O secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Comunidades, Paulo Estêvão, declarou, no passado dia 14 de abril, que a Rede Internacional de Organizações de Serviço Social dos Açores e da Diáspora, cujo protocolo de constituição foi assinado por cerca de duas dezenas de entidades, representa um “momento histórico” para os Açores e as suas comunidades.
“Estamos a enfrentar uma situação sem precedentes. Os últimos números do Governo português são que o país tem um milhão e meio de imigrantes. Trata-se de um crescimento muito significativo. Um país de emigrantes transformou-se num país que acolhe. Ao mesmo tempo, continuamos a ter uma população emigrante muito significativa. É uma conjuntura única”, declarou o governante, em Ponta Delgada, na sessão de encerramento de um seminário internacional dedicado à constituição da Rede.
Para o secretário regional com a tutela das comunidades, “esta situação extraordinária e histórica levanta desafios ao país” e aos Açores.
“Há uma conjuntura recente que tem a ver com a política de emigração da nova administração norte-americana. Neste momento, tendo em conta não propriamente as ações em relação à comunidade portuguesa, mas sobretudo o discurso, não há um número de deportações superior ao normal, essa situação não aconteceu. Se há neste momento um regresso em número significativo de açorianos é um regresso voluntário que tem a ver com o impacto do discurso da administração [norte-americana] e o medo que esse discurso possa ter consequências práticas”, assinalou.
Paulo Estêvão lembrou ainda os conflitos bélicos atualmente existentes, reconhecendo ser “muito difícil planificar seja o que for”, e dando exemplos como os números de exportações ou indicadores macroeconómicos.
“O que estamos aqui a fazer é contracorrente: juntar um conjunto de instituições regionais e da diáspora, no âmbito do serviço social, para partilharem conhecimento e juntos fazerem mais”, frisou, contrastando esta ideia com a do protecionismo político e económico de algumas democracias.
“Este protocolo tem essa importância de estarmos aqui todos com o espírito de ajudar, termos um apoio social cada vez mais alargado, que possa atingir mais gente. Estou verdadeiramente impressionado com o trabalho de todas estas instituições”, valorizou, depois de ter assistido à apresentação do conjunto de atividades de várias entidades da diáspora e parceiras neste projeto de cooperação.
A Rede Internacional de Organizações de Serviço Social dos Açores congrega associações e/ou outras organizações que desenvolvem atividades de índole social junto das comunidades açorianas nos Estados Unidos da América, Canadá e Bermuda e na qual a Direção Regional das Comunidades assume o papel de promotor e coordenação.
Segundo comunicado da Secretaria Regional dos Assuntos Parlamentares e Comunidades, a entidade visa, entre outros objetivos, “promover a troca de informação permanente, promover um conjunto de respostas de suporte sociocultural que permitam, através da cooperação entre diferentes entidades, contribuir para a integração efetiva dos açorianos emigrados e açorianos regressados à Região, ou integrar na ação de intervenção social a envolvente imediata, família e comunidade do emigrante e do emigrante regressado, sempre que possível”.
A identidade açoriana está profundamente ligada à diáspora e às comunidades lusófonas que, ao longo dos séculos, têm encontrado nos Açores um ponto de encontro entre culturas e tradições. O Governo da Região Autónoma dos Açores, através da Direção Regional das Comunidades (DRC), tem desempenhado um papel fundamental no fortalecimento destes laços, tanto no apoio aos imigrantes lusófonos que vivem no arquipélago, como na valorização da vasta diáspora açoriana espalhada pelo mundo.
Em entrevista à nossa reportagem, José Andrade, diretor regional das Comunidades do Governo da Região Autónoma dos Açores, falou sobre o trabalho desenvolvido nos Açores e a importância de iniciativas como esta Gala Beneficiente da Associação “Mais Lusofonia” para a união e cooperação entre povos que partilham uma história e um idioma em comum, além de enumerar os projetos futuros.
DL: Esteve no continente a participar numa Gala promovida pela Associação Mais Lusofonia, com sede em Castelo Branco, que foca as suas ações na comunidade lusófona. Qual o nível de parceria entre a DRC dos Açores e a referida associação?
