Clife Botelho
Diretor do Diário da Lagoa
O Diário da Lagoa (DL) ao longo de dez anos de existência tem trilhado um percurso que resulta da dedicação e do esforço de quem contribuiu para construir este projeto.
Trata-se de um jornal que foi fundado por um picoense e que, apesar do título, não se resume à sua geografia: “as notícias que contam. A partir da Lagoa, nos Açores, para o mundo”. São notícias da Lagoa e não só, pois há toda uma realidade circundante que é preciso igualmente fazer chegar à Lagoa e vice-versa. Somos, também, Açores. E se já tivemos lagoenses no comando, há três anos e meio que estou eu, que embora residente e com família neste concelho, nasci numa freguesia na costa norte muitas vezes esquecida, talvez por coexistir com outras 23 freguesias, num concelho que, ao contrário da Lagoa, é excessivamente grande. Olho, por isso, a Lagoa com outros olhos, sendo esta a casa que escolhi para viver.
Já aqui, na mais jovem cidade açoriana e no único jornal do concelho, jornalistas, colaboradores, leitores, anunciantes, parceiros, todos juntos formam uma verdadeira comunidade que muito tem contribuído ao longo de uma década na defesa de valores mais elevados. Ler o DL é procurar conteúdo que se quer diferente, é acreditar que o jornalismo de proximidade está vivo e recomenda-se.
Com uma edição diária online, em diariodalagoa.pt, e um mensário em papel — publicado também no formato digital para chegar mais longe —, muito se registou da Lagoa, da ilha de São Miguel e, também, da nossa região, como se de um diário se tratasse. E muito mais há a escrever.
O jornal atravessou fases diferentes, tempos difíceis também, mas mantém o foco e o seu propósito inicial. Sem querer agradar a todos, pois sabemos que o jornalismo cumpre a sua função quando incomoda, numa região em que o jornalismo quando investiga encontra dificuldades e condicionalismos. Mas continuamos na luta pela liberdade e na defesa da democracia, porque o jornalismo é também ser a voz daqueles que de outro modo não seriam ouvidos, questionar e marcar a diferença, para garantir a democracia e a liberdade.
E se nas redes sociais já ultrapassamos os 20 mil seguidores, que a muito custo fomos convencendo que valia a pena nos acompanhar, no papel, este ano distribuímos mais 12 mil exemplares marcando presença em todos os concelhos da ilha. E somos nós, uma equipa de resilientes, que percorremos cada quilómetro, cada rua, cada concelho. Nesta última edição deste ano, agradecemos aos nossos leitores por nos fazerem acreditar que vale a pena. Sem esquecer que um dia perguntaram-me: “para que serve o Diário da Lagoa?”. Fiquei em silêncio, pois a resposta é dada todos os dias com a dedicação e a motivação que nos leva a dizer: somos gratos a todos que acreditam no nosso valor.
O jornal «A Crença», com sede na tipografia com o mesmo nome, em Vila Franca do Campo, foi fundado em 19 de dezembro de 1915 pelos padres Manuel Ernesto Ferreira e João Melo de Bulhões. Trata-se do único jornal sobrevivente em mais de 100 anos de história no concelho vizinho da Lagoa, sendo um dos dois jornais católicos da diocese de Angra, a par do jornal «O Dever» da ilha do Pico.
Depois de suspender a publicação a 4 de agosto de 2023, com o objetivo de implementar uma reestruturação e planear um novo caminho rumo à sustentabilidade, o periódico centenário, propriedade da Fábrica da Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo, voltou a ser publicado a 19 de novembro desse mesmo ano, após firmar uma parceria com a editora Narrativa Frequente, proprietária do jornal Diário da Lagoa.
Na nova fase, o padre José Borges, em funções em Vila Franca do Campo há 24 anos, sucede ao padre José Paulo Machado, na direção do jornal. Desde então que A Crença é publicada mensalmente, trazendo aos seus assinantes e leitores conteúdo próprio com nova linha editorial que não esquece os assuntos do quotidiano, a par das notícias e reportagens com enfoque religioso, que marcam a atualidade.
Estivemos à conversa com o seu diretor, José Borges, alguns assinantes e com um dos colaboradores mais antigos para saber o que pensam sobre as mudanças que aconteceram ao longo do último ano.
José Franco, 61 anos, natural de Ponta Garça, começa por dizer que “quando se muda para melhor é sempre bom” e revela que é assinante desde os 16 anos de idade porque gosta do jornal. Relativamente à alteração da periodicidade, de semanário para mensário, diz que acha positivo e que concorda “que se tenha de modernizar”.
“Quando o jornal chega começo logo a folheá-lo, mesmo à porta de casa. Depois, o conteúdo que me interessa mais eu fico a ler”, conta, enquanto diz que o jornal “está num bom caminho”, conta.
Já Carlos Braga, 59 anos, da freguesia de São Pedro, diz que “tem tido artigos mais apelativos” e “uma dinâmica diferente” que aprecia.
“Neste último ano, com a direção do Padre José Borges, penso que o jornal está bom, pois gosto de ler um pouco de tudo, como as entrevistas que são feitas a alguns vilafranquenses e não só”, sublinha.
