Luís Paulo Moniz, 31 anos, é funcionário da Secretaria Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública. Mas é no tempo que lhe sobra que se sente realmente realizado. É maestro da Filarmónica Estrela D’Alva da freguesia de Santa Cruz, na Lagoa, e músico desde os oito anos na banda onde começou por tocar saxofone. É também professor de acordeão e saxofone na Associação Musical de Lagoa e foi maestro da Orquestra da Lagoa no âmbito das comemorações dos 500 anos do concelho, uma experiência que diz ter sido “muito bonita e uma mais-valia sobretudo para os jovens”.
O interesse pela música surge por influência do pai que era saxofonista e tenor. Luís Paulo está, assim, na Estrela D´Alva há 23 anos, dos quais quatro como maestro.
O antigo maestro, Paulo Gordo, quando regressa à sua terra natal faz o convite ao músico lagoense porque considerava que se tratava de “uma das pessoas com mais formação na filarmónica para dar continuidade ao seu trabalho”.
O atual maestro da Estrela D´Alva cumpriu formação no Conservatório de Ponta Delgada, entre os seus 11 e os 19 anos.
“Foi um pouco difícil conciliar os estudos, mas consegui”, diz Luís Paulo Moniz, ao Diário da Lagoa (DL), quando confrontando com o grau de dificuldade em conciliar o ensino regular com o musical.
Luís já compôs várias músicas para a filarmónica, as chamadas “marchas graves, de desfile” e outros arranjos musicais.
É autor da marcha “Homenagem a Santa Cruz” e de um tributo ao presidente da Assembleia da Estrela D’Alva, António Augusto Borges. Na gaveta tem “mais marchas que ainda não saíram” e que “estão guardadas”, conta ao DL.
Relativamente ao balanço que faz dos quatro anos de maestro diz que é “muito positivo” e que “houve crescimento tanto a nível musical como a nível de jovens na filarmónica” que muitas vezes desafiava a experimentar o mundo da música ao cruzar-se com eles na rua.
Atualmente a banda de Santa Cruz é composta por 18 jovens, entre outros músicos mais velhos como o presidente da banda, João Arruda, o músico Carlos Raimundo e o seu contramestre António Ventura.
Para este ano, avizinha-se muito trabalho com “as domingas do Espírito Santo” e outras procissões que se começam a realizar até ao verão, época alta das atuações da filarmónica.
Vão participar nos tradicionais impérios, nas marchas populares e em setembro a Estrela D´Alva vai realizar uma viagem à ilha da Madeira num intercâmbio com a banda de Santa Cruz da Madeira.
Ao nível de apoios para as filarmónicas no concelho diz: “não nos podemos queixar, tanto em relação à Junta de Freguesia como à Câmara Municipal”. Da autarquia explica que a filarmónica recebe “cinco mil euros, o que é muito bom comparado com outras autarquias. A nossa vê as nossas filarmónicas como escolas. Somos instituições centenárias”, sublinha o maestro.
Enquanto maestro, a sua preocupação e desafio “passa por tentar tirar os jovens de casa, onde passam muitas horas ao computador e outros em maus caminhos”. Luís Paulo diz que é importante os jovens socializarem e revela-se “otimista” porque estão a trabalhar em conjunto e enquanto grupo estão a “ganhar uma nova vida”.
Questionado sobre o que falta ainda fazer, diz que a “sede precisa de uma reforma” e que já fizeram um “pedido à Secretaria das Obras Públicas” porque precisam de “fazer um tratamento acústico do espaço”.
As fardas são também outro desafio em termos de investimento porque “os jovens estão em crescimento e depois no ano seguinte as fardas já não servem, sendo difícil de gerir”.
Por fim diz que “aprender a tocar um instrumento musical é uma arte e uma das melhores coisas que existem”. Para o maestro lagoense “nunca é tarde para aprender” pois “a música faz parte de todos e saber tocar é melhor ainda porque é uma linguagem universal.” Quando questionamos sobre a possibilidade de experimentar outros voos, remata sem hesitar e com um brilho nos olhos: “já recebi convites mas estou na minha banda do coração, não a troco por nada”.
Fundada a 2 de fevereiro de 1887, a filarmónica Estrela D’Alva é a instituição mais antiga da cidade da Lagoa, mas a longevidade da banda de música não faz perigar a sua sobrevivência a médio/longo prazo, pois a estrutura está alicerçada no binómio experiência/juventude.