A Direção Regional das Comunidades do Governo da Região Autónoma dos Açores e a Associação Mais Lusofonia partilham objetivos coincidentes na sua missão estratégica, designadamente, ao nível da ligação às comunidades lusófonas. Por isso, temos um promissor caminho a percorrer, com possíveis iniciativas conjuntas ou atividades partilhadas, no âmbito de uma parceria que se quer crescente e mutuamente vantajosa.
DL: Como avalia o evento e o que pôde experienciar?
Fiquei muito bem impressionado com o espírito voluntarioso e a capacidade empreendedora dos seus dirigentes e associados, mas sobretudo com a liderança inspiradora da sua fundadora e presidente, Sofia Lourenço. Ela própria é um exemplo notável de solidariedade ao serviço da lusofonia, porque nasceu no Brasil, vive em Portugal e trabalha em benefício do desenvolvimento social dos países africanos de língua oficial portuguesa. Destaco aqui o trabalho solidário que tem vindo a desenvolver em Cabo Verde, a que nos ligam especiais relações de cumplicidade. Nos extremos da Macaronésia, Açores e Cabo Verde partilham o mesmo oceano Atlântico, a mesma condição arquipelágica, o mesmo número de ilhas habitadas, a mesma história, a mesma língua, a mesma cultura e, até, a mesma vocação emigratória – somos muitos mais na nossa diáspora do que nas nossas ilhas – com comunidades comuns na costa Leste dos Estados Unidos. Portanto, Cabo Verde é uma das causas comuns que o Governo dos Açores partilha com a associação “Mais Lusofonia” e isso mesmo tive ocasião de confirmar em contatos desenvolvidos com autoridades cabo-verdianas, igualmente presentes nesta Gala da Lusofonia.
DL: As comunidades lusófonas têm auxiliado no desenvolvimento económico dos Açores? Tem números atualizados dos imigrantes e as suas nacionalidades residentes na região?
As comunidades lusófonas em geral – e, em especial, a comunidade brasileira, mas também, por exemplo, a comunidade cabo-verdiana – são parte integrante e interessante do desenvolvimento dos Açores, a nível cultural, social e económico. Brasileiros, cabo-verdianos, angolanos, são-tomenses, moçambicanos ou guineenses, como a generalidade dos imigrantes nos Açores, mas com a facilidade acrescida da cumplicidade linguística, contribuem para reforçar e valorizar a diversidade cultural, para compensar a erosão demográfica e para ultrapassar as carências locais de mão-de-obra adequada, designadamente, na hotelaria, na restauração e na construção. Segundo o mais recente relatório da AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo, relativo ao ano de 2023, residem oficialmente na Região Autónoma dos Açores mais de seis mil cidadãos estrangeiros provenientes de 98 países. Destes cidadãos ainda sem cidadania portuguesa, 1.834 são naturais de outros países lusófonos: 1.351 do Brasil, 315 de Cabo Verde, 58 de Angola, 43 de Guiné Bissau, 34 de São Tomé e Príncipe, 31 de Moçambique e 2 de Timor Leste.
DL: Por fim, como carateriza o trabalho desenvolvido pela Direção Regional das Comunidades e qual a importância de se valorizar e promover iniciativas tendo em vista a comunidade lusófona residente no arquipélago e a diáspora açoriana?
A Direção Regional das Comunidades do Governo dos Açores tem uma dupla missão, que cumpre com gosto: fomentar a Açorianidade, com os açorianos e açordescendentes residentes no exterior da Região, e facilitar a Interculturalidade, com os imigrantes que se encontram radicados nas nossas ilhas. Em ambos os casos, a língua portuguesa é um instrumento importante, seja através da sua preservação junto das novas gerações da diáspora açoriana, seja através da sua aprendizagem por parte dos “novos açorianos” que nos chegam de países não lusófonos. Na diáspora, apoiamos o funcionamento de organizações comunitárias, como, por exemplo, a escola oficial portuguesa da Bermuda. Nos Açores, promovemos Cursos de Português para Falantes de Outras Línguas, já com 36 turmas em 12 anos envolvendo 690 formandos de 55 nacionalidades diferentes.
O presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), Luís Garcia, considerou esta quinta-feira, 20 de março, que o grande desafio no relacionamento com a diáspora é dar a conhecer às novas gerações de açordescendentes o que a região oferece, defendendo que “devemos estimulá-los a investir e, quiçá, viver aqui”, apelando à criação de oportunidades para os jovens açorianos residentes e descendentes de emigrantes.
