É engenheiro Civil de formação, tendo exercido funções no setor privado e no público até outubro de 2014, ano em que assumiu funções de diretor regional da Solidariedade Social e, depois, em 2016, de diretor regional das Obras Públicas e Comunicações. Em 2021, foi eleito pela lista liderada pela socialista Cristina Calisto, com o objetivo de “desenvolver um projeto autárquico para uma década”. Após três anos como vice-presidente, assumiu a presidência da autarquia lagoense, no passado dia 1 de janeiro, e agora diz que o faz “com muito orgulho e sentido de responsabilidade”.
DL: Como nasceu o seu interesse pela política?
A política sempre fez parte da minha vida, por influência dos meus pais, despertando em mim o interesse pelo exercício de funções que permitem ter a capacidade de influenciar positivamente a vida das pessoas. A minha primeira experiência foi como deputado na Assembleia Municipal de Lagoa, há mais de 12 anos. Agora, como presidente da câmara municipal de Lagoa, tenho a oportunidade de fazer ainda mais pelo meu concelho e por todos os lagoenses.
DL: Quais são as prioridades do executivo camarário até às próximas autárquicas?
Os primeiros três anos do atual mandato foram importantes no cumprimento de alguns objetivos e compromissos, nomeadamente, a inauguração do Auditório Ferreira da Silva, na Vila de Água de Pau; a requalificação da estrada de Portugal e das Comunidades e da Fonte Velha, na freguesia do Cabouco; a construção da nova via junto ao Convento de Santo António, a inauguração do Pavilhão Professor Jorge Amaral, a requalificação da zona sul da baía de Sta. Cruz; a inauguração do GAM do Rosário, a requalificação da Rua 25 de Abril, a criação de mais de 150 novos lugares de estacionamento no concelho, entre outros compromissos cumpridos. No entanto, foram também três anos de planeamento e preparação do futuro, sendo que pretendemos até às próximas autárquicas proceder à requalificação da Praça Dona Amélia Faria e Maia, da zona da Matinha no Tecnopaque, do bar e receção do complexo municipal de piscinas da Lagoa, a instalação de parques infantis e equipamentos de desporto no concelho, dar início à requalificação da zona norte da Baía de Santa Cruz, instalar o novo relvado no Campo Municipal Mestre José Costa Leste, na Vila de Água de Pau, bem como a criação de mais 150 novos lugares de estacionamento, entre outros projetos e intervenções socioculturais, desportivas e de âmbito habitacional no concelho.
DL: Após as autárquicas, assumindo que será candidato, o que considera que falta resolver nas cinco freguesias do concelho?
Desde logo, dar seguimento aos projetos candidatados ao PO2030, nomeadamente a Requalificação e Reforço da Frente Marítima da Cidade de Lagoa, a construção de uma nova ETAR, a construção da nova adutora e sistema de abastecimento de água e a requalificação da Escola Marquês Jácome Correia. Por outro lado, concluir todos os investimentos relacionados com habitação social, previstos no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] para agregados com graves carências habitacionais e económicas. Apesar deste ser um projeto de continuidade, tenho agora a oportunidade de trabalhar no sentido de consolidar a Lagoa como um concelho coeso e de futuro, com infraestruturas, serviços, habitação, educação, saúde, cultura e desenvolvimento económico, que permitem os Lagoenses viverem com mais qualidade, sem que para tal tenham de sair do seu concelho e das suas freguesias.
A descentralização de serviços e atividades, o reforço e melhoria da mobilidade, criação de novos espaços públicos, reforço das respostas sociais para crianças e idosos e a construção de habitação acessível a agregados jovens que trabalham, são algumas das prioridades, que foram planeadas e projetadas durante o atual mandato e que estão em condições de serem concretizadas durante os próximos anos.
DL: O Tecnoparque continua a crescer. E depois de todos os lotes serem preenchidos para onde e como se pode desenvolver a cidade naquela zona?
O Tecnoparque provou ser um projeto visionário e cujo sucesso é inegável. Neste momento, todos os lotes encontram-se comprometidos, quer os habitacionais quer os empresariais, pelo que em breve serão concretizados no atual Tecnopaque novos projetos relacionados com a saúde, inovação e tecnologia, com qualidade e dimensão considerável, assim como novas zonas comerciais. Por essa razão, a câmara municipal de Lagoa já deu início aos procedimentos para a sua ampliação para uma área adjacente com mais de 70 mil metros quadrados, que irá permitir o desenvolvimento da cidade, nomeadamente através de disponibilização de habitação acessível a agregados jovens.
DL: O incêndio no Sul Villas, em Santa Cruz, demonstra a necessidade de uma cidade como a Lagoa em ter bombeiros. Porquê a opção de um posto avançado em vez de bombeiros sediados na Lagoa?
Julgamos que uma Secção Destacada, como há por exemplo nos Ginetes, é uma solução equilibrada, exequível e, nesse momento, a mais adequada aos recursos existentes para servir os interesses da Lagoa. A nossa localização geográfica, equidistante entre Ponta Delgada, Ribeira Grande e Vila Franca do Campo, permite-nos tirar proveito das três corporações existentes nesses concelhos, aliás como aconteceu no recente incêndio no Sul Villas. Isto não significa que não seja pertinente e útil, para todo o concelho de Lagoa e para as freguesias adjacentes, a criação de uma Secção de Bombeiros na cidade de Lagoa, equipada com meios de primeira intervenção e socorro, capaz de auxiliar rapidamente e de forma mais eficiente a nossa população. No entanto, não descartamos um cenário alternativo, que poderá passar pela criação de uma associação com origem e sede no concelho, caso tal se justifique ou se torne necessário e viável.
DL: O que está a ser feito para que a Lagoa tenha o posto avançado de bombeiros e o porquê da demora?
A Câmara Municipal de Lagoa tem vindo a manifestar, por diversas vias, junto de todas as entidades com responsabilidades nesta matéria, nomeadamente junto do Governo regional dos Açores e da própria Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada e Lagoa, a necessidade de uma Secção Destacada de bombeiros na cidade de Lagoa. Para esse fim, adquirimos e já disponibilizámos equipamentos, viaturas, uma área significativa de terreno e instalações, de forma que esta pretensão possa ser concretizada. Estamos, assim, convictos de que, em breve, será possível dar passos consequentes em relação a este objetivo, até porque somos uma das câmaras que, per capita, mais apoia os Bombeiros.
DL: Este mês o nosso jornal celebra 11 anos. Numa altura em que o jornalismo atravessa uma crise de modelo de negócio, considera que é importante para o concelho o papel que desempenha o Diário da Lagoa?