Dos seus cerca de cinquenta músicos, muitos são jovens, mas também existem alguns mais antigos, como o presidente e músico, João Arruda, que recentemente completou as bodas de ouro de união à Estrela D’Alva.
Tinha apenas sete anos quando começou a tocar e nem precisou de se inspirar no filme ‘A fuga das galinhas’ para perceber que na banda estava ‘A fuga das vacas’.
“Fui pelas mãos de meu pai que era sócio da filarmónica. Naquela altura os pais levavam os filhos. Comecei naquelas lides aos sete anos”, recordou, reforçando a convicção de algo que já sabia ir gostar: “Antes de ir para a filarmónica já gostava daquilo porque meu pai tinha lavoura e era uma maneira de ao domingo não ir para as vacas”.
João Arruda começou por “tocar trompa” e mais tarde passou para trombone de vara, “instrumento que toco até hoje”, disse, orgulhoso, pois foi trombone de vara que tocou na Banda Militar quando ingressou no serviço militar obrigatório. “Foi uma fase da minha vida que para aperfeiçoar e a partir daí não mais mudei de instrumento”.
Fiel ao trombone de vara e à filarmónica Estrela D’Alva. “Nunca a troquei por outra”, assumiu, embora “de quando em vez tenha dado algum apoio noutras filarmónicas, o que ainda hoje acontece”, acrescentou.
De músico a presidente foi um instante. “Fui presidente durante quatro anos numa primeira fase, mas por motivos de saúde tive de parar. Voltei há cinco anos para a presidência. E aqui estou, a levar uma vida dedicada à música e dedicada também a todas as lides que uma filarmónica encerra”.
Todo esse trabalho foi reconhecido através da homenagem que lhe foi prestada e que o deixou “orgulhoso” porque “é um sinal de que as pessoas estão satisfeitas com o trabalho desenvolvido pela equipa que lidero, onde cada um dá o melhor de si. Sinto-me lisonjeado por isso”, disse.
Com 50 anos de casa, João Arruda já viveu de tudo na filarmónica e é com propriedade que opta por não traçar planos a longo prazo. “É muito complicado projetamos a longo prazo porque as pessoas estão cá por carolice e os jovens, a maior parte deles, estão de passagem porque ingressam no ensino superior, vão para fora e depois não têm como dar continuidade. Outros também têm trabalhos que não lhes permitem manter a regularidade desejada. Por isso, vamos andando dia a dia e projetamos o futuro a curto prazo”.
Uma coisa é certa: as dificuldades fazem parte da história da Estrela D’Alva. “Uma filarmónica é como uma família: tem momentos bons, outros menos bons, mas os bons superam os menos bons. Há alturas que as pessoas estão mais viradas para as filarmónicas, noutras alturas nem tanto, mas isso depende muito de como as coisas evoluem. Lembro-me que quando entrei estava a emigrar muita gente e as filarmónicas perderam músicos. Depois veio o futebol e houve nova dispersão. Agora estão a voltar porque há muitos jovens com mais formação, formação musical, que veem nas filarmónicas um complemento à aprendizagem”, vincou.
Apesar da evolução dos tempos, João Arruda não esconde a saudade dos tempos antigos. “Antigamente não tínhamos muita escola, aprendíamos com os senhores de mais idade e ia para casa do senhor Manuel Piques aprender solfejo. Os senhores António Correia, Manuel da Ponte e João Medeiros Gata eram os de mais idade com quem aprendíamos música na filarmónica. Naquele tempo saíamos de manhã e regressávamos à noite. Era diferente porque fazíamos vários serviços ao longo do dia e havia muitos convívios. Era também uma forma de conviver. Recordo também com saudade a festa de Nossa Senhora da Estrela, que ainda fazemos. São recordações lindíssimas”.
Com ele também está António Ventura, igualmente homenageado pelos 50 anos de dedicação à Estrela D’Alva. Música e contramestre, é outra referência histórica da banda. “Comecei na filarmónica Estrela D’Alva aos dez anos e quando fui aprender música era uma forma de poder sair de casa. Meus pais nem queriam que fosse, mas como ia um grupo de quatro ou cinco da escola, lá deixaram”, recorda António Ventura.