“Os Açores de hoje são, felizmente, muito diferentes daqueles que viram partir muitas das suas gentes. Hoje somos uma terra de oportunidades. Em muitos domínios somos “califórnias de abundância”, sublinhou o presidente da Assembleia Legislativa na abertura do colóquio “Pensar a Diáspora”, que teve lugar no Coliseu Micaelense, destacando áreas como a Agricultura, o Mar, o Turismo e o Espaço.
Defender uma maior representação da diáspora no parlamento açoriano foi outro ponto destacado por Luís Garcia, que reiterou a necessidade de revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa dos Açores. “Se o país lhes garante esse direito a nível nacional, não há razão para que se continue a fazer da distância física um entrave à participação na vida da sua região ou da sua ilha”, afirmou, reforçando a importância de assegurar direitos de representatividade para os açorianos que vivem além-fronteiras.
Destacando a importância da “união de esforços”, o presidente da ALRAA aproveitou a ocasião para apelar à colaboração de todos, mas em especial da Cônsul dos Estados Unidos nos Açores para enfrentar os desafios decorrentes de um possível aumento de emigrantes açorianos deportados dos EUA, para que, “com diálogo e diplomacia, contribua para ultrapassar este momento”.
As ilhas de São Jorge, Pico e Faial receberam, entre os dias 13 e 15 de outubro, a sétima edição do Encontro Açores-Brasil com a presença de seis das sete Casas dos Açores no maior país da América do Sul.
Os presidentes das entidades sediadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Maranhão estiveram presentes para debaterem o estado atual das casas, bem como discutir soluções e oportunidades com a Direção Regional das Comunidades do Governo dos Açores, que organizou o encontro. Apenas a liderança da Casa dos Açores da Bahia esteve ausente.
O programa contou com sessões escolares sobre a presença açoriana no Brasil, no auditório da Escola Secundária da Madalena, na ilha do Pico, e no auditório da Escola Secundária da Horta, na ilha do Faial. Em ambos os eventos os alunos foram informados sobre o legado deixado pelos emigrantes açorianos que chegaram ao Brasil há mais de 400 anos.
Nestas duas oportunidades, os seis presidentes participaram também em encontros públicos, na Biblioteca Municipal da Madalena, no Pico, e na Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça, no Faial, onde foi apresentado o livro “Somos Açores”, que reúne entrevistas aos líderes associativos açorianos no Brasil.
Nino Moreira Seródio, presidente da Casa dos Açores do Espírito Santo, referiu que este encontro “enriqueceu o trabalho das Casas no Brasil”, sobretudo pela participação junto dos jovens nas escolas. Opinião que é corroborada por Viviane Peixoto Hunter, responsável pela Casa dos Açores do Rio Grande do Sul, que acredita que “ter contacto com as escolas nos Açores foi um intercâmbio rico, uma oportunidade que permitiu mostrar a realidade dos estados brasileiros que receberam os emigrantes açorianos”.
“Muitos não têm a dimensão do legado deixado pelos emigrantes do arquipélago no Brasil”, referiu.
Por sua vez, Paulo Matos, presidente honorário da Casa dos Açores do Maranhão, defendeu que esta iniciativa “possibilitou o intercâmbio cultural e trocas entre os Açores e a sua diáspora no Brasil”, além de provocar a “possibilidade de estarmos mais vezes juntos a estreitar essas relações”.
António Arruda, diretor cultural da Casa dos Açores de São Paulo, recordou que o facto de as Casas dos Açores estarem distantes umas das outras no Brasil, em virtude do tamanho continental do país, fez também com que este encontro permitisse “uma maior interação entre esses líderes”, possibilitando “debater temas e propostas comuns”.
Já Sérgio Luiz Ferreira, presidente da Casa dos Açores de Santa Catarina, destacou a “nova dimensão” dada ao encontro com as explicações levadas às escolas açorianas, mostrando que “os Açores estão vivos além das fronteiras do arquipélago”.
Por fim, Leonardo Soares, presidente da Casa dos Açores do Rio de Janeiro, a primeira casa açoriana a surgir no Brasil, tendo como um dos fundadores Vitorino Nemésio, avaliou positivamente o encontro.
