Partimos da Lagoa rumo aos Remédios, no concelho de Ponta Delgada, no final de uma manhã de sol para ir escutar os locais e verificar o problema que se prolonga há vários meses e que leva a população local a sentir-se esquecida.
Em dezembro de 2023, duas semanas antes do Natal, a rua da Covilhã, os Remédios da Bretanha, na costa norte da ilha de São Miguel, viram parte da rua desaparecer. As fortes chuvas terão dado o empurrão final, não tivessem já os moradores alertado para o que podia acontecer.
Depois de cerca de 40 minutos e quase 36 quilómetros de viagem, estacionamos junto à igreja onde já era visível algumas obras na rua. Descendo a pé fomos ao encontro da derrocada, parando aqui e acolá para falar com moradores que foram desabafando mas pedindo anonimato, até que encontramos Gilberto Homem, 63 anos, que vive naquela rua há 30 anos e que aceitou dar o seu testemunho.
Perguntamos se a causa teria sido as chuvas, prontamente atira que: “aquilo já tinha começado antes”.
“Há uns cinco anos uma máquina escavou aquela barreira para limpar o terreno. Foi aí que o caminho começou a abrir devagar. Depois caiu a primeira parte, foi caindo aos bocados e enquanto a água descia pelas terras ia descosendo, foi aos poucos”, assegura ao DL.
Gilberto acrescenta, ainda, que os veículos que ali chegam “têm de dar a volta”. E nós aqui, para ir à farmácia, temos de ir pela igreja, a farmácia fica do lado de lá”.
Da outra margem, na casa que se encontra à beira da derrocada, avistamos Paulo Benjamim, 55 anos. Foi ele quem escavou as escadas que vemos numa ladeira junto à derrocada.
Paulo vem ao nosso encontro pelas escadas que permite a alguns moradores chegar a onde a estrada agora não alcança. “Fiz as escadas e meia dúzia de pessoas usam”, conta ao DL.
“Venha comigo, vou mostrar”, diz o morador que insiste em guiar-nos pelas escadas até sua casa depois de termos estado à conversa com uma dezena de locais que preferiram o anonimato, porém todos lamentando que se sentem esquecidos.
Paulo conta-nos que anda atarefado desde que aconteceu a derrocada a tentar minimizar estragos na sua moradia.
A Câmara Municipal de Ponta Delgada iniciou obras de desvio do curso da água. As obras que Paulo lamenta que tenham demorado mas que lhe dão o sentimento de alguma segurança. Questionado se a sua casa está em risco, para, hesita, mas assegura “agora não, porque já desviaram o curso das águas”.
Porém começa por mostrar que o terreno acima da sua casa está a ceder e a cair-lhe no quintal.
“Atrás da minha casa a terra está a cair, estou há três dias a tirar a terra e ainda não acabei”, enquanto mostra o local. Entre a simpatia convida-nos a ficar mais um pouco para tomar algo, mas temos de partir. Connosco na rua a observar, entre um aceno de adeus desabafa “a procissão este ano não passa aqui quando sempre passou aqui”. Voltamos pelas escadas cravadas na terra para o outro lado da freguesia.
Na assembleia extraordinária do passado dia 21 de junho, Pedro Nascimento Cabral disse que a rua da Covilhã “é o caso com mais urgência [do concelho]” para de seguida justificar que está estimado gastar na obra “cerca de 700 mil euros para pôr as coisas como estavam, mais seguras naturalmente”.
Fazendo nota de todas as obras que são necessárias em todo o concelho, o autarca realça que “estas coisas levam o seu tempo” e que na autarquia não gostam “de maneira nenhuma da forma como aquilo está, do tempo que está a levar para poder fazer face e responder à necessidade premente da população dos Remédios da Bretanha que necessita de ter mobilidade”.
Já a presidente da Junta da Freguesia dos Remédios, Joana Ernesto, na assembleia usou da palavra e disse:
“Tenho um problema muito grave nas ruas da freguesia, nomeadamente na Covilhã. É uma zona que neste momento está praticamente fechada. Por um lado não tenho via, pelo outro está a decorrer obras que espero que terminem no fim da próxima semana como foi dito ainda este mês”, começa por reforçar.
“todas as freguesias que estão longe
Joana Ernesto
de Ponta Delgada estão esquecidas,
mas isto não é de agora”
Joana Ernesto diz que reconhece que “não é de um dia para o outro” que a obra ficará concluída mas alerta que as moradias “estão a ficar em risco” e questiona “qual é a medida que a câmara municipal vai tomar para prevenir que as famílias não fiquem sem as suas moradias?”.
Em declarações ao DL antes do fecho desta edição, Joana Ernesto refere que a Câmara Municipal de Ponta Delgada foi alertada por um morador de que aquela zona estava a ficar em perigo, “pois o morador conseguiu verificar que por baixo da rua já tinha uma derrocada”.
“No dia 15 de dezembro fui contactada pelas 18 horas pela engenheira Isabel Juromito a informar-me que tinham estado na zona e que realmente a rua estava em perigo e, por isso, iam colocar umas grades de proibição de passagem na zona perto do passeio” revela.