Zurita Medeiros, 46 anos, da freguesia de São Miguel, deixa a nota de que “é importante inovar, levar ao público mais informação atualizada”.
Um dos colaboradores mais antigos, que acompanhou várias direções do jornal vilafranquense foi José Teixeira Dias, de 87 anos, residente em São Pedro.
“O jornal está a ter um dinamismo muito curioso, mas gostava que A Crença fosse pelo menos quinzenal”, enquanto assegura que “o grupo está a trabalhar bastante bem e com um dinamismo muito interessante, por isso veremos se realmente se consegue o êxito que merece”, aponta. No entanto, lamenta: “atualmente, de Vila Franca temos poucos colaboradores. Já os que residem em Vila Franca são vários, mas que sejam mesmo da Vila, não temos, e eu sou um deles. Há muita mais gente que poderia colaborar”, defende.
O diretor, o Padre José Borges começa por dizer que “nós estamos a cuidar de um filho que tem um ano e que renasceu, não das cinzas, mas da boa vontade de alguns voluntários e da capacidade de pessoas como a Dra. Carmo Rodeia, da parte da diocese de angra, ou o Clife Botelho, do Diário da Lagoa, e todos os seus colaboradores, que foi possível fazer renascer este jornal. Tem esta dualidade de, por um lado, ser uma anciã, velhinha com mais de 100 anos, que requer todo o cuidado e todo o carinho e toda a atenção. Então, nós podemos dizer que estamos de parabéns, porque A Crença faz 109 anos no próximo mês de dezembro. E este empenho, este trabalho, esta qualidade deve-se ao esforço de muitos colaboradores vilafranquenses e não só, que dão um pouco do seu melhor para fazer acontecer o jornal”.
Para o diretor do Diário da Lagoa, Clife Botelho, “é preciso não esquecer que nos últimos cinco anos a editora contribuiu “para que se evitasse o desaparecimento não de um, mas de dois jornais”, salienta, acrescentando: “espero que continuem a perdurar, porque o contributo que ambos os jornais dão à sociedade vai além da sua existência. E se a Lagoa é o local que escolhi para viver, a minha casa, já a Vila Franca é aquela família que visito com frequência e que também está sempre presente”, conclui o diretor do jornal lagoense.
Rui Tavares de Faria
Professor e Investigador
Depois de, por razões várias, termos dado férias aos Caracteres, de Teofrasto, eis que, em consonância cronológica com o regresso às aulas, voltamos a dedicar este espaço à recriação modernizada – e bem-disposta – dos tipos humanos que compõem o tratado ético do discípulo de Aristóteles. E, após dois meses de silêncio, nada como abordar o “Parlapatão”, o sétimo retrato da obra de Teofrasto. É designação do conhecimento geral o termo “Parlapatão” que nomeia esta figura humana e que a tradutora escolheu como sendo ilustrativo, em língua portuguesa, do nome grego “Λαλιά” (laliá), onomatopeia sugestiva “do efeito de um desarrazoado verbal que soa a um ininterrupto e ininteligível la-la-la”, segundo as palavras de Maria de Fátima Silva.
De facto, também em português a palavra “Parlapatão” tem na sua base morfológica a terceira pessoa do singular, no presente do indicativo, do verbo “palrar”, que se aplica ao ato de articular sons imperfeitos ou difíceis de perceber, o mesmo é dizer incompreensíveis à audição, e o nome “patão”, que tanto pode designar um tipo de calçado rústico aberto no calcanhar, como pode ser o aumentativo da espécie aquática pertencente à família anatidae a que chamamos “pato”. A considerar esta última aceção, o “Parlapatão” é aquele indivíduo que, à semelhança de um grande pato, grasna “a torto e a direito”, tornando-se, por isso, incomodativo e distinto do tagarela, outro dos caracteres de Teofrasto sobre o qual já aqui escrevemos.
Ora, o autor grego diz que “a parlapatice, se se lhe quiser encontrar uma definição, é uma espécie de incontinência do discurso” (Char. 7.1.), ou seja, é a verbalização descontrolada por parte de alguém que, conforme o caracteriza Teofrasto, interrompe tudo e todos para fazer valer a sua voz, tenha ela ou não enquadramento no conversa em que se intromete sem escrúpulos: “seja o que for que lhe diga alguém que o encontra por acaso, ele salta logo a reclamar que não é nada disso, que ele é quem está bem por dentro do assunto, e que, se se lhe quiser prestar atenção, se ficará ao corrente do que aconteceu.” (Char. 7.2.). Seguramente o meu caro leitor já recuperou da sua memória os parlapatões com quem se cruzou ao longo dos tempos. Oh! Quantos há! São uma espécie de mexeriqueiros especializados, detentores do conhecimento (quase) total acerca de qualquer assunto ou pessoa. Por vezes, são-nos úteis, diga-se a verdade, mas, na maior parte das situações, tornam-se incomodativos, impertinentes e cansativos. Teofrasto refere que o “Parlapatão” recorre amiúde ao argumento “É-me difícil estar calado!” (Char. 7.9.); e a nós? Não é igualmente ou tão mais difícil estar de ouvidos abertos à verborreia que sai da boca de um incontinente discursivo?