“Foi ótimo termos a possibilidade de trocar experiências, chegar às escolas e falar sobre a emigração açoriana para o Rio de Janeiro”, disse Leonardo.
Paulo Estêvão, secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Comunidades, que acompanhou parte do encontro, recordou que “a emigração caraterizou a vida dos açorianos”, razão pela qual esta iniciativa foi “importante e permitiu mostrar o legado cultural que o nosso povo deixou no Brasil”.
Por fim, José Andrade, diretor regional das Comunidades, frisou que os encontros servem também para “reconhecer e valorizar a especial relação histórica entre os Açores e o Brasil”.
“Não nos podemos esquecer de que o Brasil foi o primeiro grande destino da emigração açoriana. E que, hoje, o Brasil compõe a maior comunidade imigrada nos Açores. Fomos para o Brasil há 400 anos”, finalizou José Andrade.
Recorde-se que o primeiro Encontro Açores-Brasil teve lugar em outubro de 2021, na cidade de Ponta Delgada, na ilha da São Miguel, e as cinco edições seguintes realizaram-se em Angra do Heroísmo (março de 2022), no Rio de Janeiro (julho de 2022), em Florianópolis (dezembro de 2023), em Ponta Delgada (maio de 2024) e no Rio de Janeiro (setembro de 2024), associadas à realização de outros eventos.
Segundo fontes, “com a realização desses encontros, o Governo regional dos Açores visa reforçar e valorizar os laços sociais, culturais e económicos entre a Região Autónoma e as comunidades açordescendentes no Brasil”.
O secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Comunidades, Paulo Estêvão, inicia, a 22 de agosto, uma visita oficial de cinco dias à Costa Leste dos Estados Unidos da América, para participar nas Grandes Festas do Divino Espírito Santo da Nova Inglaterra e reunir-se com entidades das comunidades açorianas dos Estados de Massachusetts e Rhode Island, anunciou o Governo regional.
A visita inicia-se com um encontro comunitário na Casa dos Açores da Nova Inglaterra, em Fall River, que deverá reunir dezenas de representantes das comunidades açorianas de Massachusetts e Rhode Island, no dia 22 de agosto, pelas 19h00 locais.
No dia seguinte, no âmbito das suas competências em matéria de comunicação social, o secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Comunidades visita o canal de televisão Portuguese Channel, a estação de rádio WJFD e o jornal Portuguese Times, na cidade de New Bedford.
Pelas 19h00, participa na abertura oficial das Grandes Festas do Divino Espírito Santo da Nova Inglaterra e, uma hora depois, na inauguração das exposições de artesanato e de produtos regionais açorianos, no Kennedy Park, em Fall River.
No sábado, 24 de agosto, Paulo Estêvão participa no tradicional desfile etnográfico das Grandes Festas do Divino Espírito Santo de Nova Inglaterra, em Fall River, e encontra-se com o antigo presidente do Senado do Estado de Rhode Island, o emigrante micaelense John Correia, na cidade de East Providence, em Rhode Island.
Para o dia seguinte, está agendada a cerimónia de assinatura de um protocolo de cooperação entre o Governo dos Açores e a PALCUS – Portuguese American Leadership Council of the United States, organização fundada em 1991 com o propósito de “defender a uma só voz os interesses dos luso-americanos, maioritariamente açorianos, que se encontram radicados nos Estados Unidos da América”.
Este protocolo destina-se a regular o apoio da Secretaria Regional dos Assuntos Parlamentares e Comunidades, através da Direção Regional das Comunidades, à PALCUS, em benefício da comunidade açoriana e dos seus descendentes nos Estados Unidos da América.
Ainda no domingo, o membro do executivo açoriano marca presença na Missa da Coroação das Grandes Festas, realizada na Igreja do Senhor Santo Cristo, em Fall River, presidida por D. Armando Esteves Domingues, Bispo de Angra. Pelas 14h00, tem lugar a Procissão da Coroação, pelas ruas da cidade de Fall River, também com a participação dos convidados especiais.
No último dia da deslocação, 26 de agosto, o secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Comunidades volta a centrar a sua atenção nos órgãos de comunicação social, que servem as comunidades açorianas da Nova Inglaterra, com visitas à estação de rádio Voz do Emigrante e ao O Jornal – The Portuguese Journal, em Fall River e New Bedford.