Numa altura em que as informações tendenciosas e falsas são cada vez mais frequentes nos meios de comunicação, um jornal idóneo é, sem dúvida, algo que faz falta. Na minha opinião, o Diário da Lagoa tem conseguido manter um nível de qualidade informativa que o credibiliza, sendo, sem dúvida, um meio privilegiado para divulgar as atividades camarárias de interesse municipal. Assim, desejo que venham, pelo menos, mais 11 anos de Diário da Lagoa e que continuem a ver na câmara municipal um parceiro para o vosso desenvolvimento.
DL: Quer deixar uma mensagem aos lagoenses?
Quero aproveitar esta oportunidade para transmitir uma mensagem de conforto e confiança no futuro a todos os lagoenses. É minha intenção e compromisso, juntamente com os meus colegas do executivo e os colaboradores da autarquia, fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que a Lagoa seja um concelho de futuro, onde todos, desde os mais jovens aos mais idosos, tenham as melhores condições para viver e sintam orgulho em pertencer à Lagoa.
Nasceu e cresceu em Coimbra, onde viveu a maior parte de sua vida. A 1 de janeiro de 2018 mudou-se para a ilha de São Miguel para romper com a “rotina profissional”. Escolheu os Açores para viver nesta nova fase da sua vida e apenas alguns meses depois a sua esposa e filha juntaram-se à nova aventura. Tem 58 anos e é professor e investigador na área de Serviço Social, na Universidade dos Açores.
Considera-se “um sonhador” e “uma pessoa preocupada com a natureza, com o futuro do mundo e com o desgoverno deste nosso planeta”.
“Incomoda-me ver tanta injustiça social, tanta desigualdade social e, nesse contexto, acho que estou na profissão certa, no sentido de poder ser protagonista, poder ser ator, poder colaborar, de alguma forma, para a transformação do mundo ou para que este mundo seja um lugar melhor”, afirma ao Diário da Lagoa (DL).
Eduardo Marques conta que sempre esteve ligado ao associativismo, tudo porque o seu objetivo sempre foi “ligar a teoria à prática e, com a prática, poder construir outras teorias” uma vez que “repetir aquilo que já existe”, não o estimula.
O professor e investigador revela uma tripla faceta, a “de professor e investigador que cria conhecimento e que escreve, oferece o conhecimento às atuais e futuras gerações do Serviço Social, não só numa perspetiva regional ou nacional, mas muito focada numa perspetiva internacional”. Numa entrevista de quase duas horas, nesta edição revelamos algumas das suas respostas.
DL: Porquê os Açores?
Foi uma escolha. Já tinha vivido mais de 50 anos em Coimbra. Nasci, estudei e trabalhava lá, mas andei sempre pelo mundo todo. Conheço quase 100 países e sempre me senti um cidadão do mundo. Não só por projetos, mas também porque dei aulas em diversas universidades europeias. Por exemplo, trabalhei muito com a Noruega, com a Itália, com a Áustria e com a Espanha, onde inclusive concluí o meu doutoramento. E sempre tive essa vontade de explorar mais o mundo, de conhecer outras realidades.
DL: Foi convidado pelo Governo de Timor-Leste para desenvolver um programa de voluntariado de competências. Pode contar-nos em que consiste?
Precisam de médicos, de enfermeiros, de professoras, de educadoras. E, nesse sentido, está-se a tentar desenvolver um programa vinculado aos timorenses, para levar daqui recursos. E uma das questões que eu coloquei é que gostaria de levar, pelo menos anualmente, um professor ou um profissional daqui e um aluno para criar estes diálogos entre quem sabe alguma coisa, quem já tem uma grande experiência profissional. E, é claro, quando surge esta possibilidade de poder contribuir para o bem-estar, para o desenvolvimento de outros países, para mim, é o ideal neste sentido de poder ser útil. A gente vai e deixa o nosso conhecimento, a nossa experiência, as nossas vivências, mas vimos lá muito mais ricos.
DL: Está ligado à questão ambiental. Como pode o Serviço Social contribuir para essa causa?
O compromisso do serviço social é com o desenvolvimento humano, com a criação de bem-estar, combater injustiças sociais. Hoje em dia não há possibilidade de combater as injustiças sem termos em consideração o respeito e a preservação dos ecossistemas e da natureza. Vivemos uma crise climática profunda que está a gerar milhões de desalojados, pobres e pessoas deslocadas. Não há outra forma se não trabalharmos em simultâneo com as questões ambientais. É trabalhar na prevenção, na ajuda após a catástrofe e, depois, o mais importante, trabalhar na recuperação das comunidades no pós-catástrofe.
Os assistentes sociais devem colaborar na educação ambiental, pois temos que preservar, temos que educar, temos que sensibilizar. Temos de criar uma lógica de reciprocidade de olhar para a natureza como nossa parceira, como a nossa casa comum, como algo do qual fazemos parte. Por vezes esquecemos que somos natureza, não há nós e a natureza, pois tudo faz parte do planeta, nós somos natureza.
DL: Portugal é um país envelhecido. Devemos ficar preocupados?
Portugal é um dos países mais envelhecidos e temo-nos descuidado e invisibilizado esta realidade que nos está a impactar e que vai criar um grande stresse no sistema de pensões. O nosso foco decididamente deve deixar de ser o dinheiro para passar a ser efetivamente as pessoas e o seu bem-estar. Portugal não é um país para idosos, ou seja, é um país que os maltrata e isso é vergonhoso. Como é que 50 anos depois do 25 de Abril, continuamos por não cumprir Abril, a não cumprir a Constituição da República Portuguesa? Isso choca-me e envergonha-me, pois continuamos a tratar os idosos como pessoas de segunda categoria. Essa desumanização é uma falta de respeito para com eles depois de tudo fizeram por nós. As pessoas idosas têm direito à segurança económica, portanto deixem-se de pensões de miséria. Aquilo que temos de fazer é dar-lhes segurança económica e isso resulta de terem pensões que lhes permitam viver com dignidade. E não me digam que é uma questão de dinheiro, pois o governo português mostrou que pode mandar milhões para uma guerra absurda e injusta, uma guerra por procuração que cumpre objetivos ocidentais e ninguém contesta.
Os idosos precisam mais do que alimento, cama e roupa lavada, eles precisam de ser tratados com dignidade, de ter a sua liberdade e de ter a sua autonomia para não sofrerem com o isolamento ou solidão. Os idosos devem poder conduzir a sua vida, viver e participar na sua comunidade. Eu diria que ainda há muito para fazer, embora reconheça e elogie o esforço de muitos diretores responsáveis por instituições que trabalham no campo do envelhecimento.
DL: Enquanto especialista em Serviço Social alguma vez foi contactado, por exemplo, pelos políticos, para contribuir com o seu saber para a legislação regional?
