos corridos de destino e carregados de uma energia, boa ou má, e cheios de tempestades, e incógnitas sobre o nosso futuro ou de pensamento, lembremo-nos que a vida é uma breve passagem – e que a passagem é flexível e maleável às nossas próprias percepções e à forma como, pessoalmente, encaramos a própria viagem que fazemos.

A vida, em suma, é sempre uma pequena viagem pessoal que temos de fazer sozinhos – mas não é sobre a viagem da vida que vos escrevi aqui (cada um, aliás, tem a sua própria viagem a fazer, e todos somos diferentes e em alturas diferentes da nossa vida, também). É, antes, sobre como viajamos: se com excesso de bagagem, se sem. Se com medo, se sem. Se com confiança, se sem. Se com esperança, se sem. Se olhando a paisagem, e aproveitando o que o caminho nos dá, fruindo a beleza das coisas, se sem.

A vida é mais, muito mais, sobre como escolhemos viver – e se escolhemos, de facto, viver; é mais sobre as forma como estamos e encaramos a mesma. É uma escolha que tem de partir só de nós e não de mais ninguém.

A viagem poderá ser dura – por vezes turbulenta ou, quiçá, longa, demasiado alongada ou triste na demanda, ou procura, de um lugar verdadeiramente feliz. A viagem até poderá ser inglória, e, na tua cabeça, sem qualquer sentido. Nesse momento, confia no poder (e na responsabilidade que aloca uma oportunidade) que te foi dado: o poder da escolha. De escolheres, não a tua vida, mas a forma como a queres encarar.

Perdoa e esquece

Júlio Tavares Oliveira

É comum os psicólogos falarem de «perturbações de vinculação», sendo que, hoje, muitas pessoas debatem-se com diversos problemas como conflitos, inseguranças, ciúmes, possessividade ou até mesmo comportamento controlador. Muitos desses problemas têm origem no nosso tipo de vinculação ao outro.
O conceito da teoria da vinculação foi introduzido pelos psicólogos John Bowlby e Mary Ainsworth na década de 70 e, desde então, tem sido feita imensa pesquisa sobre o assunto – sendo o modo específico como alguém se relaciona com alguém nas suas relações particulares, sendo algo que, porventura, já fora moldado na infância em resposta à relação com os nossos cuidadores (em bebés).

Da mesma forma que alguém aprendeu (ou não) a amar, também aprendeu até que ponto se deve apegar, ou não, a outra pessoa. De acordo com a Teoria da Vinculação, existem quatro tipos diferentes de vínculos: Seguro, Preocupado, Evitante-desligado e Evitante-receoso, sendo que esses vínculos, todos eles, aplicam-se a todas as nossas relações e não apenas às românticas.

O que é importante perceber é que nenhum tipo de vinculação, aqui, é bastante pior do que o outro – a maioria baseia-se na insegurança, no medo e na falta de amor – dado ou recebido. Por exemplo, ser deixado ou deixar uma relação amorosa pode magoar imenso, mas até que ponto não será esse o fim natural, o desfecho natural da tua relação? Até que ponto não precisaste de dizer «adeus»? O hábito de criar, sempre, uma narrativa ficcional e inorgânica em torno daquilo que te aconteceu e acontece aumenta, sempre, a tua vinculação e a identificação com a situação – só estás, pois, a reforçar as perceções negativas quando dizes coisas «Claro que se foi embora, vão sempre». Só estás a aumentar, a alimentar, a tua dor.

A minha sugestão, caro leitor, é que comeces, já, a apontar a tua bússola para uma nova direção – para hoje! Concentra-se, antes, no que queres, não no que já tiveste. Por exemplo, é muito difícil ressuscitar um amor morto, mas podes usar o teu passado para te impulsionar para a frente, em vez de deixares que ele te arraste para o fundo.

Acima de tudo, observa que o teu desgosto, seja ele de que ordem for, está intimamente ligado à forma como vês o mundo. Esta visão pode ser definida por desconfiança, medo, autossabotagem, sentimento de importência ou vitmização. Contudo, tens, e deves, sempre, acreditar no teu potencial.

Prepara-te, também, caro leitor, para fazer algo fundamental na tua vida: perdoa e esquece. Quero terminar aqui fazendo uma pequena pergunta: podes perdoar o teu amigo, parceiro, familiar pelos seus erros, falhanços, fraquezas e esquisitices? Prepara-te, sim, para aceitar, perdoar, esquecer e, finalmente, para seguir em frente com compaixão e amor. Quando o fizeres, criarás espaço para que algo maravilhoso aconteça. Já sabes, não te atrases!