Ao final do dia, Paulo Estêvão participa no tradicional banquete de encerramento das Grandes Festas do Divino Espírito Santo da Nova Inglaterra, fundadas em 1986 pelo emigrante micaelense Heitor de Sousa, que são consideradas a maior concentração popular da diáspora açoriana.
Durante toda a sua visita oficial, o secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Comunidades será acompanhado pelo Diretor Regional das Comunidades, José Andrade.
Com esta primeira deslocação de Paulo Estêvão aos Estados Unidos da América, enquanto governante açoriano, o Governo dos Açores diz querer “valorizar e potenciar cada vez mais os laços sociais, culturais e económicos entre a região e as suas comunidades de emigrantes e açordescendentes”.
O presidente do Governo dos Açores, José Manuel Bolieiro, e o Vice-Presidente do Governo, Artur Lima, participaram em anteriores edições das Grandes Festas do Espírito Santo da Nova Inglaterra, este ano organizadas por uma comissão dirigida pelo emigrante terceirense Herberto Silva, como presidente, e pela emigrante micaelense Márcia Sousa da Ponte, como vice-presidente.
Nas Grandes Festas de este ano, participam três grupos que se deslocam da ilha de São Miguel, nomeadamente, a Filarmónica Lira Nossa Senhora da Estrela, da freguesia da Candelária, no concelho de Ponta Delgada, a Filarmónica Estrela do Oriente, da freguesia da Algarvia, no concelho de Nordeste e a Charanga da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila Franca do Campo.
Daniel Evangelho Gonçalves, 39 anos, nascido no Rio de Janeiro, no Brasil, é descendente de terceirenses. Foi batizado na igreja de São Bento, em Angra do Heroísmo, e cresceu no Brasil com as raízes açorianas bem presentes. Há um ano, decidiu mudar-se com a sua esposa e filha para a terra que lhe “desperta paixões”, conta, em conversa com o Diário da Lagoa (DL).
Curiosos para conhecer melhor o “carioca açoriano”, encontramo-nos com ele no jardim em frente ao Palácio da Conceição, em Ponta Delgada, que tinha acolhido o Conselho da Diáspora e o V Encontro Açores Brasil, nos quais Daniel Gonçalves participou.
Numa conversa descontraída, começou por falar nas recordações dos Açores da sua juventude: “Tenho memórias maravilhosas. Na verdade, o que me fez querer vir para cá foram essas memórias. Fui batizado na igreja de São Bento. Voltei cá várias outras vezes, em adolescente, a descobrir a vida e os Açores ” O primeiro grande marco na sua vida, explica, foi a Direção Regional das Comunidades ter-lhe oferecido um curso para aprender a tocar Viola da Terra para apoiar o grupo folclórico da Casa dos Açores do Rio de Janeiro, quando tinha 18 anos. Nessa vinda aos Açores, lembra, “deparei-me com a cultura já um pouco mais maduro e apaixonei-me”.
Já depois disso, e de volta ao Brasil, licenciou-se em História, sempre com especial interesse no tema da emigração, e entrou na Casa dos Açores do Rio de Janeiro como diretor cultural. Trabalhou também como professor e foi historiador na Força Aérea Brasileira.
“Depois, com as minhas próprias pernas, comecei a criar eventos na Universidade dos Açores, vir em trabalho, dar palestras, e o interesse de morar aqui ficou cada vez maior,” conta ao DL o carioca, que está neste momento a terminar o doutoramento na Universidade dos Açores, onde colabora como investigador convidado.
O luso-brasileiro já estuda a emigração há 20 anos: “Escrevo artigos, dou palestras, sempre sobre a emigração, porque é o que gosto: porque é que as pessoas saem da sua terra natal; como é que são acolhidas. Geralmente o meu foco é a emigração açoriana, para o Rio de Janeiro, que é pouco estudado. Confunde-se com a minha história. A minha ideia sempre foi registar as memórias para as futuras gerações, porque estão a perder-se. Essa é a minha missão académica”.