Nunca me pediram nenhum tipo de contributo ou de opinião e não têm que fazer, mas penso que podiam ouvir os especialistas do Serviço Social. Acabo, por exemplo, por ser mais requisitado por universidades americanas e noutros países. Recentemente em Espanha aconteceu o primeiro encontro de Assistentes Sociais em Desenvolvimento Comunitário e em Serviço de Comunidades, e é um bocadinho paradoxal como é que lá sabem que eu existo. Cá ainda há uma visão muito limitada, pensa-se que o Serviço Social é caridade, mas é muito mais do que isso e deveria ser um instrumento de transformação social, um parceiro na procura do diagnóstico de problemas e soluções. No fundo devia haver mais diálogo entre saberes, mas sempre nessa perspetiva de transformação social e menos de academismo. Ainda se valoriza muito o status quo, precisamos de criar mais comunidade. Eu diria que todos somos relevantes, mas o importante é aquilo que fazemos todos juntos.
É um dos nomes açorianos mais conhecidos no mundo do voleibol. Carlos Raposo Dias da Silveira, 48 anos, nasceu e cresceu em Ponta Delgada, rodeado de desporto. Foi jogador profissional durante 30 anos, tendo conquistado mais de 100 internacionalizações e seis títulos de campeão nacional. Passou por vários clubes, dois dos quais no estrangeiro. Neste momento, é treinador numa academia que fundou e presidente da Associação de Voleibol de São Miguel. Atualmente produz pranchas de surf e outros utensílios em madeira de criptoméria. Carlos Silveira já foi também homenageado enquanto atleta, tendo um pavilhão municipal desportivo em Ponta Delgada recebido o seu nome.
DL: É especialmente conhecido pela sua carreira como jogador profissional de voleibol mas quem é Carlos Silveira?
Sou natural de São Miguel. Até aos 14 anos vivi em Ponta Delgada. Nessa idade comecei a ir para o continente para as seleções nacionais. Aos 16 fui para Lisboa, para o Sporting e estive muitos anos fora. Houve um período em que retornei à ilha durante três anos para abraçar o projeto da Associação Antigos Alunos (AA Alunos). Depois voltei a sair novamente e estive mais cinco anos fora. No regresso, estabeleci-me em Ponta Delgada e fiquei.
Neste momento, o meu dia a dia divide-se por várias áreas. Tenho um trabalho convencional, na Cooperativa Kairós. Para além dessa atividade, tenho outras, que considero passatempos ou part-time,tenho uma academia de voleibol, trabalhamos com os escalões de formação, femininos.
Depois, por uma situação de lazer e gosto, e porque permite uma proximidade com o meu pai, tenho a parte de construir pranchas de surf e utensílios em madeira de criptoméria. Mais recentemente, convidaram-me para fazer parte dos órgãos sociais da Associação de Voleibol de São Miguel. Gosto muito de me envolver nas coisas. É difícil dizer “não”. Neste momento, já não jogo voleibol, formalmente.
Tenho duas filhas e neste momento as duas jogam voleibol. No entanto, em termos familiares, nunca foi um objetivo nosso. A mãe também está ligada ao desporto e é professora de Educação Física. Elas sempre praticaram várias modalidades desde pequenas e sempre lhes foi dada essa oportunidade de poderem experimentar. A parte do voleibol penso que acabou por surgir um pouco pela envolvência do pai e de me irem ver jogar. Acabou por ser um percurso natural.
Tenho o grau mais elevado de título de treinador de voleibol, que me permite treinar qualquer escalão em Portugal e a seleção nacional. Tenho várias formações em diversas áreas, como em treino funcional, crossfit, gestão de recursos humanos.
A minha grande paixão, em termos académicos, nunca foi nenhuma dessas áreas, mas arquitetura. Isso espelha um pouco a minha pessoa. Em tudo o que faço, sou muito competitivo e gosto de aprender com quem sabe, para fazer bem feito. Até determinada altura posso ser autodidata, mas chega a um patamar em que percebo que se tem de recorrer a quem sabe.
DL: Como surgiu o desporto na sua vida?
Sempre estive rodeado de atividades desportivas. No caso do voleibol, não me recordo como surgiu. O meu pai fez carreira profissional no exército, como músico. O exército, já naquela altura, tinha a tarde desportiva. Ia com o meu pai e fui vivenciando aquela atividade. Sempre estive muito próximo das atividades físicas, bastante pelo acompanhamento do meu pai. O meu pai, para além da atividade no exército, sempre esteve ligado a outras modalidades desportivas e sempre foi uma pessoa muito ativa.
A determinada altura, tive de fazer escolhas. Toda a gente me conhece pelo voleibol, mas antes disso estive ligado ao atletismo e aos 11 e aos 12 cheguei a ir a provas nacionais. Num ano, fui vice-campeão de salto em altura e no outro fui vice-campeão de arremesso de bola. Antes do atletismo, estive no futebol e fui federado. Para além disso, ainda hoje jogo golfe. Também já joguei ténis, padel e desportos de raquetes.
Considero-me uma pessoa do desporto, bastante competitiva naquilo em que me meto. Tive a felicidade de, dentro da minha carreira do voleibol, poder experimentar outros desportos e ter outras vivências.
Hoje em dia, jogo muito menos do que jogava há cinco ou 10 anos. O que tenho como requisito é, dentro das atividades que faço, tentar tirar o máximo de prazer.
“Para além de tudo o que o desporto nos dá em termos materiais,
CARLOS SILVEIRA
a parte das relações humanas tem um peso muito grande”
DL: Foram muitos anos como jogador federado, tendo passado por vários clubes, nacionais e estrangeiros. Conseguiu mais de 100 internacionalizações e seis títulos de campeão nacional. Conte-nos sobre a sua carreira profissional no voleibol.
Como federado, joguei vólei até 2021, até aos 46 anos. O meu primeiro clube federado foi o AA Alunos. Devia ter cerca de 11 anos. Depois transitei para o Vólei Clube, onde iniciei a minha carreira enquanto sénior. No ano antes de ir para o continente, joguei nos seniores no AA Alunos em 1992/93. No ano seguinte fui para o Sporting, onde fiquei só um ano. Depois estive nove anos consecutivos no Castelo da Maia, tendo voltado a São Miguel, ao AA Alunos, durante um ano.
Fui para o estrangeiro e a experiência foi bastante boa. Estive no Chipre, durante três anos. No meu primeiro ano lá fomos campeões e no segundo ganhámos a Super Taça e a Taça. No terceiro ano, só ganhamos a Taça. Depois desse desafio, fui para a segunda divisão francesa, para o GFC Ajaccio, num projeto onde o objetivo não era ganhar, mas disputar o título. Ganhamos o campeonato e subimos à primeira liga.
Depois recebi uma proposta do Clube K, para me inserir naquele projeto a longo prazo.
No Clube K houve momentos muito bons, acima das expectativas. Por fim, acabei por sair, em 2018. Foi na altura em que criei a Academia Carlos Silveira. Nesse ano, também joguei em Santa Maria, nos Marienses. Entretanto, fui novamente convidado a voltar ao Clube K, como atleta, na época 2019/20 e aceitei e fiz parte também da equipa técnica.
DL: Que balanço faz da sua carreira enquanto jogador federado?