O Conto do Sinal de Trânsito

texto dedicado ao meu Avô António Tavares (1940-2024)

© DIREITOS RESERVADOS

Contar isto, de uma maneira ou de outra, trará, aos presentes leitores, uma ligeira sensação de abandono. Ainda assim, este conto passa-se no Verão de 2001, na casa dos meus avós maternos, por baixo de um Sol abrasador. Situando-me, eu, no espectro temporal de me ver, assim, de súbito, desprovido das mais vivas sensações soalheiras, fui, por força, impelido, pelo meu Avô António Tavares a caminhar rua abaixo – e, por entre passeios, vi-me sozinho. O objetivo – dizia, repetidamente, o meu Avô – era o de chegar ao STOP, e de parar aí. Mas, naquele lugar a meio caminho, a minha súbita abstração numa qualquer sensação de insegurança impôs-se e tive de fugir, rapidamente, para trás – para os braços do meu Avô. Tentaremos noutra altura; noutro dia, de novo.

E chegou, passados dois dias, a chance de voltar a tentar: o objetivo, esse sempre o mesmo, era o de chegar, sozinho, sem mão ‘amarrada’ à minha, ao sinal de trânsito mais próximo, no final da rua. Seria uma vaga esperança, que me inundava o peito e se confundia com o chilrear dos melros nas árvores, que me fariam anuir a outra tentativa. Ninguém mais o faria por mim, senão o meu avô António; afinal, quem é que perde o seu precioso e magnânimo tempo a tentar fazer alguém chegar ao sinal de trânsito mais próximo? Ninguém no seu perfeito juízo; só o meu Avô, suficientemente “louco” para isso. Seria, de novo, nessa noção de que as pessoas são os momentos; e os momentos fazem as suas, as nossas, pessoas que me voltaria de novo para o meu Avô, a meio do trajeto, e correria para os seus braços. A chorar e com medo da solidão daquele trajeto de abandono. O meu Avô, apertando-me os braços com as duas mãos e pondo-se de joelhos, firme pronunciava que, no dia seguinte, voltaríamos a tentar. E lá, a meio da tarde, daquele Verão de 2001, voltávamos a tentar; a falhar e a ruir o nosso próprio caminho, entre um trajeto tão inseguro. E foram assim, continuamente, com mais ou menos choro, e muitas ansiedade, se passando dias e dias. Afinal, a maioria, naquele tempo e lugares, e perante aquele contexto, já havia desistido. Mas o meu Avô não, ele continuava, sempre, seguro na sua de que, um dia, haveria sozinho de chegar ao sinal de trânsito ao final da rua. Seria a uma sexta-feira que, voltando da escola, o meu Avô me propôs, calmo e com muita serenidade, que tentássemos de novo. Com a mão – a minha – segura à dele, propôs, então, que fosse, passo a passo, como quem se não segurava a nada e caminhava sobre uma ponte quase a ruir, até ao sinal de STOP, no fim da rua. Parecendo-me, quase a desistir daquela missão, um objetivo nada palpável, nem real, fui, interiormente, passo a passo, até dar o primeiro passo daquele longo trajeto. A meio dele, senti uma sensação, lá está, de solidão despovoada, de abandono e de insegurança que, num clima de ansiedade precipitando-se sobre os meus braços, pernas, peito, garganta e, sobretudo, a minha mente, consistiam no cenário de tentação absoluta em voltar para os braços do meu Avô. Mas não voltei. Segui, passo a passo, um passo de cada vez, em frente. E, aí, a escassos dois metros de distância do STOP (um recorde mundial já batido, para mim), e quase a desmaiar de ansiedade, parei. Pensei, para mim, que aquilo, ali, não teria significado nenhum para ninguém, senão – ao menos – para o meu Avô, que o queria deixar contente e orgulhoso de mim. E dei mais um passo sobre a corda ténue e trémula do destino. Aí, tornei a parar, parecendo-me tarde de mais para conseguir, e alternando na incerteza, nova, daquele sucesso tão perto, ouço o meu Avô ao longe: – “Está quase, só mais um bocadinho!” Fecho os olhos. Tremo. E prossigo. Cheguei, ao fim de dois meses de tentativas, ao STOP. O meu avô, ao meu toque no sinal, corre ao meu encontro e, com um forte abraço, selámos a nossa eterna amizade.

