Cláudia Ferreira
Escritora e biblioterapeuta
Nada é mais aprazível para um criança ou adulto, do que o popular conto de fadas, sendo um importante meio de ensinar valores. Elucidam que a luta contra graves dificuldades na vida é inevitável, mas com afoiteza, o ser humano encontrará forças para superar os dragões. Os contos modernos evitam sobretudo os problemas existenciais, pelo contrário, os contos de fadas apresentam-nos sem rodeios, sendo frequente começarem com a morte de algum ente querido para o personagem principal. Apresentam também a dualidade do bem e o mal, muitas vezes personificado na bruxa ou nas criaturas estranhas.
Os contos de fadas representam, em fantasia, o processo de um saudável desenvolvimento humano, oferecendo uma série de benefícios, desde o desenvolvimento da imaginação ao crescimento interno da criança. São uma forma de arte, daí o seu significado diferir de pessoa para pessoa, podendo variar em momentos diferentes da nossa vida. Eles não pretendem aconselhar o que cada pessoa deverá fazer, mas o que os torna terapêuticos é a possibilidade de cada pessoa encontrar a sua própria solução, identificando-se com os personagens, com base nos seus conflitos internos.
Através de elementos simbólicos, eles embalam sonhos, oferecendo respostas para muitas das questões que habitam em nós. O conto de fadas cogita um futuro colorido, nos ensinando a lutar pelos nossos sonhos e ideais, cuja mensagem é de que Nunca devemos desistir, pois só assim a magia acontece, independentemente de falharmos muitas vezes.
Batalhadora, criativa e sonhadora, é assim que se define Cláudia Ferreira, 33 anos, natural da Ribeirinha, Angra do Heroísmo. Reside em São Miguel há quatro anos e atualmente mora na Lagoa. Escolheu a Lagoa porque lhe faz lembrar a freguesia dos Biscoitos na Terceira e, por isso, “é reconfortante”, afirma. Acrescenta dizendo que tem “outra qualidade de vida” com “menos stress”.
Cláudia é autora de dois livros, estando o terceiro já escrito à espera de ser publicado. Associa o gosto pela leitura à sua infância. “Sempre percebi que eu, os livros e a escrita tínhamos uma ligação profunda”, começa por contar. “Gostava de me expressar através da escrita e de oferecer textos quando me deparava com alguém que estava mais triste”, continua.
Ainda era criança quando a sua professora, na escola primária da Ribeirinha, percebeu que Cláudia tinha facilidade com as palavras. “Na altura, os meus pais não perceberam, eu própria não sabia que aquilo era uma paixão e ficou adormecido”. Com 17 anos pertencia ao grupo de jovens da sua freguesia denominado por “Mensageiros da Palavra”. Este grupo convidava, mensalmente, um jovem para escrever um texto que viria a ser publicado posteriormente no jornal da freguesia. Cláudia foi convidada a escrever. “Quando eu vim para casa, sentei-me na secretária, comecei a escrever e aquilo começou a fluir”, diz. Aquele momento “foi como abrir a caixa de pandora, mas num lado positivo”, garante. A escritora conta ao nosso jornal que já se tinha esquecido desta sua facilidade com a escrita. “Era algo mágico que estava ali escondido e que voltou a desabrochar”, nota.
A partir daí surge um novo ciclo na sua vida. “A princesa de Limaland e a Pedra Mágica”, é o primeiro livro lançado pela autora em 2011. Um ano depois publica a continuação da história com o livro “A princesa de Limaland e o Mistério da Professia”. Estas histórias fazem parte de uma trilogia. “A princesa de Limaland e a Decisão Crucial” é o título do terceiro livro que já está escrito, mas como “há sempre detalhes a melhorar, não há data prevista de lançamento”, confessa-nos.
A autora revela que não sabe de onde lhe vem a inspiração. “Eu acho que a inspiração é que me escolhe”, conta. Lê, vê muitas séries e filmes, mas quando escreve “é muito natural” e as ideias começam a fluir.
Para além do seu trabalho profissional e da escrita de livros é, também, biblioterapeuta. A biblioterapia é uma terapia de diálogo mediada por um livro. Os livros são cuidadosamente escolhidos e podem ser em poesia ou prosa. A biblioterapia remonta ao antigo Egito e era algo já valorizado. A título de exemplo, uma biblioteca em Mênfis, antiga capital do Egito, tinha à entrada uma inscrição que dizia “Palácio para curar a alma” e por isso “os livros já eram vistos como terapêuticos para a alma”, afirma. No entanto, o termo biblioterapia surge em 1916 pelo norte-americano Samuel Crothers quando, ao visitar o seu amigo padre numa igreja, deparou-se com uma sacristia semelhante a um consultório médico onde o padre administrava doses de literatura às pessoas que se apresentavam com determinados problemas. O processo da biblioterapia acontece de forma simples. A mediadora utiliza um livro que permite fazer uma reflexão e após a leitura, cada pessoa irá refletir sobre aquelas palavras, abrindo portas para a catarse. A catarse é a libertação das emoções. O ouvinte absorve a história, identifica-se com as personagens e sentir-se-á “mais aliviado”, contribuindo para “o desenvolvimento pessoal” e ajuda “pessoas com depressão, ansiedade ou outras patologias”, explica Cláudia Ferreira. A biblioterapia funciona melhor em grupo e serve para qualquer pessoa que queira compreender as suas próprias emoções.