O balanço é muito positivo, porque me deu oportunidade, no auge da minha carreira e capacidade enquanto atleta, de jogar com e contra os melhores do mundo daquela altura. Tive também a oportunidade de criar amizades, de várias zonas do mundo, que ainda hoje se mantêm. Para além de tudo o que o desporto nos dá em termos materiais, a parte das relações humanas tem um peso muito grande. Pra mim, isso é o que tem maior valor.
DL: Sobre a Academia Carlos Silveira, como tem sido a evolução deste projeto?
Na época de 2020/21 tínhamos apenas um escalão, de sub-12. No pós-covid, demos continuidade, com um universo de 12 atletas, mas no ano a seguir já tínhamos quase 30, em 2021/2022. Hoje temos 70 atletas. Foi sempre a crescer. Agora só temos feminino. Para o masculino temos procura, mas não temos enquadramento técnico. Não há técnicos na ilha. Também é preciso arranjar espaços para treinar e não há. Neste momento temos um problema muito grande em termos de instalações. Há muita procura, mas não há um parque desportivo que consiga alocar toda a procura. Não temos a atividade toda concentrada em apenas um pavilhão.
Temos também uma atividade, para os pais, uma vez por semana, que surgiu por interesse dos próprios pais, para promover o convívio entre eles. Nas atividades que promovemos, temos cerca de 100 pessoas a participar, no total.
Temos um projeto: criar instalações próprias. No entanto, neste momento não temos capacidade financeira para financiarmos totalmente o projeto.
Nesse projeto temos uma visão macro, em termos da envolvência do que é que pode ser a academia, ou seja, pretendemos ter um espaço para a atividade base, que é o voleibol de formação, e que tenha também uma área social, que permita, não só os atletas, como as famílias, poderem ter uma zona de convívio. O ideal seria depois surgir o complemento, em que os pais possam desenvolver atividade física, enquanto as filhas estão a praticar vólei.
É um projeto que não depende só de nós, depende também da abertura de municípios e do tecido empresarial. Neste momento, sou treinador da equipa que deu origem à academia.
DL: Como observa o atual panorama do voleibol nos Açores?
O vólei está numa situação que considero de transição. Temos bastantes clubes e praticantes. Face a esse crescimento, neste momento existe um desfasamento entre a procura e aquilo que os clubes têm capacidade para oferecer, seja em número de treinadores, seja de espaços para praticar. Estamos numa situação problemática, mas desafiante. Se tivermos capacidade de ir solucionando esses problemas, podemos elevar o nosso patamar competitivo. É preciso não desistirmos e construirmos uma envolvência à volta da modalidade que seja sempre construtiva.
Cresceu rodeado de computadores. Tirou licenciatura e mestrado em Engenharia Informática. Nuno Moniz, 37 anos, natural da ilha do Faial, começou em Portugal a sua carreira como professor e investigador e desenvolveu projetos premiados. Com a aplicação meuparlamento.pt recebeu um prémio internacional e outro nacional. Na sua tese de doutoramento, desenvolveu um método para antecipar a popularidade de conteúdo online, que lhe valeu o prémio Fraunhofer Portugal Challenge 2017.
Há cerca de dois anos, Nuno Moniz iniciou uma aventura nos Estados Unidos da América, onde investiga temas como o desenvolvimento responsável da Inteligência Artificial (IA), automatização de previsão de casos e valores e privacidade de dados.
DL: Qual foi o seu percurso formativo?
Sempre tive um grande interesse por computadores. O meu pai tem uma informática no Faial. Durante o meu percurso inicial, acabei por ficar indeciso entre três áreas:música, história e engenharia informática. No fim acabou por ganhar engenharia informática. Era o amor mais antigo. Tirei licenciatura e mestrado em Engenharia Informática no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP).Ganhei uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia para fazer o doutoramento e fi-lo na Universidade do Porto (UP). Acabei em 2017 e a partir daí continuei o meu trabalho enquanto investigador na INESC TEC. Comecei como professor convidado na Faculdade de Ciências da UP. Há três anos, comecei a explorar outras opções, principalmente fora do país. Aceitei uma posição na Universidade de Notre Dame, no Indiana, Estados Unidos da América (EUA). Estou lá agora como professor associado de investigação, no instituto particular Lucy Family Institute for Data & Society. Desde 2023 sou diretor de um centro conjunto com a Notre Dame-IBM Technology Ethics Lab.
DL: Que investigação realiza nos EUA?
A minha área de investigação, de forma geral, é a inteligência artificial (IA), mas olho para três coisas. A primeira é um tópico particular que se chama “aprendizagem desbalanceada”: como se pode automatizar a previsão de casos ou de valores que não são tão comuns. Olho também para problemas de privacidade de dados e para um tópico mais geral, que inclui várias questões ligadas ao desenvolvimento responsável da IA. Isso toca o aspeto prático da questão: como é que na prática se desenvolve tecnologia de IA que pauta por um guia de responsabilidade desde os seus momentos de desenho, desenvolvimento, progressão, até aos aspetos de interação.
DL: Em que outros trabalhos está envolvido?
Grande parte daquilo que tenho feito recentemente é o tipo de trabalho que realmente me entusiasma, para além do trabalho de organização e serviço à comunidade. O ano passado organizei a Conferência Portuguesa de IA na ilha do Faial. A nível de trabalho científico, estou a trabalhar com colegas da Universidade Católica da Croácia no conceito de modelação de memória, ou seja, investigar de que forma ferramentas como o ChatGPT podem modelar a nossa memória de momentos históricos.
Estou a desenvolver um projeto com o hospital oncológico infantil do México, que olha para um problema muito particular das comunidades indígenas. É difícil desenvolvermos trabalho quando não temos informação e dados sobre os problemas. Estamos a desenvolver um projeto que facilita a escolha da informação diretamente da fonte, ou seja, das comunidades indígenas do México para permitir que a comunidade médica perceba o impacto e situação das crianças que têm cancro.
Tenho também desenvolvido alguns projetos mais académicos, com a unidade de investigação da IBM Research, desde em transparência em IA, governança da IA, a nova geração de soluções para a IA, principalmente aquelas que tenham baixo custo energético.
DL: A IA pode ser aplicada em inúmeras situações que podemos não ter noção?
Temos uma tendência para sermos muito positivos com a tecnologia. Acabamos, muitas vezes, por nos deslumbrar com feitos tecnológicos. A IA tem um potencial imenso para ter um impacto fundamental numa série de áreas da nossa vida coletiva que são urgentes, desde a medicina, agricultura, clima, mas muitas vezes não são essas as áreas às quais somos interpelados com múltiplas notícias sobre como esse tipo de tecnologia pode nos ajudar a melhorar. Depois, há toda uma série de questões com a IA que têm de ser reconhecidas: a IA quando desenvolvida e utilizada e posta disponível ao público em geral, quando não é feita de forma ponderada, responsável e humilde, pode ter impactos societais graves e alguns deles irreversíveis. Acho que esta é a adolescência da IA: aquele encontro com a realidade e perceber que não estamos sozinhos no mundo e que aquilo que fazemos tem impacto concreto, por isso já não podemos permitir certas atitudes. Esse é um debate que assistimos hoje. Não é só discussão pública, mas também uma legislação e regulamentação não só a nível nacional como internacional. Acho que não há nenhuma organização internacional que não esteja a ponderar de que forma é que a IA poderá impactar o seu dia a dia e a operação.