Fiquei a conhecer o meu avô nesse momento, e, agora, quero que todos o conheçam como eu o conheci também. Um homem absolutamente confiante no seu neto e que, talvez, e não desistindo dele, o tivesse feito avançar tanto no seu Caminho.

Com o seu falecimento, no passado dia 26 de Novembro de 2024, ficou um vazio difícil de preencher na minha vida. Terei, como ele me ensinou, de caminhar sozinho daqui para a frente. Mas na certeza, absoluta, de que ele me continuará, sempre, a guiar.

Júlio Oliveira publica livro de reflexões pessoais e ensaísticas

Escritor lagoense tinha anunciado em janeiro “uma pausa” nas suas lides “literárias”. Pausa que decidiu agora “dar por terminada” com a publicação do livro «Não se encontra o que se procura»

© D.R.

O escritor lagoense, Júlio Tavares Oliveira, está a comercializar e a publicar, este mês de julho, o livro de reflexões pessoais e ensaísticas «Não se encontra o que se procura».

O escritor, de 26 anos, vê agora concretizado mais um título, depois de «Presidências» e de «O Sargento Tavares – As Memórias do Meu Avô».

Segundo o autor lagoense, o livro, agora tornado público em Edição do Autor, “tem por base a máxima de que o Amor, esse sentimento, não é um lugar de encontro; mas um lugar que vem sempre ao nosso encontro”, complementando que “este livro, de reflexões sobre o Amor, sentimento antitético e contraditório por natureza, base inspiracional de inúmeras metáforas/recursos estilísticos e de uma poética secular generalizada, é tanto nosso quanto dos outros, numa partilha que deve ser sempre total e consentida, nunca forçada ou imposta”.

Em nota de imprensa enviada à redação, Júlio Tavares Oliveira fala do processo de “virtualização amorosa”, enquanto conceito novo, precedendo sempre um processo de “desvirtualização ou de desilusão amorosa”. O autor refere que neste livro introduz conceitos que considera inovadores, como os de “necessidade coletiva” ou do elemento intitulado de “perturbador” na relação amorosa.

“Este, em suma, é um livro de reflexão sobre um sentimento: o amor. O amor-romântico, por base tido, mas também pegando noutras sub-tipologias. Porque, por definição, só podemos amar quem nos pode amar também – ou tem, justamente, essa capacidade de nos amar -, parto desse princípio, que explico no livro/artigo, e faço toda uma obra em torno de um conjunto de conceitos, uns novos e, outros, já trabalhados”, aponta o escritor.

Júlio Tavares Oliveira tinha anunciado em janeiro “uma pausa” nas suas lides “literárias”. Pausa que decidiu agora “dar por terminada”. O autor explica, ainda, que regressa porque “foram várias, e por várias formas, as motivações, internas e externas, para que voltasse a publicar mais um livro, facto que agora ocorre”.

Por que razão nos salva, ainda, a nossa Fé?

Júlio Tavares Oliveira
Escritor

Quando comecei a pensar neste artigo não queria, nem pretendia, que fosse um artigo única e exclusivamente focado num espectro religioso, independentemente da religião em causa de cada um. A verdade é que, no campo da «Fé», podemos ter dimensões diversas; vários tipos de «Fé» e, portanto, várias dimensões de crença, de Fé, de espiritualidade, seja num Deus, seja num profeta, seja num símbolo ou numa marca puramente comercial ou desportiva.

Pretendia, antes, focar-me, não no sentido religioso da «Fé», mas no sentido puramente restrito e estrito da palavra «Fé», e redimensionar este meu artigo para a orientação puramente ideológica da palavra: que sentido tem a Fé, seja ela qual for e para onde for direcionada, nas nossas vidas?

A fé é uma força. Impele quase sempre em frente; nunca vimos uma fé impelir alguém a dar um passo atrás, senão para a sua própria salvaguarda, ou prudência, ou segurança, talvez. A fé é, talvez, um instinto, um âmago de emoções, ou, diria eu, quando a nossa inteligência emocional não consegue percecionar ou capitalizar, de forma eficiente, a eternidade e torna-se incapaz de filtrar o divino, entrando no campo do puro, e insondável, mistério.

A fé não pode ser senão um mistério que nos faz mover num sentido ascendente. A fé torna-nos maiores; nascentes; e torna-nos melhores. A origem da fé somos nós mesmos, não está na origem dos símbolos, das religiões ou dos magmas em torno da qual se move e se simboliza ou idealiza. Ela nasce de dentro e de nós, e de dentro de nós se torna semente, fruto e se cristaliza.

