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O tempo costurado de vivências

Cláudia Ferreira
Escritora e biblioterapeuta

Gosto de pensar que as palavras conseguem mudar o mundo, ou melhor, o mundo de quem se permite transformar e de quem ousa submergir nas páginas dos livros. Já vejo 2024 de malas prontas para o passado. É certo que até ao dia 31 de dezembro, muitas vivências ainda surgirão, porque ainda existem linhas por preencher, mas a verdade, é que cada ano que passa é um capítulo que se fecha nas nossas vidas.

2024, foi o ano em que saí dos bastidores, onde muito se trabalha, e voltei a dar voz pela literatura e pela escrita, tendo recebido alguns convites que me fizeram ter ainda mais certeza que este é o meu caminho. Quem escreve, necessita de se refugiar numa espécie de floresta perdida, onde só existe o autor e o seu mundo imaginário. Porém, é nesta alienação que temos a possibilidade de recriar o que magicamos, pois a arte para ser verdadeira, tem que ser sentida por quem a produz, para poder fazer sonhar quem a contempla.

Também foi o ano em que passei a colaborar com o Diário da Lagoa, que desde logo me desafiou a partilhar a minha individualidade literária, onde posso promover a leitura, a biblioterapia e outros temas do meu interesse. Ler, é antes de tudo, desbravar novos caminhos e expandir horizontes. O hábito de ler formado desde cedo poderá ser um caminho às elucidações, permitindo um maior discernimento crítico, criando leitores de opiniões próprias que não aceita o mundo que lhe é impingindo pela sociedade. Ler, para mim, será sempre o nosso maior ato de liberdade, sendo uma ferramenta primordial para o ser humano poder posicionar-se no mundo.

A leitura tem inúmeros benefícios para o nosso desenvolvimento, sendo um deles a função terapêutica, que admite a possibilidade de a literatura proporcionar a pacificação das emoções. E é aqui que entra a biblioterapia, podendo-se dizer que é uma terapia por meio da leitura de textos literários, que resulta numa introspeção para o crescimento emocional e um melhor entendimento das emoções.

A biblioterapia é um projeto em maturação que iniciei este ano, onde tive a possibilidade de dinamizar alguns encontros sobre esta temática, cujo feedback dos participantes fizeram-me sorrir o coração. É algo ainda novo por cá e com forte potencial para criar raízes em quem participa. Quanto a isso, é um projeto que pretendo dar continuidade. O diálogo é o fundamento da biblioterapia, onde o pluralismo interpretativo dos comentários aos textos apresentados, permite que cada um manifeste a sua verdade e com ela ter a sua visão do mundo.

Também tive a possibilidade de regressar às minhas raízes, a convite da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, onde apresentei uma biografia histórica, Amélia de Leuchtenberg – Imperatriz do Brasil e Duquesa de Bragança, da autoria da investigadora Cláudia Thomé Witte. Igualmente gratificante foram os convites que surgiram por parte da livraria Letras Lavadas, um sítio onde se inspira a paixão pelo conteúdo literário.

Aproveito para agradecer a todas as pessoas pela confiança depositada em mim e no meu trabalho, mas também agradeço à vida, por todas as vivências que culminaram em aprendizagens. Termino estas linhas, deixando no ar uma réstia de esperança para 2025. “Não tenho a certeza de nada, mas a visão das estrelas me faz sonhar” (Vincent Van Gogh).

Autora Cláudia Ferreira a caminho do terceiro livro

Aos 20 anos publicou o seu primeiro livro, encontrando no mundo da fantasia o seu lugar. A autora terceirense, Cláudia Ferreira, revela ao Diário da Lagoa que encontrou na escrita e na biblioterapia um caminho de expressão e de ajuda ao próximo

Cláudia Ferreira é natural da freguesia da Ribeirinha, na ilha Terceira, mas escolheu a cidade da Lagoa para viver © DL

Batalhadora, criativa e sonhadora, é assim que se define Cláudia Ferreira, 33 anos, natural da Ribeirinha, Angra do Heroísmo. Reside em São Miguel há quatro anos e atualmente mora na Lagoa. Escolheu a Lagoa porque lhe faz lembrar a freguesia dos Biscoitos na Terceira e, por isso, “é reconfortante”, afirma. Acrescenta dizendo que tem “outra qualidade de vida” com “menos stress”. 

