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Leis, qualidade e preço da mão-de-obra afastam pescadores dos tradicionais barcos de boca aberta

Vários fatores têm potenciado o desaparecimento das coloridas embarcações em madeira, explicam armadores açorianos. O Diário da Lagoa quis saber quais

Máximo pago aos armadores para o abate de um barco está situado “num teto máximo de 30 mil euros” © ACÁCIO MATEUS
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Nos portos de pesca açorianos, onde reina a azáfama tão típica dos dias de preparação para “ir ao mar”, descansam os barcos de boca aberta que, embora tão tradicionais, têm vindo a perder presença na frota pesqueira do arquipélago.

Estes barcos — os mais tradicionais, pelo menos — distinguem-se quer pela matéria-prima de que são feitos, como a madeira de acácia, por exemplo, quer pelas cores vivas que contrastam com o branco lívido, sem esquecer os nomes que lhes são dados e que, muitas vezes, remetem para a dificuldade associada à profissão dos homens do mar.

Alberto Arraial, proprietário do barco mestre Arraial, que batizou em homenagem ao pai, também ele pescador, refere de imediato que na pesca “há escassez de pessoal” e cada vez menos rendimento, fazendo, por isso, com que nos dias de hoje a vida de pescador seja “um bocado ingrata”, levando também ao gradual desaparecimento destas embarcações.

Este mestre pescador salienta que “ninguém aposta nos barcos de madeira porque a lei da pesca é cada vez mais rigorosa”. Isto é, e conforme explica também o presidente da Federação das Pescas dos Açores, Gualberto Rita, ao longo dos anos as leis associadas à pesca no arquipélago foram “restringindo a pesca junto à costa”, obrigando as embarcações a pescar “a partir das seis, das 12 e das 30 milhas”. Por conseguinte, “quanto mais distante da costa, a embarcação é obrigada a fazer a sua atividade, mais condições deve ter”, tanto no sentido da conservação do pescado a bordo, através de porões ou caixas térmicas, como no conforto e na segurança dos pescadores.

Os barcos de fibra de vidro têm vindo a tornar-se cada vez mais populares, embora alguns pescadores, como no caso de Alberto Arraial, considerem também que as leis não vão ao encontro da tecnologia que hoje é utilizada nos barcos de pesca, delimitando o acesso a locais onde há capacidade para chegar, como no caso das Formigas.

Este mestre pescador, natural de Vila Franca do Campo, adianta ainda que os pescadores não se sentem ouvidos, embora realce que esta é uma classe que “não faz protestos ou greves” perante os decretos que são publicados e que entendem como prejudiciais à atividade.

Entre o barco de madeira e o barco de fibra de vidro, Alberto Arraial refere que tudo
“depende do dono”, sendo que, no caso dos donos mais cuidadosos, um barco de madeira poderá ter uma vida útil de 25 a 30 anos.

Neste sentido, a manutenção exigida pelos barcos é, também ela, um aspeto que tem afastado alguns profissionais do mar, uma vez que existem poucos calafates, e os que existem estão divididos entre Vila Franca do Campo, Ribeira Quente e Rabo de Peixe. Conforme refere Gualberto Rita, acresce também o facto de esta mão-de-obra ser muito dispendiosa.

Embora refira que a extinção de embarcações de boca aberta é uma realidade em todas as ilhas, o presidente da Federação das Pescas dos Açores adianta que a preferência por outro tipo de embarcações é mais evidente noutras ilhas do arquipélago, como na ilha Terceira.

No que diz respeito às questões de conforto e segurança, refere que “para que um pescador se sinta mais à vontade na sua área de trabalho, é importante haver essas condições e, por isso, recorrem a embarcações maiores que possam oferecer essas condições”.

Diogo Paiva, pescador profissional, conta hoje com quatro barcos de pesca e considera que a eficiência de um barco de fibra de vidro tem “uma eficiência maior em relação a um barco de madeira”, uma vez que estes últimos exigem “um cuidado de manutenção bastante superior ao da fibra”.

Considera ainda que, embora os pescadores prefiram os barcos de madeira, por serem “mais pesados” e quebrarem melhor as ondas, não restam dúvidas quanto ao seu desaparecimento, potenciado também pela dificuldade sentida na sua reparação.

Por seu turno, Weber Pacheco, mestre pescador de Água de Pau, critica, em primeiro lugar, as leis existentes que, na sua perspetiva, levam a que “muitos armadores estejam a abater os seus barcos”. Critica também o valor concedido aos armadores pelo abate das embarcações, por considerar que se encontram desadequados, bem como a quantidade reduzida de calafates na ilha, levando a que chegasse a ter um barco à espera de reparação num estaleiro durante cerca de seis meses.

Gualberto Rita defende as críticas deixadas pelos pescadores, tendo em conta as alterações levadas a cabo pelas diretivas da União Europeia: os apoios que vão surgindo “são mais direcionados para embarcações que têm outras condições”, fazendo assim com que os pescadores optem pelos barcos feitos de fibra de vidro.

No que diz respeito aos incentivos ao abate destas embarcações, Gualberto Rita refere que o máximo pago aos armadores está situado num teto máximo de 30 mil euros, incluindo licenças de pesca.

Este valor, refere, pode ser “aceitável quando falamos de embarcações dos cinco aos nove metros”, mas “nas embarcações entre os nove e os 12 metros” representa um valor “completamente desadequado à realidade”.

O presidente da Federação das Pescas dos Açores salienta que o valor atribuído às embarcações de boca aberta a serem abatidas depende de um cálculo que inclui variantes como a dimensão da embarcação, a Tonelagem de Arqueação Bruta e, ainda, a potência do motor da embarcação em causa, variando também conforme a ilha onde será feito o abate.

Assim sendo, Gualberto Rita defende, tal como os armadores de uma forma geral, que estes valores “têm que ser revistos” para as embarcações entre os nove e os 12 metros, referindo que “estes valores teriam de ser, no mínimo, de 50 mil euros”, tendo em conta os parâmetros incluídos no cálculo para os abates.

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