Por outro lado, nos dias que correm, usa também a máscara de “Parlapatão” o indivíduo mais solitário. Como passa grande parte do seu tempo sozinho e isolado (opção ou imposição?), sem falar com ninguém, mal se abeira de quem quer que seja solta a língua e não se cala; “se alguém lhe diz que são horas de ir andando, ele vai atrás e acompanha o sujeito até à porta de casa.” (Char. 7.6.) E o pior é quando se convida a entrar, não só para continuar a palrar e a palrar, mas também para se sentar à mesa daquele que o foi ouvindo (ou não) o caminho todo até ao seu domicílio. Notamos que há cada vez mais parlapatões desta espécie. E quando não nos abordam frente a frente, tentam impô-lo por telefone. O objetivo, que é fazer-se ouvir a todo o custo, cumpre-se também nesta modalidade intercomunicativa. O efeito é o mesmo: a conversa resulta em cansaço e a sugestão, da nossa parte, o importunado, de uma despedida leva o “Parlapatão” a insistir num dado assunto ou a avançar para um novo tema para nos manter em linha.
Se nos propuséssemos fazer uma analogia entre o “Parlapatão” e outros tipos éticos, encontraríamos uma multiplicidade de opções, porque ele é a personificação do aborrecimento, da imodéstia, da falta de noção, enfim. Das sugestões que nos poderiam ocorrer, em matéria de prevenção do contacto com este carácter, o uso frequente de auriculares parece-nos a mais acertada – e engraçada. O meu caro leitor já se apercebeu de que, nas mais variadas ocasiões (estar no local de trabalho procurando concentração, andar de avião de forma relaxada, estar a caminhar ou até aguardar por uma consulta na sala de espera), o uso de phones, mesmo que não se esteja a ouvir música, revela ser o melhor repelente dos parlapatões? É verdade. Esteja ele, o “Parlapatão”, em qualquer uma situações antes apresentadas entre parênteses, sentado ao nosso lado, se nos vir de ouvidos tapados, tem ao menos o discernimento de não nos dirigir a palavra. É certo que pode tocar-nos no ombro ou no braço ou procurar um encontro de olhar para abrir, sem hesitar, a boca, mas temos sempre a opção de fingir que não é connosco.
Além desta hipótese e tendo em conta o grau de familiaridade que tenhamos com o “Parlapatão” que se aproxima de nós e nos interrompe como se fosse mal-educado (que também pode ser, mas estamos em crer que a parlapatice será, igualmente, uma certa patologia psíquica por identificar), podemos sempre proceder do mesmo modo como ele se nos dirige, isto é, não o deixamos falar, cortamos-lhe a palavra, elevamos a voz, usamos da mesma incontinência discursiva de que ele padece para lhe fecharmos a boca. Este cenário, que pode converter-se num episódio hilariante, pretende demonstrar que a solução de um dado problema, como é o de lidar com um “Parlapatão”, passa muitas vezes por um mecanismo de reflexo, o passar o feitiço para o feiticeiro. Aí reside, pensamos nós, um antídoto eficaz para afastar do nosso sossego não só os parlapatões, mas também todas as espécies humanas que se nos afiguram nocivas, voluntária ou involuntariamente.
Para celebrar dez anos de edição impressa, o jornal Diário da Lagoa vai transmitir em direto na sua página de Facebook, no próximo dia 17 de outubro, pelas 11h00 locais, um Encontro, em jeito de tertúlia, intitulado “Dos Açores para o mundo”.
A iniciativa, além de celebrar uma década da publicação do jornal em papel, pretende homenagear a diáspora açoriana como público sempre presente e que acompanha o jornal através das plataformas online.
O Encontro conta com a participação de José Andrade, diretor regional das Comunidades do Governo dos Açores; Ígor Lopes, jornalista e escritor luso-brasileiro; Roberto Medeiros, antigo vereador da Cultura que mantém uma forte ligação junto da comunidade açoriana nos Estados Unidos da América; e será moderada por Clife Botelho, diretor do Diário da Lagoa.
A sessão terá lugar na sede da banda Filarmónica Estrela D’Alva, na freguesia de Santa Cruz, na cidade da Lagoa, entidade que apoia e se associa à iniciativa.
Durante a sessão haverá igualmente um momento musical pelo maestro e músico Luís Paulo Moniz.
“Dos Açores para o mundo”, trata-se do terceiro evento organizado pelo jornal com sede na mais jovem cidade açoriana, o primeiro vocacionado para o público online e, por isso, com direito a transmissão em direto.
É possível assistir e participar da sessão mediante inscrição para o e-mail jornal@diariodalagoa.pt, que deverá ser feita até às 18h00, do próximo dia 15 de outubro.
O jornal Diário da Lagoa foi oficialmente fundado a 21 de fevereiro de 2014, inicialmente publicado unicamente online, mas em outubro desse mesmo ano, há dez anos, viu também a edição em papel ganhar vida.
A edição impressa e digital deste mês já está disponível, aqui.
Boa leitura!