Cláudia é autora de dois livros, estando o terceiro já escrito à espera de ser publicado. Associa o gosto pela leitura à sua infância. “Sempre percebi que eu, os livros e a escrita tínhamos uma ligação profunda”, começa por contar. “Gostava de me expressar através da escrita e de oferecer textos quando me deparava com alguém que estava mais triste”, continua. 

Ainda era criança quando a sua professora, na escola primária da Ribeirinha, percebeu que Cláudia tinha facilidade com as palavras. “Na altura, os meus pais não perceberam, eu própria não sabia que aquilo era uma paixão e ficou adormecido”. Com 17 anos pertencia ao grupo de jovens da sua freguesia denominado por “Mensageiros da Palavra”. Este grupo convidava, mensalmente, um jovem para escrever um texto que viria a ser publicado posteriormente no jornal da freguesia. Cláudia foi convidada a escrever. “Quando eu vim para casa, sentei-me na secretária, comecei a escrever e aquilo começou a fluir”, diz. Aquele momento “foi como abrir a caixa de pandora, mas num lado positivo”, garante. A escritora conta ao nosso jornal que já se tinha esquecido desta sua facilidade com a escrita. “Era algo mágico que estava ali escondido e que voltou a desabrochar”, nota. 

A partir daí surge um novo ciclo na sua vida. “A princesa de Limaland e a Pedra Mágica”, é o primeiro livro lançado pela autora em 2011. Um ano depois publica a continuação da história com o livro “A princesa de Limaland e o Mistério da Professia”. Estas histórias fazem parte de uma trilogia. “A princesa de Limaland e a Decisão Crucial” é o título do terceiro livro que já está escrito, mas como “há sempre detalhes a melhorar, não há data prevista de lançamento”, confessa-nos.   

A autora revela que não sabe de onde lhe vem a inspiração. “Eu acho que a inspiração é que me escolhe”, conta. Lê, vê muitas séries e filmes, mas quando escreve “é muito natural” e as ideias começam a fluir.

Biblioterapia, terapia através da palavra

Cláudia considera-se uma apaixonada pela literatura, escrita e leitura que encara como uma terapia © DL

Para além do seu trabalho profissional e da escrita de livros é, também, biblioterapeuta. A biblioterapia é uma terapia de diálogo mediada por um livro. Os livros são cuidadosamente escolhidos e podem ser em poesia ou prosa. A biblioterapia remonta ao antigo Egito e era algo já valorizado. A título de exemplo, uma biblioteca em Mênfis, antiga capital do Egito, tinha à entrada uma inscrição que dizia “Palácio para curar a alma” e por isso “os livros já eram vistos como terapêuticos para a alma”, afirma. No entanto, o termo biblioterapia surge em 1916 pelo norte-americano Samuel Crothers quando, ao visitar o seu amigo padre numa igreja, deparou-se com uma sacristia semelhante a um consultório médico onde o padre administrava doses de literatura às pessoas que se apresentavam com determinados problemas. O processo da biblioterapia acontece de forma simples. A mediadora utiliza um livro que permite fazer uma reflexão e após a leitura, cada pessoa irá refletir sobre aquelas palavras, abrindo portas para a catarse. A catarse é a libertação das emoções. O ouvinte absorve a história, identifica-se com as personagens e sentir-se-á “mais aliviado”, contribuindo para “o desenvolvimento pessoal” e ajuda “pessoas com depressão, ansiedade ou outras patologias”, explica Cláudia Ferreira. A biblioterapia funciona melhor em grupo e serve para qualquer pessoa que queira compreender as suas próprias emoções. 