É diretor cultural da Casa dos Açores do Rio de Janeiro há 15 anos: “Criamos eventos, atraímos pessoas e fazemos o máximo para divulgar a cultura açoriana no Rio e para os açorianos se sentirem em casa, porque esse é o foco da Casa. Fiz protocolos com várias universidades, trazendo um lado mais académico e tornando a Casa mais conhecida. Hoje ela já é um polo de açorianidade, misturada com a cultura carioca” realça o luso-brasileiro. “Gosto de brigar pela nossa comunidade, trazer coisas para o Rio, mostrar que existimos, que somos grandes, temos importância, que mantemos as nossas tradições há mais de 70 anos. É uma comunidade grande. Hoje, se contarmos os netos e bisnetos, já chega a quase um milhão de descendentes de açorianos, no Rio de Janeiro. Os Açores não fazem ideia das raízes que deixaram por aí,” considera.
Desde 2021, faz parte do Conselho da Diáspora: “É um trabalho que já faço há muitos anos, de conectar as pessoas, criar projetos, incentivar a cultura açoriana”, salienta o historiador.
Mudou-se para a Terceira há apenas um ano, lugar que escolheu para criar as suas filhas, por haver “paz e segurança”.
Em 2023, lançou o livro infantil “Nem de Cá, Nem de Lá”, que está a ser apresentado em todas as escolas dos Açores. Com o objetivo de educar sobre a emigração, o livro conta a história de um açoriano, da Terceira, que fugiu da guerra do Ultramar, fixando-se no Brasil. Essa personagem principal chama-se “João”, e é uma homenagem aos seus dois avôs.
Também cá nos Açores, Daniel, em conjunto com a sua esposa, Monique Vieira, pedagoga, está a continuar o trabalho que começou no Brasil: desenvolver projetos educacionais. “Criamos projetos que transformam a vida das pessoas através da educação”, explica o luso-brasileiro, “criamos programas, dinâmicas. Temos vários tipos de clientes e ainda trabalhamos para o Brasil”. Atualmente, trabalham na Rede Valorizar.
“Essa é a missão da minha vida e da minha esposa, tentar, através da educação, transformar as pessoas e mostrar que elas podem ser mais felizes por serem mais humanas. Na nossa diferença, em todos os aspetos, é que vamos ver, com empatia, que todos somos importantes, e não precisamos disputar nada”. Para o carioca com sangue açoriano, viver na terra do seu pai e avós é o realizar de um sonho. “Estou a gostar muito de viver cá, da paz, da segurança que esse lugar tem, mas também de acordar todos os dias e olhar para o Monte Brasil, que era o lugar que sonhava ver todos os dias. Agora acordo de manhã e olho pra ele e sinto um calor no coração”, assegura.
DL: Filho de emigrantes açorianos no Brasil, nasceu no Rio de Janeiro, há 39 anos, mas quando era mais novo vinha aos Açores. O que recorda desses tempos?
Tenho memórias maravilhosas. Na verdade, o que me fez querer vir para cá foram essas memórias. Fui batizado na igreja de São Bento, na terra onde o meu pai foi criado. Depois vim já maior, com 12 anos, para as bodas de ouro da minha avó. A minha avó teve 13 filhos, então foi o encontro de dezenas de primos. Foi muito bom estar em família. Depois voltei várias outras vezes, em adolescente, a descobrir a vida e os Açores, um lugar seguro que pude desbravar. O grande marco na minha vida foi a Direção Regional das Comunidades ter me oferecido um curso para aprender a tocar viola da terra, para ajudar o grupo folclórico. Nem tinha ligação com a Casa dos Açores. O meu avô tinha sido presidente. Quando cheguei aqui, deparei-me com a cultura já um pouco mais maduro e apaixonei-me. Fui fazer o curso de História, ingressei na direção da Casa dos Açores. Depois, com as minhas próprias pernas, comecei a criar eventos na Universidade dos Açores, vir em trabalho, dar palestras, e o interesse de morar aqui ficou cada vez maior.
Aqui há uma alma muito parecida com a do carioca. Pessoas que recebem bem, há uma bela gastronomia, a cultura pulsante na Terceira, com muita música e festa. Gosto disso. É parecido com a minha cidade natal. O que me atrai mesmo aos Açores é a paz. As pessoas vivem num paraíso. Este é mesmo um lugar de encantamento, paz e segurança. Os Açores despertam paixões e como sou uma pessoa que gosta de viver apaixonada, vim para o lugar que me desperta paixões. As minhas paixões são os Açores, a minha esposa e as minhas filhas.