DL: Acredita que a IA representa algum perigo para a humanidade?
Não acho que seja um perigo para a humanidade, por definição. Isso faz parte de uma narrativa sem qualquer base prática. Estamos a falar de algo que é incapaz de relatar histórias ou factos históricos de forma correta; que tem dificuldade, às vezes, em fazer matemática simples. Estamos muito longe de qualquer catástrofe a nível de IA, mas isso não quer dizer que não existem perigos concretos, hoje. O que muitas vezes ouvimos sobre os perigos da IA é uma distração completa. Os problemas dessa tecnologia são mais difíceis de discutir, porque existem questões concretas, por exemplo, sobre o ambiente.
DL: Poderemos vir a ter cidades geridas completamente por IA?
Coloco essa questão na categoria de distrações. No entanto, na gestão das cidades, existem imensas oportunidades de como a IA pode ser utilizada de uma forma extremamente positiva. Por exemplo, em antecipar situações de bloqueio ou problemas do dia a dia das cidades, desde focos de poluição e trânsito, até no desenho de políticas públicas. Precisamos de olhar para as questões concretas de como a IA é útil ou inútil/perigosa tendo em conta aquilo que está a ser desenvolvido hoje. Esses problemas são gravíssimos. Estamos num frenesim de construção de centro de dados e centros de computação avançada, de uma forma completamente massiva, que tem um impacto muito considerável no ambiente e que é perigoso para a sociedade.
DL: Como ainda poderemos aplicar a IA aos Açores?
Penso que os Açores estão numa posição particularmente boa para explorar a IA. Os Açores têm desde a parte da biologia marinha, sismologia, dependência da agricultura, enfim. Existe uma série de domínios muito práticos nos quais a IA pode ser explorada. Há muitas coisas que podem ser feitas, por exemplo, ao nível de perceber melhor aquilo que é a realidade das pescas nos Açores, os ciclos das espécies que nos são muito queridas e economicamente vantajosas. Também, em termos da sua operacionalidade, a nível do governo e das suas instituições. No entanto, temos de ter sempre presentes as limitações de uma região como os Açores e Portugal num todo: a restrição de fundos para uma exploração mais ambiciosa. Já existe evidência suficiente à volta do mundo sobre os benefícios de IA em regiões como os Açores, para haver uma discussão muito guiada e particular sobre que coisa explorar. Tenho a expetativa que esse debate, se ainda não aconteceu ou está a acontecer, que venha a acontecer porque o potencial positivo é claro e é muito entusiasmante.
Acho que em relação aos Açores, seria extremamente interessante perceber até que ponto podemos formar os nossos próprios cientistas nesta área. Existe um potencial enorme de exploração concreta e eficiente de IA em problemas que encontramos nos Açores, só que nós não podemos estar reféns de “fornecedores”. Temos de ter a capacidade autónoma de investigar e desenvolver soluções para os nossos problemas e a Universidade dos Açores seria uma pedra basilar.
DL: Está a sugerir criar-se um curso na área da Inteligência Artificial nos Açores?
Seria um passo entusiasmante na direção de termos iniciativa de explorar como esta área de investigação e de aplicação pode ser benéfica para os Açores.
DL: A IA ainda não está a ser bem explorada na região?
Tendo em conta a informação que tenho, não. Imagino que não seja, muitas vezes, por falta de vontade, mas pelas limitações orçamentais. No entanto, como tudo na vida, fazemos investimentos. No que toca à nossa posição internacional vantajosa, para áreas como a biologia marinha, existe aí uma série de interseções que podem ser exploradas e estão a ser. Espero que venhamos a ver os frutos disso e que as pessoas expandem essas capacidades dos Açores de fazer investigação e desenvolvimento a nível da IA, ao nosso ritmo e ao nosso tamanho, claro.
Convidamos Urbano Bettencourt a visitar o Diário da Lagoa e numa longa conversa descontraída, começa por contar que nasceu em 1949, “no extremo leste da ilha do Pico, do lado oposto à ilha do Faial, virado para São Jorge”, na freguesia da Piedade, Lajes do Pico, na zona do Calhau, junto ao mar.
Foi na Piedade que passou parte da sua infância, nos anos 50, em tempos que conta terem sido “de poucos bens” em que as pessoas “sobreviviam em função daquilo que iam produzindo” no cultivo das terras e do que o mar dava. O pai trabalhava na construção naval levando a família a decidir mudar-se para Santo Amaro.
Aos 11 anos, por intervenção do pároco, seguiu para o seminário em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, para prosseguir os estudos, onde ficou dois anos até ir para o seminário de Angra, na Terceira, onde esteve mais sete anos. Após os estudos foi para Setúbal numa “decisão pensada”. Em território continental trabalhou no escritório de um despachante alfandegário, mas em 1971 foi chamado a cumprir serviço militar em Mafra, depois em Évora com uma passagem por Tancos onde fez um curso de Minas e Armadilhas. Em julho de 1972 já “estava de malas feitas”, rumou à Guiné-Bissau onde esteve dois anos. No total, três anos de serviço militar obrigatório.
A Revolução dos Cravos ditou o fim da guerra, trouxe-o de volta ao Pico, por um par de meses, mas optou por se mudar novamente para território continental, desta vez para Lisboa, para “mudar de ares, trabalhar e estudar”, de 1974 a 81. Acaba, ainda, por regressar a Setúbal por mais três anos para exercer a docência. Em 1984, com a esposa e a primeira filha, Sara, decide regressar aos Açores, fixando-se em S. Miguel. Aqui, decorreu a parte substancial da sua atividade profissional (na Escola Secundária Antero de Quental e na Universidade dos Açores), aqui nasceu a sua segunda filha, Mariana.
Desde esse regresso, já se passaram 40 anos até esta entrevista em que nos fala do seu percurso, da sua escrita, da cultura açoriana e da Língua Portuguesa, no ano em que se celebra os 500 anos de Camões.
DL: Lançou-se na escrita por volta de 1970. Como dava a conhecer a sua escrita?