Cláudia descobriu o termo biblioterapia através de um livro e, como nos refere que é “apaixonada pela literatura, escrita e leitura”, quis levar a mensagem desta terapia para outras pessoas, para que percebam que “a literatura pode nos ajudar e pode ser um auxiliar na nossa vida”, diz. Através da rede social Instagram conseguiu encontrar uma formadora oriunda do Brasil. Esta formadora tem uma plataforma online onde é possível, através de aulas por videoconferência, qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, realizar a formação. No Brasil a biblioterapia é mais reconhecida, existindo disciplinas sobre este tema nas universidades do país.

Em conversa com o nosso jornal, conseguimos perceber que, em Portugal, é difícil conseguir formação nesta área. “As pessoas ainda estão muito reticentes”, nota. Acrescenta dizendo que é necessário desmistificar o conceito de ler um livro. “Eu penso que as crianças olham para o livro como uma obrigação”, sendo necessário que elas olhem para o livro como um “refúgio” ou como “algo a que podemos socorrer sempre que tivermos dúvidas, sempre que precisamos de saber alguma coisa”.

Para quem quer escrever um livro, Cláudia deixa a mensagem de que é necessário haver uma boa gestão pessoal do tempo. “É um ofício muito solitário e que exige realmente ficarmos fechados no nosso mundo para que possamos transcrever tudo aquilo que passa na nossa mente”, afirma. 

Oiça a entrevista em podcast

“Pessoas que nos contam” com Cláudia Ferreira

“Pessoas que nos contam” com Cláudia Ferreira

Nasceu em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, mas vive na cidade da Lagoa. Cláudia Ferreira é escritora e biblioterapeuta, gosta de ler e escrever porque sempre sentiu “uma ligação profunda” com os livros

Oiça aqui a entrevista em que Cláudia fala sobre o seu percurso, os livros e a importância da leitura.

O poder da leitura

Cláudia Ferreira
Escritora e biblioterapeuta

Ler é atravessar um portal, rumo a outra dimensão, desbravando novos caminhos que vão além do mundo real. As personagens ganham vida e os cenários se desenham na mente de quem lê, dando início a uma jornada rica, na qual até as emoções afloram como se fossem experiências reais.

Transformar a leitura num hábito é urgente e necessário desde a infância, tendo um valor incalculável para o resto da vida. A leitura e a escrita são práticas sociais fundamentais para o desenvolvimento da cognição humana. Para a maioria das crianças a leitura é vista como algo aborrecido, exigindo paciência, tempo e concentração, mas é um hábito que deverá ser incutido, porque a criança que lê e que desenvolve o gosto pela leitura, será um adulto instruído e consciente da realidade que o circunda.

Por sua vez, quem não lê, é obrigado a acreditar no mundo que lhe é apresentado. A leitura afasta o indivíduo do senso comum, permitindo um olhar crítico sobre os factos, assumindo uma postura questionadora.

Não é à toa que a censura aos livros e à leitura faz parte dos mecanismos de manutenção do poder político autoritário, sendo a mais forte arma que os regimes totalitários utilizam desde a Antiguidade, para impedir a propagação de ideias que possam colocar em dúvida a organização do poder e o seu direito sobre a sociedade.

Se a leitura não pode ser desaprendida, o recurso mais apropriado para impedir a sua circulação é limitar o seu alcance, no qual a invasão de bibliotecas e o uso de classificação do que poderia ou não ser lido passou a ser uma característica efetiva.

Dos vários benefícios do hábito da leitura, realço um que já remonta às civilizações egípcia, grega e romana, o reconhecimento do valor terapêutico da leitura. No Antigo Egito as bibliotecas faziam parte dos templos, intitulando-se «a Casa da Vida». Há, também, informações de que o recurso ao poder terapêutico dos livros floresceu durante o período da Primeira Guerra Mundial, quando foram criadas bibliotecas nos hospitais de campanha. Culturalmente e mentalmente somos na maioria o resultado do que lemos, onde segundo Cassandra Clare, é sempre preciso ter cuidado com os livros e o que está dentro deles, pois as palavras conseguem nos mudar.