Log in

Antero de Quental e o Instituto Superior Técnico

Nuno Costa Santos
Escritor e argumentista

Tive afortunado acesso ao original, recém-adquirido por um coleccionador micaelense, de uma carta de Antero de Quental para José Bensaúde, destacado industrial açoriano com importante inclinação para as artes e para a cultura, de quem era muito amigo desde cedo. Tão amigo que foi em sua casa que viveu entre finais de Agosto de 1891 e 11 de Setembro de 1891, o dia da sua dramática morte com esperança ao fundo.

A carta revela o conhecimento que Antero manifestava por aquilo em que de melhor se destacavam povos que não os peninsulares. Aí, o poeta e intelectual português, a propósito de uma questão colocada por Bensaúde sobre a educação dos filhos – foi pai de Alfredo, Joaquim, Ester e Raúl -, discorre sobre as virtudes do ensino na Alemanha, que, a seu ver, suplantavam, de modo inequívoco, as do ensino francês, inglês e americano. A sofisticação alemã quer em ciência quer em moralidade são destacadas – tal como a combinação, sempre fundamental mas muitas vezes descurada, entre a instrucção teórica e a prática. A dado passo, escreve, no seu modo assertivo e absoluto de ser: “Os métodos alemães têm outra profundidade, e é por excelência a Alemanha o país da pedagogia”. (Noutra carta, que encontrei no volume primeiro das cartas, editado pela Universidade dos Açores, dirá que a Suíça, pedagogicamente, oferece iguais garantias de qualidade). Promete que em breve esclarecerá José sobre quais eram, na altura, os melhores colégios e que, para o edifício da compilação, contaria com o conselho dos alemães mais instruídos a residir em Lisboa. Um trabalho de casa feito com a generosidade que se dedica aos melhores amigos.

Para aferir sobre a forma como o fundador da Fábrica de Tabaco Micaelense, figura reconhecidamente crente e empenhada numa ideia de desenvolvimento cultural e social das comunidades, acolheu os conselhos de Quental em relação ao destino escolar da descendência, basta referir que Alfredo, o seu filho mais velho, viajou, com 16 anos, para a Alemanha com o objectivo de prosseguir os estudos. Primeiro, estudou em escolas particulares e, depois, entrou para a Escola Técnica Superior de Hanover, onde veio a terminar, em 1879, o curso de engenharia. Mais algumas notas curriculares que ajudam a desvendar um percurso académico notável. Em 1881, concluiu o doutoramento em Mineralogia na Universidade de Gottingen e, após uma passagem por Espanha, foi trabalhar para Lisboa, cidade na qual, em 1884, se tornou docente de Mineralogia no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa.

Depois de, em 1892, ter publicado uma muito crítica – e, por isso mesmo, refutada e ignorada – proposta de reforma do ensino tecnológico em Portugal, em 1911, Alfredo Bensaúde concretizou um projecto ambicioso e determinante para o futuro do país, imaginado e realizado tendo como referência as escolas alemãs onde se formou: o da criação do Instituto Superior Técnico. Foi ele que, já em plena República, fundou o Técnico, como é conhecido, e foi ele o seu primeiro director.

Ao passar os olhos por esta carta, em privilegiada versão original, fiquei, então, a saber que o “génio que era um santo”, referência central da sua geração, magnífico inspirador do pensamento português, agitador bem preparado e utópico de ideais e consciências, também contribuiu à sua maneira, com um conselho dado a um amigo que o requereu, para o crescimento concreto, prático, da educação em Portugal. O nome deste homem-mito, intransigentemente pelo progresso, irredutivelmente sonhador de um país outro, mais exigente e ambicioso, está nas primeiras linhas da História da fundação e do desenvolvimento do nosso ensino técnico e tecnológico. Sem a sua pista, José não teria enviado Alfredo para as instituições que, assumidamente, o inspiraram a criar aquela que, hoje, é a maior escola portuguesa de Engenharia, Arquitectura, Ciência e Tecnologia e uma das mais prestigiadas instituições de Engenharia na Europa. Mais um motivo de gratidão para com Antero.

Os leitores são a força do nosso jornal

Subscreva, apoie o Diário da Lagoa. Ao valorizar o nosso trabalho está a ajudar-nos a marcar a diferença, através do jornalismo de proximidade. Assim levamos até si as notícias que contam.

Laisser un commentaire

Votre adresse e-mail ne sera pas publiée. Les champs obligatoires sont indiqués avec *

CAPTCHA ImageChanger d'image