À procura de quem ainda constrói barcos de boca aberta em madeira, na ilha de São Miguel, quisemos saber mais sobre a arte, tendo surgido o nome de António José de Melo, natural de Vila Franca do Campo. Com o nome e uma indicação, o Diário da Lagoa (DL) saiu da redação rumo à antiga capital da ilha. Com um “fica no porto da Vila”, lá chegamos e após abordar os locais bateu-se à porta de um armazém, pintado de ferrugem devido à erosão provocada pelo sal do mar. Apenas alguns instantes depois aparece António José de Melo, com um balde na mão, e dirige-se calmamente até nós. Convida-nos a entrar e começa por contar que tem “65 marés” numa alusão à sua ligação com ao mar.
Ao DL conta que a sua vida profissional começou aos 10 anos “após acabar a escola”. Aprendeu a arte de calafate com o seu pai que trabalhava como chefe de construção naval na Sociedade Corretora. “Fiz os meus 11 anos na doca”, revela, acrescentando que ali permaneceu por seis anos.
Com 16 anos decidiu “mudar de ares” e trocou a madeira pelo betão, dedicando-se à construção civil, até “embarcar para a América”. Nos Estados Unidos trabalhou durante dois anos na construção naval em New Bedford, Massachusetts. Já com o conhecimento e experiência regressa a Portugal e à construção naval. “Eu gostava e gosto”, salienta. Nessa altura instala-se numa oficina “ao relento”, descreve, enquanto ironiza a rir: “a pele ambienta-se ao clima.”
É em 1982 que começa a trabalhar “por conta própria” e desde então deixou de contar quantos barcos construiu, embora consiga enumerar alguns lugares e os nomes por onde andam os que lhe marcaram.
“A construção com madeira está um bocado esquisita, caiu um pouco”, lamenta quando o questionamos sobre os barcos de boca aberta. E ao ver a nossa curiosidade começa por explicar o processo de construção em madeira, esclarecendo que um barco de boca aberta “por lei, pode ir até aos 11 metros e 99 centímetros”.
A certa altura conta que construiu um único barco que antigamente fazia a travessia de passageiros até ao Ilheu de Vila Franca: o Cruzeiro do Ilhéu.
“Foi o primeiro barco que fiz cortado atrás. Levei anos a batalhar para fazer um barco cortado. Foi batizado em 1991, na altura inaugurado com um motor de 35 cavalos e passava à frente dos 96 cavalos. Não havia barco nenhum que lhe tocava”, diz.
Perguntamos como é que se sente quando vê um barco feito por si a ser abatido mas prontamente atira: “acho que não tive ainda um que tivesse sido abatido.”
“Temos aqui um pescador no porto que queria abater o barco, um barco bastante grande que fiz há quase 40 anos. Está ali na rampa: ‘Jesus luz do mundo’. Ele queria abater só que agora percebe que 30 mil euros não compensa.” Quanto ao último barco de boca aberta que construiu faz uma pausa e diz que “foi há quatro anos”.
Lamenta que “hoje em dia as reparações são pequenas” e revela que “há muito tempo que já não encomenda madeira”.
Os leitores são a força do nosso jornal
Subscreva, apoie o Diário da Lagoa. Ao valorizar o nosso trabalho está a ajudar-nos a marcar a diferença, através do jornalismo de proximidade. Assim levamos até si as notícias que contam.
Laisser un commentaire