DL: Formou-se em História, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Está agora a terminar o seu doutoramento, também na mesma área. Porque decidiu seguir História?
Sempre fui uma pessoa bastante ligada à cultura. Sempre gostei de história, por conta da mitologia, e depois pelo lado social. Sempre gostei de memórias, de família, o que é que une as pessoas,a micro história. Fiz o curso que alimentava esse interesse e acabei voltando a minha formação para a minha ligação aos Açores. Sempre estudei emigração. É o foco da minha pesquisa. Estou a acabar o doutoramento, sou investigador convidado da Universidade dos Açores. Escrevo artigos, dou palestras, sempre com o tema da emigração, porque é o que gosto: porque é que as pessoas saem da sua terra natal; como é que são acolhidas. Geralmente o meu foco é a emigração açoriana, principalmente para o Rio de Janeiro, que é pouco estudado. Confunde-se com a minha história. Uso uma ideia de um projeto memorialista. A minha ideia sempre foi registar as memórias para as futuras gerações, porque estão a perder-se. É natural, as comunidades vão envelhecendo, a emigração para o Brasil cessou. Não queria só uma memória, queria um estudo historiográfico, algo com base científica, para que isso ficasse registado para sempre, saber que os açorianos são muito importantes no Rio de Janeiro e é uma comunidade diferenciada dos portugueses continentais. Os açorianos têm muitas particularidades, que nunca tinham sido estudadas, a não ser pela historiadora da Casa dos Açores, Judite Evangelho, que começou esse trabalho, mas não aprofundou. Essa é a minha missão académica.
DL: Faz parte da direção da Casa dos Açores no Rio de Janeiro. Quais as suas tarefas?
Sou diretor cultural da Casa dos Açores do Rio de Janeiro há 15 anos. Criamos eventos, atraímos pessoas e fazendo o máximo para divulgar a cultura açoriana no Rio e para os açorianos se sentirem em casa, porque esse é o foco da Casa dos Açores. Fiz protocolos com várias universidades, trazendo um lado mais académico e tornando a Casa mais conhecida. Hoje ela já é um polo de açorianidade, misturada com a cultura carioca.
A primeira de todas as Casas dos Açores foi a nossa. Tem 71 anos. Depois tivemos a de São Paulo, a de Santa Catarina, a de Rio Grande do Sul e a do Maranhão, a do Espírito Santo, a da Baía. Estamos espalhados naquele continente todo.
Só há Brasil por causa dos Açores. A primeira emigração para o Brasil foi de casais açorianos para defender o Maranhão dos franceses. O território brasileiro é o que é por causa dos açorianos que deram a sua vida lá.
DL: Já no Brasil desenvolvia projetos educacionais, com a sua esposa. Acreditam na transformação pessoal através da educação?
Quando saí da Força Aérea Brasileira, onde trabalhava como historiador — fui chefe de setor, a nível Brasil, coordenando projetos culturais — começamos a focar mais na empresa que tínhamos criado. Criamos projetos que transformam a vida das pessoas por meio da educação. Por acaso, vim para cá para ser professor (talvez) mas encontrei na rede Valorizar o lugar que conectou a minha formação e a da minha esposa- que é pedagoga- com o nosso desejo de ajudar as pessoas. A Valorizar serve para as pessoas completarem os seus estudos, mas também para dar cursos de empregabilidade e tentar a inserção social. Vim para cá e consegui ajudar as pessoas, e por meio do nosso trabalho e da educação, fazer a diferença, com carinho e tratando as pessoas como seres humanos. Tem sido diferencial, temos feito não só alunos, mas também amigos. Estou muito feliz. Faço tudo com a minha esposa. Criamos projetos, dinâmicas. Temos vários tipos de clientes e ainda trabalhamos para o Brasil. O Centro de Qualificação e Emprego pediu para criarmos o projeto “Autonomia”, que vai começar agora, para tentar ajudar as pessoas a acreditarem mais no trabalho e em si. Já temos outras encomendas para dinamizar, de forma divertida. Achamos que aprender deve ser divertido.
DL: Faz também parte do Conselho da Diáspora Açoriana.