Cláudia descobriu o termo biblioterapia através de um livro e, como nos refere que é “apaixonada pela literatura, escrita e leitura”, quis levar a mensagem desta terapia para outras pessoas, para que percebam que “a literatura pode nos ajudar e pode ser um auxiliar na nossa vida”, diz. Através da rede social Instagram conseguiu encontrar uma formadora oriunda do Brasil. Esta formadora tem uma plataforma online onde é possível, através de aulas por videoconferência, qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, realizar a formação. No Brasil a biblioterapia é mais reconhecida, existindo disciplinas sobre este tema nas universidades do país.
Em conversa com o nosso jornal, conseguimos perceber que, em Portugal, é difícil conseguir formação nesta área. “As pessoas ainda estão muito reticentes”, nota. Acrescenta dizendo que é necessário desmistificar o conceito de ler um livro. “Eu penso que as crianças olham para o livro como uma obrigação”, sendo necessário que elas olhem para o livro como um “refúgio” ou como “algo a que podemos socorrer sempre que tivermos dúvidas, sempre que precisamos de saber alguma coisa”.
Para quem quer escrever um livro, Cláudia deixa a mensagem de que é necessário haver uma boa gestão pessoal do tempo. “É um ofício muito solitário e que exige realmente ficarmos fechados no nosso mundo para que possamos transcrever tudo aquilo que passa na nossa mente”, afirma.
“Pessoas que nos contam” com Cláudia Ferreira
Cláudia Ferreira
Escritora e biblioterapeuta
O poder terapêutico da leitura é algo que atravessa o nosso tempo, levando-nos às antigas civilizações: grega, romana e egípcia. Apesar do termo, biblioterapia, ter sido cunhado por Samuel Crothers num ensaio intitulado «A literary clinic», publicado em 1916, podemos dizer que ao longo da história, a leitura foi muitas vezes usada com o propósito de amenizar a dor física e não só.
No século V a.C. o filósofo grego Antifonte abriu um estabelecimento na cidade de Corinto, onde “podia consolar os tristes com discursos adequados”, usando as palavras para este efeito, cujos discursos sedativos o tornaram famoso. Assim sendo, foi pioneiro nesta intenção de cura através das palavras. Já na Abadia Beneditina de São Galo, na Suíça, fundada em 612, é possível ler à entrada da sua biblioteca a inscrição grega Psyché Iatreio que siginifica «Santuário para curar a alma» ou «Farmácia da Alma».
Segundo Clarice Caldin, a biblioterapia é o cuidado com o desenvolvimento do ser humano por meio das histórias, sejam elas lidas, narradas ou dramatizadas. A meu ver, as palavras atuam em nós como poções mágicas que nos permitem refletir, apaziguando certas emoções e criando novas portas de conhecimento. Um encontro de biblioterapia, que poderá ser feito individualmente ou em grupo, pretende ser um espaço de escuta sensível e empática entre os participantes, contribuindo para o exercício de novas perspetivas sobre nós e o mundo que nos circunda.
A biblioterapia nutre a saúde mental e o desenvolvimento pessoal, sendo direcionada a todos os grupos etários. Ao identificar-se com um personagem ou com o enredo narrado, o leitor toma consciência dos seus pensamentos ou comportamentos, encontrando formas de lidar com eles.
Cláudia Ferreira
Escritora e biblioterapeuta
Ler é atravessar um portal, rumo a outra dimensão, desbravando novos caminhos que vão além do mundo real. As personagens ganham vida e os cenários se desenham na mente de quem lê, dando início a uma jornada rica, na qual até as emoções afloram como se fossem experiências reais.
Transformar a leitura num hábito é urgente e necessário desde a infância, tendo um valor incalculável para o resto da vida. A leitura e a escrita são práticas sociais fundamentais para o desenvolvimento da cognição humana. Para a maioria das crianças a leitura é vista como algo aborrecido, exigindo paciência, tempo e concentração, mas é um hábito que deverá ser incutido, porque a criança que lê e que desenvolve o gosto pela leitura, será um adulto instruído e consciente da realidade que o circunda.
Por sua vez, quem não lê, é obrigado a acreditar no mundo que lhe é apresentado. A leitura afasta o indivíduo do senso comum, permitindo um olhar crítico sobre os factos, assumindo uma postura questionadora.
Não é à toa que a censura aos livros e à leitura faz parte dos mecanismos de manutenção do poder político autoritário, sendo a mais forte arma que os regimes totalitários utilizam desde a Antiguidade, para impedir a propagação de ideias que possam colocar em dúvida a organização do poder e o seu direito sobre a sociedade.
Se a leitura não pode ser desaprendida, o recurso mais apropriado para impedir a sua circulação é limitar o seu alcance, no qual a invasão de bibliotecas e o uso de classificação do que poderia ou não ser lido passou a ser uma característica efetiva.
Dos vários benefícios do hábito da leitura, realço um que já remonta às civilizações egípcia, grega e romana, o reconhecimento do valor terapêutico da leitura. No Antigo Egito as bibliotecas faziam parte dos templos, intitulando-se «a Casa da Vida». Há, também, informações de que o recurso ao poder terapêutico dos livros floresceu durante o período da Primeira Guerra Mundial, quando foram criadas bibliotecas nos hospitais de campanha. Culturalmente e mentalmente somos na maioria o resultado do que lemos, onde segundo Cassandra Clare, é sempre preciso ter cuidado com os livros e o que está dentro deles, pois as palavras conseguem nos mudar.