É natural de Ponta Garça e na sua juventude viveu em Vila Franca do Campo mas logo depois teve de ir para Ponta Delgada para frequentar o colégio e o liceu Antero de Quental. Prosseguiu os estudos em Lisboa, na Universidade Clássica, onde se formou em Direito. Fez uma parte do estágio de advocacia na capital portuguesa, mas foi em São Miguel que o concluiu, tendo depois exercido a profissão durante 16 anos até aceitar o convite para fazer parte do Governo regional. Em quatro anos foi responsável pela tutela do Ambiente e depois pela pasta da Agricultura e Pescas. Foi ainda deputado na Assembleia da República durante oito anos e há nove anos que Ricardo Rodrigues lidera a câmara de Vila Franca do Campo, onde recebeu o DL para esta entrevista.
DL: Como surge o interesse pela política?
Sempre tive apetência para questões de interesse público. Ajudei a fundar o SOS Lagoas, e a Quercus em São Miguel, ajudei a organizar algumas manifestações de agricultores e de pescadores. Algumas foram marcantes na ilha de São Miguel, como uma em que se derramou leite por toda a cidade de Ponta Delgada. Ajudei no que fazia parte do interesse público. Eventualmente por aí surgiu o convite para ir para o Governo e foi um desafio de que não me arrependo.
E este é o último mandato na câmara de Vila Franca do Campo, depois em princípio regressarei à advocacia que é a minha profissão. Acho que já dei um contributo significativo nas várias áreas onde estive, quer no Governo regional, quer como deputado na Assembleia da República. Já vou com nove de presidente da câmara e tenho a minha consciência tranquila quanto à prestação pública que me realizou profundamente nas áreas onde tive a oportunidade de colaborar.
DL: E se o Partido Socialista (PS) voltar a ser Governo regional pondera regressar?
Há um ditado popular que diz que a água não passa duas vezes na mesma margem. Eu já fui membro do governo, não tenho essa vontade de voltar a ser, porque já fui, tenho essa experiência e não me parece, embora na política não seja cautelar dizer nunca. Mas a minha vontade neste momento é regressar à advocacia para terminar os meus dias a fazer aquilo para que estudei e que também gostei. Fui advogado durante 16 anos e não me dei mal.
DL: É mais difícil ser advogado ou político?
São coisas diferentes. Tem áreas de confluência no que diz respeito a ser útil a terceiros. São áreas complementares, gostei e gosto quer de uma quer da outra. É uma vocação. Neste momento aquilo que me apraz registar é que estou satisfeito com o meu passado. É evidente que cometi erros, toda a gente comete erros, mas tentei emendar-me dos erros que cometi e hoje em dia a experiência acumulada ao longo desses anos diz-me que o melhor para mim é mesmo voltar à advocacia.
DL: Recentemente celebrou-se o São João. Que balanço faz das festas?
No último São João foi de facto maravilhoso verificar milhares e milhares de pessoas em Vila Franca do Campo para assistir a um espetáculo de muita qualidade musical, muita qualidade artística, devendo-se essencialmente a todos os marchantes. Este ano foram 16 marchas, mais de mil marchantes que percorrem a principal artéria do concelho. Os micaelenses e quem nos visitam já se habituaram a ter uma expetativa de grande qualidade e saem daqui sempre muito satisfeitos. É evidente que essa é a marca distintiva das festas de São João, mas depois há atividades que ocorrem durante quase todo o mês, desde festivais musicais, desportivos, culturais, não esquecendo as tradicionais sardinhas. Ocupa, logisticamente, todos os trabalhadores da câmara, mas é com muita satisfação e com grande alegria que chegamos ao fim contentes pelo resultado obtido. Este ano recebi, até mesmo dos vereadores da oposição, felicitações pela forma como decorreram as festas. Há sempre aspetos a melhorar. Vamos aprendendo, sempre e para o ano será melhor ainda. Este ano decorreu maravilhosamente e ficamos muito satisfeitos com um balanço muito positivo.
DL: Há um aumento de turismo em Vila Franca do Campo?
Às vezes há uma falsa ideia de que um concelho numa ilha pode atrair turistas. Quem vem a Vila Franca vai à Ribeira Grande, à Povoação, a Nordeste e a Ponta Delgada, mas é visível, quer em Vila Franca, quer em Ponta Delgada, quer no Nordeste o aumento do turismo. Aqui, no concelho, tem-se verificado um aumento significativo no alojamento local. O que traz outros problemas, como na habitação e no arrendamento, mas há um aumento significativo no alojamento local. Na hotelaria eu não estou preocupado com o aumento do número de camas porque eu não gostaria, nem quero, enquanto aqui estiver, dentro da legalidade, mais hotéis tradicionais. Gostaria de projetos diferenciados e de sustentabilidade ambiental. Há um ou dois projetos que estão aprovados nessa área aqui em Vila Franca do Campo, à espera do próximo quadro comunitário de apoio. Um em Água D´Alto, no sopé da Lagoa do Fogo que é um exemplo de um ambientalmente sustentável, integrado na paisagem com bungalows. Essa é a área que acho que o concelho deve prosseguir. Não basta dizermos que o turismo nos Açores, em São Miguel em particular, deve ser sustentável. O que determina a sustentabilidade do turismo é a oferta que nós fazemos de alojamento. Se nós continuarmos a fazer caixotes retangulares por toda a ilha, claro que não vão ser sustentáveis. Temos de apostar em projetos diferenciadores que beneficiem e aproveitem a nossa natureza. Em Vila Franca do Campo tento cativar aqueles que têm projetos diferenciadores e motivá-los para que possam executar projetos integrados na paisagem.
