Log in

Computação Quântica, o verdadeiro “nim”

José Estêvão de Melo
Engenheiro Informático

Quando se fala em “quântico”, a primeira reação costuma ser associar o tema a algo complicado, e com razão. A mecânica quântica é um dos ramos mais fascinantes e desafiantes da física: ela estuda o mundo subatómico, onde as leis que regem a realidade parecem contrariar a nossa intuição e grande parte do nosso conhecimento. Nesse domínio, o determinismo dá lugar à probabilidade. É precisamente nesse território do incerto que os cientistas procuram construir uma nova geração de computadores capazes de processar informação de forma radicalmente diferente e redefinir o que pensamos ser possível.

Ao aplicar os princípios da superposição de estados ao mundo computacional, abrimos um leque de possibilidades extraordinário. Enquanto um computador clássico trabalha com bits, unidades de informação que só podem assumir o valor 0 ou 1 (Sim ou Não), o computador quântico utiliza qubits, que podem ser 0 e 1 ao mesmo tempo. É aqui que entra o nosso “nim”: o qubit existe num estado intermédio, um espectro de probabilidades que só se resolve quando é medido. É como uma moeda em pleno voo, enquanto gira, é simultaneamente cara e coroa; apenas quando cai é que escolhe um lado. Essa capacidade de coexistência é o que permite aos computadores quânticos explorarem milhões de possibilidades em paralelo.

Existem problemas tão complexos que o número de hipóteses possíveis cresce de forma explosiva. São os chamados problemas não polinomiais (NP), nos quais um ligeiro aumento nas variáveis pode transformar minutos de processamento em milhares de anos. Um exemplo ilustrativo foi o sistema de colocação de professores em Portugal, que, numa fase inicial, tentou testar todas as combinações possíveis. O resultado? Um tempo de execução astronómico de tal forma que a execução teve que ser interrompida provocando atrasos constrangedores. As soluções clássicas passam por descartar hipóteses ou aproximar resultados, encontrando respostas “boas o suficiente”, mas raramente ideais. Contudo, como escreveu Antero de Quental, devemos almejar pelo Ideal, e é exatamente essa busca que alimenta o desenvolvimento da Computação Quântica.

Num computador clássico, todas as hipóteses são testadas de forma sequencial. Já um computador quântico, graças à superposição dos qubits, pode representar e explorar todas as combinações possíveis em simultâneo. Isso não significa que ele resolva todos os problemas complexos instantaneamente, a computação quântica não é uma varinha mágica. Mas, em certas classes de problemas, como otimização, busca ou fatorização, ela oferece uma vantagem exponencial, permitindo resultados em minutos que levariam milénios aos supercomputadores mais potentes da atualidade.

Esse poder, porém, traz consigo uma ameaça igualmente grandiosa: a da segurança digital. Hoje, toda a criptografia que protege transações bancárias e comunicações online baseia-se na dificuldade que os computadores clássicos têm em fatorizar grandes números primos. O algoritmo de Shor, desenvolvido para computadores quânticos, promete realizar essa tarefa em segundos, tornando obsoletos os sistemas de encriptação atuais e levantando sérias preocupações para a cibersegurança global.

Felizmente, a comunidade científica não está parada. Duas frentes de defesa estão em curso. A primeira é a Criptografia Pós-Quântica (PQC), que desenvolve algoritmos resistentes tanto a computadores clássicos quanto quânticos, baseados em problemas matemáticos complexos como os reticulados ou códigos de erro. O Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA (NIST) já trabalha na padronização desses algoritmos. A segunda é a Distribuição de Chaves Quânticas (QKD), uma tecnologia que usa as leis da física quântica para permitir a partilha de chaves criptográficas de forma absolutamente segura, em que qualquer tentativa de interceção altera o estado quântico da informação e é imediatamente detetada. Assim, embora o risco exista, a resposta também está a ser construída, qubit a qubit.

Apesar do seu potencial revolucionário, a computação quântica ainda enfrenta enormes desafios. Os computadores atuais contam apenas com algumas dezenas ou centenas de qubits estáveis, e sofrem com problemas de decoerência e ruído. Mas o progresso é constante: empresas como IBM, Google, IonQ e Rigetti competem para atingir a chamada “vantagem quântica”, o ponto em que uma máquina quântica supera definitivamente os supercomputadores clássicos em tarefas práticas.

A Computação Quântica não é apenas um salto tecnológico; é uma mudança de paradigma. O “nim” dos qubits, essa coexistência do ser e não ser, abre portas à simulação de novos materiais, à descoberta acelerada de medicamentos e a um novo horizonte para a Inteligência Artificial. Talvez o verdadeiro desafio da era quântica não seja apenas construir máquinas mais poderosas, mas compreender o novo conceito de realidade que elas nos obrigam a aceitar. A corrida está lançada, e o futuro da humanidade será, provavelmente, quântico.

avatar-custom

José Estêvão de MeloEngenheiro Informático

Laisser un commentaire

Votre adresse e-mail ne sera pas publiée. Les champs obligatoires sont indiqués avec *

CAPTCHA ImageChanger d'image