A partir de um telefonema para Pepe Brix para saber sobre o seu mais recente trabalho na Lagoa – o mural de homenagem aos bonecreiros da Lagoa – descobrimos que se encontrava no Passeio Marítimo, na Lagoa, a trabalhar no mural, na altura em que ligámos. Sem hesitar, fomos ao encontro do fotógrafo de 37 anos, natural da ilha de Santa Maria, que nos recebeu com um largo sorriso. Em jeito de conversa e reportagem ambiente fomos observando e conversando com o fotojornalista. A certa altura da conversa com o Diário da Lagoa (DL), interrompe e diz a um dos funcionários da Câmara Municipal de Lagoa que se encontravam por perto: “não tinham um pincel mais pequeno? Com este para a semana ainda aqui estou”, enquanto o homem lhe responde: “devias ter avisado que trazia uma vassoura”. E riem-se todos. A boa disposição entre Pepe e quem o ajudava demonstrava a essência da pessoa que fomos ali encontrar.
DL: Sempre fizeste fotografia ou já fizeste outras coisas?
Toda a minha vida fui fotógrafo, nunca tive outra profissão. O meu pai e o meu avô também já eram fotógrafos. Tínhamos lá um espaço, em Santa Maria, que era a “Foto Pepe” e que o meu avô abriu depois de ter largado a sua vida no Circo — ele era artista de Circo. A “Foto Pepe” estava aberta desde os anos 40, em Santa Maria.
Estudei em Santa Maria até ao 12.º ano e depois fiz o curso profissional no Instituto Português de Fotografia no Porto.
DL: E quando é que regressas?
Voltei para Santa Maria em 2005 para dar uma ajuda ao meu pai quando houve ali aquela transição para o digital.
DL: Sempre quiseste regressar ou foi mais por necessidade?
Eu sinto-me muito açoriano. Sou daqueles açorianos que gostam mesmo de ser açorianos. Acho que todos os açorianos têm uma coisinha muito especial e que os açorianos são como as tartarugas, que podem ir para onde forem e voltam sempre à praia onde nasceram para desovar. Então, eu estava sempre com essa fisgada, vim ajudar o meu pai, embora tivesse muita vontade de viajar, e fui viajando muito.
DL: Tens ideia de quantos países já percorreste?
Não sei. Por exemplo, numa das últimas viagens que fiz em que fomos de mota de Lisboa até à China, até à Mongólia, só aí atravessamos uma data de países. Isso foi em 2016, salvo erro. Tenho viajado bastante, porque o meu trabalho também me pede isso. Sinto que viajar é uma bela forma de abrir portas a outros pensamentos, a outras linhas de pensamento. Amadureces bastante quando viajas, mesmo que não te apercebas, quando voltas nunca és a mesma pessoa. Eu acho que isso é uma coisa muito interessante no teu desenvolvimento pessoal ao longo da vida.
DL: Colaboras com a National Geographic. Como surgiu essa oportunidade?
Na primeira vez em que trabalhei com a National Geographic fiz uma reportagem sobre a pesca do bacalhau no mar do Norte, na Terra Nova, no Canadá. Foi depois de fazer esse trabalho que propus pela primeira vez a reportagem à National Geographic. O Gonçalo, que é o diretor da revista, e ainda é o atual, ficou muito contente com o trabalho e a partir daí comecei a fazer colaborações com eles. Eu embarquei [no navio] em 2014 e o artigo saiu em fevereiro de 2015. Com esse trabalho ganhamos o prémio Gazeta de Fotojornalismo, foi uma cena fixe para a National Geographic e para mim, como é óbvio. Mantemos agora esta relação e sempre que tenho reportagens que tenham cabimento para a revista, vou propondo a eles e às vezes também me lançam alguns desafios.
DL: Essa colaboração com a National Geographic consideras a mais interessante ou há outras coisas que também gostas de fazer?
Por exemplo, este trabalho que estou aqui a fazer na Lagoa é uma das coisas que gosto bastante, é um trabalho muito social, muito próximo das pessoas, este trabalho de valorização social através da fotografia é uma coisa de que eu gosto muito.
DL: Em que consiste este trabalho?