Nas horas de maior provação, na vida ou na doença, na dor e na perdição, a fé aguenta-se como uma lamparina, um pêndulo de luz, um sorriso por dentro da noite, um sol nascente, um último andaime, que nos faz ter esperança num dia novo. Isso, precisamente, porque, essencialmente, e como disse, a fé é sempre ascendente; vem de entro, torna-nos maiores e melhores.

Ter fé é capitalizar uma dívida. É prometer que se cumpre. E, na maior parte dos casos, quem tem fé não perde o caminho da fé; apenas adianta-se cada vez mais nele, pois a sua fé só tende a aumentar com o aumento das provações que a fé acomoda e enfrenta.

A fé salva-nos. Não é mentira nenhuma; e, porquanto tenhamos ainda fé, seja no Senhor Santo Cristo dos Milagres, no Sport Lisboa e Benfica, ou no Amor, o importante é que não percamos, de facto, essa luz nas nossas vidas, e que sejamos sempre fiéis a ela, independentemente do seu vértice de importância. A fé ocupa um espaço, um espaço intransmissível e inexorável. Que reconheçamos a sua importância nos dias, na pesada herança das noites, e que possamos, enfim, acomodar-nos com a sua esperança, com a sua alegria e com a sua luz.

O que é que o 25 de Abril de 1974 e o meu avô têm em comum?

Júlio Tavares Oliveira
Escritor

O que é que o dia 25 de Abril de 1974 e o meu avô António Tavares têm em comum? Muito pouco, na verdade, quase nada. Na verdade, até ao 25 de Abril de 1974, nada havia de especial entre esses dois binómios – data e nome -, avô e tempo; espaço e lugar. O meu avô, em 1974, não estava em Lisboa, não era Capitão, nem derrubou – ou ajudou a derrubar o regime marcelista.

O meu avô não era, nem jamais foi, um homem revolucionário. Nem era, digo com toda a certeza, um fascista, nem era tampouco um democrata absolutamente convicto naquele tempo. O meu avô, como militar, não podia ser, senão, um simples, e humilde, militar – isso mesmo, sem outra conduta que não fosse a de cumprir ordens. O meu avô não é, nunca foi, uma peça do 25 de Abril de 1974, mas foi – sim – um combatente que procurou, na sombra dos que fugiam e se refugiavam, ou buscavam outro exílio, assumir um país em guerra consigo mesmo e absolutamente amordaçado, com um défice de gente para combater numa guerra que era de «todos» – muitos dos quais fugiam.

Em 1974, o meu avô cumpria o desígnio de cumprir – e fazer cumprir – as ordens militares, e políticas, que lhe eram dadas pelos seus superiores hierárquicos – coisa que toda a vida fez com dedicação e elevação -, tanto para sustentar a sua família, como para viver, e ter de viver, designadamente, defendendo a sua nação numa guerra totalmente «perdida», à partida, mas nunca absolutamente abandonada à sua imensa sorte pelos que a ainda combatiam do seu suor, sangue e lágrimas em África. Alguém havia de combater, ainda que perdida, a guerra; alguém havia de existir, no terreno, de arma em riste, para defender, e honrar, a Pátria despedaçada. Um deles, um dos últimos combatentes a abandonar África num avião civil, em 1975, seria o meu avô.

No dia 25 de Abril de 1974, o meu avô não teve um cravo na mão; nem andou a marchar pelas ruas de Lisboa ao som da Liberdade. Se tinha, era a distância estonteante da sua casa, dos Açores, para se mover, e vivia, à tangente, em Angola, com a sua família, nas condições possíveis à beira de uma guerra civil. Se tinha algo na mão, com certeza não era um cravo; era a espingarda apontada aos arbustos. O meu avô, contudo, nasceu a 25 de Abril de 1940.

O 25 de Abril é um dia de celebração da Liberdade: o meu avô não participou nessa conquista; mas, hoje, é parte de uma Nação livre, que ajudou a defender, no seu tempo mais negro de sempre, e que, com orgulho imenso, devemos honrar, respeitar e valorizar. O meu avô pensa como um Homem Livre. Age como um Homem Livre. E, posso dizer, ajudou-me a ser, também, um Homem de pensamento e ação Livres. Terei sempre orgulho no homem que me fez ter noção das responsabilidades mais duras. Da vida. Da importância do combate; que me educou e reeduca constantemente num sentido de pura orientação cívica e social. Um homem que – com stress pós-traumático, pesadelos imensos e traumas de guerra – conseguiu convencer o neto de que toda a guerra, tendo participado nela, é um crime contra a Humanidade.