Havia alguns jornais nos Açores que tinham suplementos literários. E na Terceira houve um suplemento que ficou como referência, o “Glacial” do jornal União de Angra do Heroísmo, de 67 a 74. Publiquei também no jornal “O Dever”, do Pico. Em 1977 criamos, em Lisboa, a revista “A memória da água-viva” — eu, o meu amigo Santos Barros e um grupo de pessoas congregadas em torno do Grupo de Intervenção Cultural Açoriano; além da revista editámos livros de poesia e de ensaio, e organizámos sessões com escritores e exposições culturais. Publiquei muito na revista; depois, no início dos anos 80, o Santos Barros dirigiu o suplemento “Contexto” no jornal “Açores” e colaborei muito com ele, a partir ainda de Setúbal. A revista “Atlântida” acolheu também textos meus, a nível ensaístico.
Por tudo isso, no começo dos anos 90, o Professor José Martins Garcia sugeriu que me contratassem para substituí-lo na docência de Literatura Açoriana, que ele introduzira no plano curricular de alguns cursos do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas, da Universidade dos Açores.
DL: Quando lançou o seu primeiro livro?
Em 1972, o “Raiz de mágoa”, e em Setúbal, por insistência de um amigo meu, Manuel Pereira de Medeiros, que era de Água Retorta e foi viver para Lisboa e depois para Setúbal onde comprou uma livraria que se transformou depois na grande livraria de Setúbal, a Culsete, que ainda existe embora com outros proprietários; ele próprio se encarregou da execução gráfica do livro.
O primeiro livro serve para marcar um espaço, à espera de outros que eventualmente venham a surgir. O segundo livro, também de poesia, foi já em Lisboa naquele Grupo, em 80, intitulava-se “Marinheiro com residência fixa”. Depois em 87 já em São Miguel publiquei o “Naufrágios Inscrições” já com outra qualidade gráfica e fui escrevendo, derivando depois para o ensaísmo. Entre livros maiores e menores, de prosa, de poesia e de ensaio, são cerca de 25. Neste momento, estou aposentado mas continuo a investigar, a escrever e a comunicar.
DL: O seu último livro publicado foi o “Até que o Mar se Retire”, em 2023. Desde então está a trabalhar em mais algum livro?
Em livro novo, não. Mas acaba de sair, em terceira edição (Companhia das Ilhas, Lajes do Pico), “Santo Amaro sobre o mar», com desenhos de Alberto Péssimo (um pintor natural da Ilha de Moçambique e residente no Porto) – uma narrativa entre a evocação e a invenção, sobre Santo Amaro, a minha freguesia adotiva no Pico.
DL: Sente que a cultura açoriana é valorizada devidamente, ou vai continuar a ser para nichos?
A cultura é um tecido composto por manifestações diversas e campos diferenciados. E, se repararmos bem, alguns desses campos (talvez por serem encarados como mais «acessíveis» e capazes de atingir um público mais abrangente – dentro de uma simples lógica da quantificação e da estatística), têm uma circulação e uma visibilidade que não assistem a outros; à sombra disso, verifica-se por vezes uma traficância de produtos de qualidade muito duvidosa que passam e não deixam qualquer mais-valia em termos de valorização coletiva e individual.
Em todo o caso, há experiências que vão tendo lugar em diversos pontos dos Açores e constituem bons exemplos da cultura como processo de criação e abertura a outros horizontes e modos de ver e pensar. Penso, no entanto, que falta ainda uma rede de suporte que favoreça a circulação dessas propostas e de outras dentro da própria ilha e entre as ilhas.
DL: No ano em que se comemora 500 anos de Camões, como olha para o estado da literatura e da língua portuguesa?
A literatura segue o seu caminho e é sempre difícil atender a tudo num momento específico (mesmo hoje, quando lemos os chamados clássicos, fazemo-lo tendo em conta uma seleção realizada pelas instituições e pelo tempo). Além disso, há aqueles autores que me são próximos e a que regresso com frequência.
Tento, na medida possível, acompanhar e ter uma informação elementar sobre nomes que vão surgindo, os rumos e preocupações da sua escrita, mas não posso ter a pretensão de os ler a todos nem tudo o que escrevem.
O ensino da Língua Portuguesa materna tem hoje meios e práticas que não tinha há muitos anos. Isso devia influenciar mais o modo de utilização da língua. Sempre houve português informal, mas usava-se em contexto informal. Hoje, o informal está por todos os lados, nas televisões, nas redes sociais, e a incorreção atinge mesmo órgãos de comunicação que, pelo seu estatuto, tinham obrigação de respeitar mais a língua que falamos; há situações em que, por ignorância ou desleixo, a língua portuguesa acaba notoriamente maltratada.
Nas redes sociais, aparecem textos interessantes e de leitura recomendável, vindos em parte de pessoas a pensar e comunicar noutros meios mais exigentes; mas ao lado disso surgem também textos em que a expressão e a comunicação sofrem tratos de polé (para não falar de outros aspetos de conteúdo e atitude cívica, que é já uma outra questão).
DL: Sente que já se realizou?
Não. Vamos sempre à procura de algo, de outro caminho, uma tentativa de consolidar alguma coisa que ficou. Vamos experimentando outras coisas e vendo como é que elas interagem connosco e como é que nos sentimos em relação a elas. Isso é um processo contínuo. De qualquer modo, uma coisa que procuro sempre é estar atento ao mundo próximo e à literatura e ver em que medida essa literatura nos serve para a nossa própria expressão e visão do mundo.
DL: Para melhorar o estado atual da “língua maltratada”, o que recomendaria a um jovem?
O que posso desejar é que cada um tenha o cuidado com o meio com o qual se apresenta e com que se constitui enquanto ser falante. Há muitas formas de passar por aí, através de leituras. O essencial é ler bastante e ler textos corretos que nos façam pensar e questionar. Acho que as coisas passam em grande parte pela leitura. Mesmo o ato de escrever precisa da leitura que se fez ou que se faz. Sem a leitura, é a própria linguagem que empobrece. Há um léxico, uma articulação discursiva que não se encontra na linguagem do quotidiano e é preciso passar por eles para enriquecer a nossa capacidade linguística e tornar mais organizada e coerente a expressão do nosso pensamento.
Nasceu numa sexta-feira, em janeiro de 1970, numa casa com o número de porta que ainda recorda, o 34, na Lagoa. Estudou na Universidade dos Açores para exercer a profissão de professora do primeiro ciclo mas foi a sua colaboração na comunicação social que a trouxe à casa de muitos açorianos. Há cerca de sete anos tirou uma licença sem vencimento para se dedicar a tempo inteiro à rádio e à televisão açoriana. Vive atualmente na ilha do Faial mas sempre que vem a São Miguel fica na terra que a viu nascer, a Lagoa. É como radialista e a fazer reportagens na área do entretenimento tanto para televisão como para a rádio que tem dedicado os últimos anos.
DL: Como foi parar à comunicação social?