São quatro retratos a preto e branco, papel fotográfico laminado e é uma intervenção de carácter temporário, com uma duração aproximada de um ano. O que está combinado é que quando se começarem a deteriorar serão removidas. A laminação é uma espécie de plastificação. Em Santa Maria, tinha feito o primeiro teste deste projeto que é uma coisa que pretende ser replicada em várias comunidades. É um projeto que tenho que se chama “Cerne”. Cresceu de uma ideia que o Governo regional promoveu em 2019, salvo erro, em que me pediram para fotografar algumas mulheres para celebrar o dia da Europa naquele ano. E essa ideia surgiu através da Teresa Viveiros, que trabalha agora na Câmara da Lagoa. Foi a Teresa que depois se lembrou de voltarmos a fazer esse trabalho aqui. [As fotografias] são impressas por mim, faço o recorte da impressão toda e depois são montadas aqui às peças e aplicadas diretamente na parede.
DL: Vamos imaginar, isto vai-se deteriorando com o tempo, e as pessoas se quiserem ver mais tarde como fazem?
O trabalho fica logo imortalizado porque é feito um pequeno vídeo da montagem. Depois as fotografias dos bonecreiros são divulgadas nos meus canais, a própria Câmara Municipal também fica com as fotografias para arquivo, portanto, esta é apenas uma representação mais temporária desse trabalho.
DL: Porque é que gostas também deste tipo de trabalho?
A rua é a melhor galeria, é a única galeria onde ninguém tem medo de entrar. Já estão cá dentro. Nunca gostei muito de expor em galerias. Eu gosto desta proximidade com as pessoas, da cultura ser uma coisa mais próxima e menos elitista, e a rua é o lugar menos elitista que tu podes ter. Está aqui no Passeio Marítimo, qualquer pessoa que venha aqui dar uma corridinha ou um passeio, tem acesso à peça.
DL: E quanto ao futuro, mais trabalhos?
Eu tenho um projeto que se chama “Tuna Tails” que é um trabalho sobre pescaria de pequena escala, pesca de salto e vara de atum, que está a ser feita em várias partes do mundo, nós até ao momento publicamos vídeos dos Açores, Canárias, Cabo Verde, Maldivas e Indonésia. Temos agora um vídeo que se chama “Tuna Tails In Balance With Nature”, que é um filme de 13 minutos que está a começar entrar agora para o circuito dos festivais. É um trabalho que eu e o meu colega Rui Pedro Lami fazemos em parceria com a International Pole & Line Foundation, que é a fundação para as pescarias de salto e vara. Procura trabalhar junto de comunidades, fortalecer comunidades que façam pescarias de pequena escala, nomeadamente pescarias “one by one”, ou seja, um homem, uma linha, um anzol, um peixe de cada vez. A ideia deles e nossa é continuar a replicar esse trabalho por vários sítios, contando várias histórias dessas pequenas comunidades, e este ano poderá haver a possibilidade de fazermos o Omã, Estados Unidos da América e se calhar Brasil.
DL: Tens muito trabalho?
Tenho muito trabalho. E depois faço também muita edição de vídeo. Tenho também um projeto com o Nuno Sá, que vai acontecer agora no próximo mês, que tem que ver com uma replantação de uma planta marinha que tinha desaparecido ali da costa de Cascais. Eles estão agora no processo de se tentar voltar a introduzir essa planta marinha. Há sempre trabalho, vai sempre aparecendo trabalho. E não me posso queixar, porque mesmo durante a pandemia tenho estado com projetos super interessantes, muitos projetos ligados à área da Ciência que é algo de que gosto muito.
DL: Como é que te defines?
Eu sou um curioso que gosta muito de pessoas, sobretudo. Gosto muito de perceber a forma como as pessoas se moldam aos sítios e situações, às suas regiões. E, gostando dessa exploração, das pessoas, vejo nisso também uma ferramenta de crescimento pessoal. Alio essas duas coisas, o meu crescimento pessoal e o meu interesse pelas pessoas à fotografia, que acaba por ser depois a minha profissão. Mas antes de ser fotógrafo sou um curioso que gosta de pessoas. Se tivesse que deixar alguma coisa para trás se calhar a fotografia era até a primeira coisa que deixava para não perder a minha curiosidade pelas pessoas.
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