“Não levou muitos dias para haver a primeira derrocada que levou o muro, o passeio e um pouco da rua”, lamenta.
“Eu tenho noção que estas coisas demoram” mas reitera que se trata de “um caso urgente que está a afetar e a limitar a vida das pessoas”, enquanto diz acreditar que “com insistência e vontade” se pode abreviar a obra.
“Na minha opinião de cidadã, todas as freguesias que estão longe de Ponta Delgada estão esquecidas, mas isto não é de agora”, lamenta.
O DL contactou a câmara municipal de Ponta Delgada mas a autarquia não respondeu às questões colocadas pelo nosso jornal sobre o caso.
O Diário da Lagoa (DL) observou recentemente a existência de derrocadas no concelho da Lagoa, nomeadamente na encosta do adro da Igreja Matriz de Santa Cruz, que compreende também um miradouro.
A situação foi sinalizada pela primeira vez em 2018. Foi a Junta de Freguesia a reportar a situação às entidades competentes, segundo Carlos Oliveira, presidente da mesa da assembleia da Junta de Freguesia Santa Cruz. Devido à erosão e tempestades, a falésia tem vindo a deteriorar-se a grande velocidade e aparenta ser um perigo para quem frequenta o local. O DL verificou que a zona não está devidamente sinalizada de forma a alertar para o perigo de derrocadas.
Carlos Oliveira lembra que quando o alerta foi dado, “as entidades responderam que realizaram uma vistoria ao local e colocaram uma série de condições para executar. Algumas delas foram executadas pela Câmara Municipal da Lagoa (CML), outras não chegaram a ser, porque, segundo entendimento da CML, as mesmas provocariam ainda mais carga sobre a falésia. A CML fez, e bem, aquilo que minimamente era possível fazer, não agravando as condições de segurança da falésia,” considera.
Questionada pelo DL sobre esta situação, a Câmara Municipal da Lagoa (CML) explica que os “processos de erosão junto à arriba contígua à Igreja Matriz de Santa Cruz evidenciam-se com uma sucessão de pequenas derrocadas dispersas ao longo do tempo”. A autarquia esclarece que, em 2018, solicitou ao Laboratório Regional de Engenharia Civil (LREC) um parecer sobre as condições de estabilidade da arriba contígua à igreja de Santa Cruz. A citação do relatório dizia que “presentemente este edifício de culto não apresenta um risco a curto/médio prazo”. No entanto, não satisfeita com o parecer, a câmara diz ter solicitado à Direção Regional do Ordenamento do Território e Recursos Hídricos “uma avaliação mais aprofundada e intervenção de contenção da erosão visível do talude em causa, nomeadamente pelo prolongamento do enrocamento em pedra já existente a poente para o talude sobranceiro ao adro da igreja, podendo a referida intervenção ser realizada quer diretamente por aquela direção regional ou através de mecanismo de cooperação técnica e financeira entre a administração regional e a Câmara Municipal de Lagoa”.
No entanto, para o presidente da mesa da assembleia da Junta de Freguesia de Santa Cruz, “a preocupação já vem de 2018 e ainda não deixou de existir”, uma vez que considera que “o que deve ser feito ainda não o foi”. Carlos Oliveira defende que as medidas implementadas pelo LREC não são suficientes para consolidar uma zona, que considera estar ainda em perigo. “O que terá de ser feito ali é uma consolidação efetiva do talude e da arriba de forma a que no futuro, quer a erosão, quer tempestades, não venham precipitar uma derrocada” que poderá pôr em perigo o adro da Matriz e quem frequenta o local, defende o responsável.
Ainda segundo Carlos Oliveira, que visitou o local em novembro passado, tinha-se dado mais uma derrocada, pelo que a Junta informou a autarquia, esta que por sua vez terá encaminhado um ofício de alerta à Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas. De acordo com Carlos Oliveira, ainda se aguarda resposta a este ofício, datado de 30 de novembro de 2023.
O DL inquiriu ainda o LREC se no seu parecer a situação representa, neste momento, qualquer tipo de perigo e se há necessidade de realizar intervenções naquela zona, mas, até ao fecho da edição, não obteve resposta.
O DL observou também uma derrocada na encosta do Miradouro do Pisão, na Caloura, Vila de Água de Pau, que está neste momento a sofrer obras de requalificação realizadas pelo departamento de obras públicas do Governo regional.
Segundo a CML, “também já antes da derrocada ocorrida em janeiro deste ano naquela arriba, tinha esta autarquia solicitado parecer ao LREC sobre a estabilidade do talude do miradouro do pisão, tendo remetido o referido parecer para a Secretaria Regional das Obras Públicas e Comunicações em 31 de março de 2022, no sentido daquela entidade, enquanto legítima proprietária, proceder às intervenções de mitigação e minimização constantes no referido relatório”.
Questionada pelo Diário da Lagoa, a Secretaria Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas disse que “há cerca de um mês, registou-se a ocorrência de movimentação de vertente na encosta subjacente ao miradouro do Pisão. É uma situação que deriva de causas naturais. Por prudência, foi interrompido o escoamento das águas pluviais que estavam canalizadas para esta encosta”.