Desde pequenina que sempre gostei de brincar às rádios. Acho que o meu estágio foi feito na sala de família a brincar com o gira discos, a falar ao microfone, a gravar cassetes para enviar aos meus primos e tios no Canadá. Já estava a fazer rádio sem saber. Estamos a falar de quando era criança, antes de ir para a escola. Não tive jardim de infância, tive muito tempo para brincar, para falar sozinha e para olhar para o espelho. Tenho de agradecer muito à criança que fui, acho que veio com uma intuição e com uma força muito especial. Eu pegava nos LPs e cantava juntamente com os artistas, isso era um exercício incrível.
DL: A comunicadora já estava em si?
Acredito que sim. Eu lembro-me de cantarolar o Vinho Verde e do meu avô passar para a pauta aquela melodia. Ele [António Moniz Barreto] era maestro e compositor popular. E isso já era festa, espetáculo, alegria. Lembro-me disso com muito carinho. Toda a minha família estava ligada à revista “Coisas da Lagoa” que percorreu muitos palcos em São Miguel e que foi um estrondoso sucesso na altura, em que o meu avô era quem dirigia a orquestra e fazia as melodias. O meu pai tocava, o meu irmão mais velho fazia de ponto, o meu irmão do meio ajudava nos bastidores e em tudo e mais alguma coisa. Eu acompanhei muitas subidas a palcos. E dei por mim a fazer as falas, pois sabia as letras. E cheguei a apresentar a revista aos meus avós, ao meu avô paterno e à minha avó paterna. Eles sentavam-se no sofá da sala, eu saia de trás de uma das cortinas e eles batiam palmas.
DL: Como chega à rádio?
Tirei o curso de professora do primeiro ciclo na Universidade dos Açores e foi a propósito de um trabalho que tínhamos de apresentar que fui até à rádio Atlântida, em 1990. Coloquei o pé pela primeira vez num estúdio de rádio, a partir daí como estava deliciada com tudo aquilo, disseram-me: “experimenta a dizer qualquer coisa ao microfone”. Fi-lo e perguntaram-me: “és sempre assim ou é só hoje? Se és sempre assim então volta amanhã para a gente conversar um bocadinho”. Então fui, comecei a participar num programa infantil “O mundo da fantasia” da Atlântida, mais tarde apresentei o projeto “Porto de Encontro”, em que cada programa era um cais, e nós só passávamos música de expressão portuguesa e poesia, a nossa literatura portuguesa desde a Idade Média até à Contemporânea. E foi assim, depois fiz um bocadinho de tudo na rádio Atlântida. O meu primeiro apontamento em direto foi exatamente na visita do Papa João Paulo II aos Açores, a 11 de maio de 1991. Um acontecimento inesquecível.
DL: Há 10 anos, em outubro, apresentou a edição impressa do Diário da Lagoa. Como surgiu esse momento?
O Norberto Silveira convidou-me para fazer a apresentação da primeira edição em papel do jornal e, também, foi uma oportunidade muito gratificante de apresentar algo no meu concelho, de um órgão de comunicação social e que, tal como disse na altura: eu acho que é muito importante registarmos o nosso tempo, é uma obrigação de caráter perene que a escrita confere. Seja em que suporte for, acho que temos essa obrigação de registar feitos e histórias pessoais, homenagear figuras, dar voz. E a Lagoa tem essas referências, essas figuras e tem essas inspirações. Esse jornalismo de proximidade que o Diário da Lagoa representa, não é passado, é presente e é futuro. Nós precisamos disso, precisamos de saber do que se passa ao lado, porque estamos numa era em que às vezes sabemos do que se passa a mil e tal quilómetros e não sabemos o que se passa na rua ou no prédio.
DL: Como é trabalhar no Faial?
Como em tudo, tem uma parte fácil e uma mais desafiante também. Por ser mais pequena é muito familiar, com todas as características e implicações que isso trará, por outro lado, como estamos mais longe e também há algumas coisas que demoram mais a chegar. Temos de esperar um bocadinho pela nossa vez. A área de animação de rádio aqui estava adormecida há mais de dez anos até eu resgatar aqui na delegação do Faial.
DL: Há uns anos falava-se no fim da rádio por causa da televisão mas isso não aconteceu. Como encara este facto?
As pessoas apanharam um grande susto, sentiram-se sozinhas. A rádio sempre foi e sempre será uma grande companhia na solidão também. Eu lembro-me que quando fazia o programa Céu Azul, às sete da manhã, eu achava que ninguém estava a ouvir mas havia quem acordasse, ligasse o rádio e estivesse a ouvir. Ou pessoas que tinham um transistor em cada compartimento da casa porque não queriam perder nada do Céu Azul. Isso na pandemia.
DL: Que conselho daria a quem está agora a começar na comunicação social?
Não saberia dar um conselho porque a pessoa que neste momento está a começar vai encontrar uma realidade que não foi aquela que encontrei. Eu só diria para cuidar bem de si, acreditar em si e para ter portas entreabertas, porque é muito fácil encontrar portas fechadas.
DL: Onde se imagina daqui a dez anos?
Em 2034… Ora 34 era o número da porta da casa onde eu nasci. Se pudesse via-me a viajar pelo mundo, independemente de registar, relatar, escrever sobre isso, fazer diretos ou um podcast, de o partilhar ou não. Gostaria muito de viajar e conhecer mais cidades, países. As minhas férias preferidas são aquelas em que entro na vida de todos os dias do cidadão daquela cidade que visito e depois vou visitar os espaços culturais, vaguear pelas ruas em que sou mais uma no meio da multidão. Gosto de conhecer o mundo assim, indo aonde as coisas acontecem e de ir à vida real de outras paragens que não a minha de todos os dias.
Nascido numa família de músicos que tocava para os americanos na Base das Lajes, na Terceira, Luís Gil Bettencourt desde cedo teve um instrumento nas mãos. É músico, compositor e mantém atividade na organização de eventos há já largos anos. Não acredita em dons nem em inspirações.
Numa conversa com o Diário da Lagoa, no hotel onde ficou hospedado na sua visita a São Miguel, em março, Luís Gil Bettencourt conta sobre como as suas experiências de vida o moldaram enquanto pessoa. A imigração, nos anos 70, para os Estados Unidos. O retorno à sua terra, na década de 80. Explica a sua ligação a São Miguel, uma ilha que também chama de casa. Fala sobre o passado, o presente e um pouco sobre o futuro. Prefere não avançar informações sobre o próximo Atlantis – Concert for Earth, mas faz um balanço da primeira edição do festival que aconteceu em 2022 junto à lagoa das Sete Cidades.
DL: Como surgiu o gosto pela música na sua vida?
O gosto não acontece. São influências que vamos recebendo ao longo da vida. A minha família está ligada à música desde sempre. A minha avó era pianista, o meu pai era multi instrumentista, e depois foram contratados pelos americanos, para criar uma banda na Base das Lajes, onde nasci. Fomos ouvindo os sons. Felizmente tive a sorte de ouvir sempre boa música, fui crescendo e educando o ouvido. Não acredito em dons nem em inspiração.