Fui eleito, com muito orgulho, em 2021. É um trabalho que já faço há muitos anos, de conectar as pessoas, criar projetos, incentivar a cultura açoriana. Ajudei a comunidade de Bom Jesus, Itabapoana, uma cidade do interior, que se descobriu açoriana, a trazer as suas raízes à tona. Criaram a Casa dos Açores do Espírito Santo, em conexão com Viana. Gosto de brigar pela nossa comunidade, trazer coisas para o Rio de Janeiro, mostrar que existimos, que somos grandes, que temos importância, que mantemos as nossas tradições há mais de 70 anos, numa Casa. É uma comunidade grande. Hoje, se contarmos os netos e bisnetos, já chega quase a um milhão de descendentes de açorianos, no Rio de Janeiro. Os Açores não fazem ideia das raízes que deixaram por aí, principalmente com a festa do Divino Espírito Santo que acontece em todo o Brasil. Esse é um dos meus projetos no Conselho na Diáspora: tentar criar uma comunidade — a Confraria do Divino Espírito Santo — para mostrar a importância destas festas.
O Conselho está a crescer como se fosse um ser humano. Esse foi um encontro maravilhoso, com muitas propostas. O Governo está muito aberto. Criaram uma secretaria para as Comunidades e projetos que vão valorizar a comunidade e interligar os Açores ao mundo. Estamos em todas as partes. O Conselho está a ajudar a mostrar o que de facto as comunidades querem e passam, como é que o governo pode ajudar, e como nós, comunidade, podemos ajudar os Açores. Depois tivemos o V Encontro Açores Brasil, que foi muito produtivo.
DL: Os brasileiros sentem-se bem acolhidos nos Açores?
Em geral sim. O mundo está a passar por um momento delicado, onde o extremismo é uma realidade. Infelizmente há um pouco de xenofobia. Conheço pessoas que passam por algum preconceito. Qualquer sociedade tem isso, mas acho que entre as sociedades que já conheci, os Açores são um povo muito acolhedor e pacífico, de braços abertos para aqueles que querem contribuir para a sociedade. Os imigrantes que conheço são bem recebidos.
DL: Sempre se sentiu açoriano?
Não. Só me senti açoriano depois dessa viagem em que vim cá aprender a tocar viola da terra, aos 18 anos. Amei esse lugar.
DL: Para além dos projetos educacionais, já publicou o livro infantil “Nem de Cá, Nem de Lá”. Pretende continuar nos Açores e desenvolver novos projetos?
Com certeza. Queremos que as pessoas se sintam acolhidas, mas despertar a humanidade e os sentimentos através da educação. O projeto do livro é um desses. Contamos de forma dramatizada e lúdica para as crianças perceberem a importância da emigração e o sentimento por trás dela. Se conseguirmos fazer isso aqui — e já estamos a conseguir — não vejo por que voltar. Quero trazer a minha família para cá. Embora vou sempre amar o Rio de Janeiro, prefiro os Açores para criar as minhas filhas.
Os açorianos são parte da solução para esse problema que existe agora no mundo, da falta de humanidade. O açoriano sempre foi um povo migrante. É um povo do mundo. Somos mais parecidos do que diferentes. Embora nascemos num lugar, podemos pertencer ao mundo todo. Toda a gente tem coisas positivas a acrescentar e pode se identificar com a história de vida um do outro. Essa é a missão da minha vida e da minha esposa, tentar, através da educação, transformar as pessoas e mostrar que elas podem ser mais felizes por serem mais humanas. Na nossa diferença, em todos os aspetos, é que vamos ver, com empatia, que todos somos importantes, e não precisamos disputar nada. Há espaço para todos sermos como somos.
Os emigrantes materializam que podemos pertencer a todos os espaços, podemos ter amor e ligação a vários espaços ao mesmo tempo. Sentimos saudades de outros lugares e conseguimos nos conectar mais facilmente com a dor do outro. Temos de lembrar que somos todos seres humanos.Toda a gente é diferente. Essa é que é a graça. Devemos respeitar-nos nas diferenças. É tentar combater a ignorância por meio da educação. Se conseguir isso, através desses projetos, mesmo que de grão em grão, já me vai realizar enquanto ser humano. Acho que essa é a missão que tenho aqui.