DL: Há uma crescente preocupação ambiental?
A câmara é proprietária de um grande terreno frente ao Ilhéu de Vila Franca, no Poço Largo, cuja aptidão do PDM é turística. No próximo já não vai ser nenhum hotel. O PDM é o local adequado para fazer planeamento de longo prazo e aquela será uma zona de lazer, não de um hotel que tape a vista. É possível ter essas preocupações e pô-las em papel de forma a que oriente todo o desenvolvimento do concelho. Estou mais inclinado para projetos de sustentabilidade ambiental e nada motivado para projetos que tapem a vista do nosso bonito mar e que desqualificam a costa.
DL: A qualidade da água balnear este ano está assegurada?
As análises à qualidade da água têm sido excelentes. Mas não estou livre que aconteça porque ainda é preciso fazer um forte investimento em saneamento básico e também estou a aguardar que saiam os próximos avisos do quadro comunitário de apoio. São investimentos muito avultados e prevemos investir nessa área à volta de quatro milhões de euros.
“Antes ser uma boa vila do que uma má cidade. Não há mais valia em ser cidade.
RICARDO RODRIGUES
(…) somos vila e tenho muito orgulho em ser vilafranquense.”
DL: Há um ano entrevistamos Pedro Nascimento Cabral. Falou-se num estudo de levantamento de todos “os Fortes e Fortinhos” que existem ao longo da costa sul, entre Ponta Delgada, Lagoa e Vila Franca do Campo. Houve algum contacto?
Sinceramente não me lembro de ter falado com o Pedro Nascimento Cabral sobre isso, mas existe disponibilidade. Essa é também uma preocupação de Vila Franca do Campo. Nós temos inscritos no nosso orçamento duas rubricas para dois Fortes. Um junto à praia do Corpo Santo, que tinha uma construção em cima de cimento, nos anos 50 foi construído lá um matadouro que fazia muito peso sobre a estrutura. Já retiramos tudo isso e estamos a fazer o projeto de um pequeno bar de apoio à praia. E no outro Forte, junto à Marina, temos a preocupação de o solidificar e de conservá-lo. Nessa área é muito difícil encontrar um arquiteto. Estamos ainda na área de aconselhamento mas este ano tenciono lançar esse concurso para a conservação. Temos um Técnico Superior que tem investido muito do seu tempo nessa área para termos presente a nossa História e aquilo que fomos. Há uma tentativa de juntarmo-nos mas, sim, com a Lagoa, com quem já falei e houve uma tentativa de todos nós nos juntarmos.
DL: O que falta à Vila Franca do Campo para se tornar cidade?
Nós não queremos. Nunca achei que isso fosse uma promoção. Antes ser uma boa vila do que uma má cidade. Não há mais valia em ser cidade. Se eu sou Vila Franca do Campo, está tudo identificado. Estou muito feliz com a designação e nem vejo que essa seja uma aspiração dos vilafranquenses. Nunca algum vilafranquense me disse porque é que não somos cidade. Não somos cidade, somos vila e tenho muito orgulho em ser vilafranquense.
DL: Como se posiciona o concelho que lidera no futuro?
A preocupação com a sustentabilidade é mesmo muito importante para o futuro. No sentido de não alterar e preservar as costas. Fiz duas intervenções na costa por obrigação. Uma na Avenida Vasco da Silveira, porque o mar estava a infraescavar a estrada e um bocado já tinha caído. E uma vez que tive que intervir, fizemos uma proteção maior e um passeio agradável para o verão. Agora estamos a fazer uma intervenção na praia do Corpo Santo, pela mesma razão.
Essa era uma responsabilidade do Governo regional. Com o [Governo] PS ainda consegui fazer um acordo com fundos comunitários que foram cedidos, desta vez não foi possível com o Governo regional do PSD. E eu vejo que por todas as ilhas que o Governo regional é quem assume essa responsabilidade, só que se nós não tivéssemos feito essa intervenção na praia do Corpo Santo, a estrada ia cair a curto prazo, as próprias casas estavam em risco.
É preciso prevenir, mas não alterar as nossas costas de forma a que se perca a identidade da ilha. Se os autarcas todos se lembrarem de por cimento e estradas nas nossas costas fica tudo artificial. A preocupação é a sustentabilidade, desenvolvimento sem agredir a natureza, sem agredir aquilo que nos identifica e trazer aos nossos concidadãos uma melhor vida.
DL: O que considera mais importante para os vilafranquenses?
Escolher — como sempre têm sabido fazer, modéstia à parte — os melhores para os destinos de Vila Franca do Campo, pessoas que possam compreender, ter experiência, conhecendo a nossa História, e através desse conhecimento ter um fio que nos guie no sentido de não desfigurar. Aquilo que um ditado popular muito sabiamente identifica: não matemos a galinha dos ovos de ouro. Em Vila Franca uma das preocupações foi recuperar as olarias, uma tradição que estava a morrer e que hoje está recuperada. Outra preocupação é (espero que os fundos comunitários o permitam) requalificar o museu para ter toda a nossa História e o nosso passado presente, não esquecendo os empresários, pois estamos a ampliar o Parque Industrial. Essa é a linha orientadora que gostava que o Município seguisse no futuro.
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