DL: Desde muito cedo teve um instrumento nas mãos…
Eles estavam à minha volta. Comecei a tocar piano aos quatro anos. Pelos cinco, queria tocar violão. Uma irmã minha estava a aprender a tocar e tinha um papel com acordes. Um dia, ela deixou cair aquele papel, agarrei-o e comecei a aprender sozinho. Até hoje foi assim: sozinho, sempre a amarrar com aquilo até dizer chega. Pelos seis anos, comecei a tocar em grupos de baile.
DL: Como se define? Quem é Luís Gil Bettencourt?
Estou com quase 68 anos, e é difícil, em poucos segundos, uma pessoa fazer uma análise a si própria. Sou teimoso, no sentido de querer. Sou atrevido, no sentido de arriscar. Sou persistente, no sentido de ultrapassar. Ter vivido nos Estados Unidos da América, e no tempo de Salazar moldou-me para ultrapassar obstáculos. Nada estava à mão de semear. É claro que toda esta escola, ainda por cima a dos Estados Unidos, onde não há subsídios, moldou-me no sentido de querer ver as coisas com um palmo de distância, e ver para lá do horizonte, e, de forma equilibrada, fazer coisas que possam servir o meio onde vives. Acredito muito em trabalhar para a comunidade, daí ter criado a Maré de Agosto, ter sido mentor do auditório na Praia da Vitória, e outros festivais e projetos.
Ao fim e ao cabo, é ser um cidadão o mais completo possível e olhar para quem nos rodeia, porque não vivemos sozinhos. Cada vez mais, devíamos olhar uns para os outros dessa forma. Nos Açores, falta-nos o sentido de comunidade, na minha opinião. Demos um salto muito grande, do nada para o mundo, e não soubemos interpretar economicamente a moeda. Há uma aculturação desequilibrada e isso incomoda-me um pouco. Deram-nos muitas ferramentas e não nos ensinaram a trabalhar com elas. Vivemos no mundo das redes sociais, onde tudo temos e nada nos chega. Nos anos 70, em Boston, queríamos que o mundo nos conhecesse. Hoje, o mundo conhece-nos, mas não tem tempo para nós. Sou uma pessoa comum, como outra qualquer.
DL: Qual é a sua ligação a São Miguel?
Aqui, mais do que nas outras ilhas, notava-se muito as classes. Havia uma divisão muito grande e acho que isso moldou a população aqui. De início, senti as pessoas um pouco fechadas, o que é natural, mas quando se abrem é para o resto da vida. É um povo que se mexe. São empreendedores, atrevidos, aventureiros. Criei amizades aqui muito cedo. É uma ilha mágica, embora sinta, com muita pena, que perdemos Ponta Delgada e já não é tão nossa como era. Quem é de cá já não pode passear e usufruir tanto da cidade como fazíamos no passado. Mas não é razão para desistir.
DL: Como foi a experiência de emigrar para os Estados Unidos, em 1971, quando tinha apenas 15 anos?
Já todos falávamos inglês, tocávamos música em inglês, tínhamos televisão e a rádio americana. A Praia da Vitória tinha uma realidade muito diferente do resto do país. Tocamos para os americanos, na Base das Lajes, numa média de duas a três noites por semana. Claro que na América houve coisas menos saudáveis. Sentíamos alguma descriminação da comunidade irlandesa, mas era um país em que sabíamos que se querias, conseguias. Foi o que fizemos, enquanto família. Trabalhávamos uns para os outros. Queríamos que um de nós chegasse algures. Os irmãos mais velhos foram “pavimentando a estrada”, e o mais novo é que dá o salto, mas ele também trabalhou muito para isso.
“Há cheiros, horizontes, mares e pessoas que não esquecemos.
Luís Gil Bettencourt
Depois, quer-se também trazer um pouco dos Estados Unidos.
Queres ajudar, com as tuas ideias, e foi o que fiz, com o festival Maré de Agosto.
Não o criei pela música, mas para o desenvolvimento da ilha.”
DL: Na década de 80 volta aos Açores.
Vim cá passar um fim de semana e fiquei. Quando se sai com 15 anos não é como não se conhecesse isto. Um miúdo com 10, 11 anos, a viver a vida que vivia aqui, não era para qualquer um. Entrava no barco, ia tocar para o Faial, para São Miguel. Isso fez-me crescer bastante. Há cheiros, horizontes, mares e pessoas que não esquecemos. Depois, quer-se também trazer um pouco dos Estados Unidos. Queres ajudar, com as tuas ideias, e foi o que fiz, com o festival Maré de Agosto. Não o criei pela música, mas para o desenvolvimento da ilha.
DL: Nos Açores tem organizado uma diversidade de eventos. Está satisfeito com o trabalho que tem desenvolvido cá?
A Maré de Agosto vai fazer 40 anos, nem é um caso de satisfação, é uma certa alegria. Costumo dizer que a Maré de Agosto e o Carnaval da Terceira são dos bons exemplos de que a cultura pode ser um motor de arranque para a economia local. A Maré de Agosto tem um problema que é acontecer só uma vez por ano. Era importante que durante o ano se fizesse outras coisas, e há essa tentativa.
Os Açores têm de ser promovidos de uma forma única, no meu ver. As outras ilhas precisam das ilhas grandes. Não se pode levar tudo para São Miguel ou para a Terceira. Tem de haver um equilíbrio. Temos de olhar uns pelos outros.
DL: Que projetos tem agora entre mãos?
Eu e a minha filha Maria Bettencourt estivemos em Los Angeles, no outro dia, para ver um novo técnico de gravação e produtor para ela. Também tenho o festival Atlantis. Há outras coisas que gostaria de fazer, em termos de documentários e um pequeno estudo sobre a nossa emigração nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo.
DL: Está a residir na Terceira. Viaja muito em trabalho?
Tem de ser. Venho a São Miguel muita vez, por causa do festival das Sete Cidades, o Atlantis.
DL: O balanço da primeira edição do festival Atlantis, que aconteceu em 2022, foi positivo?
Sim, tinha de ser. Não havia outra forma de resultar. Já temos experiência nestas coisas, eu no lado de cá e o meu irmão Nuno Bettencourt pelo mundo. Sabíamos perfeitamente o que tínhamos de fazer. Tivemos um público impressionante, exemplar. Penso que 90 por cento do festival foi público de cá.
Não queremos fazer à moda de lá, nem à moda de cá. Queremos fazer de uma forma que possa, de alguma forma, ir ao encontro da população, dos músicos e ir ao encontro da nossa intenção, que se prende com a questão ambiental.
Na primeira edição, o público foi de forma saudável. Alguns aspetos que eram muito importantes era as pessoas poderem ir ao festival num horário saudável e praticar um preço acessível à família. Depois, naquela beleza, ouvir música à luz do dia, que é algo que devíamos fazer mais cá. Os Açores são para ser vistos de dia e não de noite.