DL: É um açoriano de quantas ilhas?
De todas as ilhas e comunidades açorianas espalhadas pelo mundo. Sou ilhéu. Um ilhéu que tem orgulho nisso porque a condição de ser português ilhéu é diferente. Obrigam-nos a ter uma perspetiva a partir do Atlântico em todos os sentidos. Como a profissão também o exige, nós acabamos por ter que perceber bem cada uma das ilhas. São diferentes, há comportamentos diferentes, há origens diferentes do povoamento e essa paixão pelas ilhas, essa relação com a realidade, com a história e com a geografia.
DL: A sua origem é a causa dessa paixão?
Eu nasci na freguesia dos Arrifes, em casa, porque o meu pai era militar, estava cá, e a minha mãe também. Depois, aos cinco anos, com a ida do meu pai para a guerra, em Angola, em 1961, não fazia sentido ficar aqui, não tínhamos cá ninguém de família. Fomos para casa do meu avô, com a minha mãe, morei com o meu avô nas Lajes do Pico, onde criámos as primeiras amizades, na catequese e na escola. Ainda hoje tenho essa imensa paixão pelas Lajes do Pico. Na ilha do Pico aprendemos o que era o isolamento, o que era fugir à guerra. Tive os meus primos que a determinada altura fugiram para o Canadá, outros para a Califórnia. Emigraram, também, muito cedo. Isso obriga-nos a perceber o que é não ter luz, o que é não ter comunicações, o que é a subsistência, o que é criar os porcos, o que é ter o milho e as terras.
O meu avô era baleeiro, era um homem do mar e da terra. Habituei-me a ter uma paixão por essa gente de subsistência. O fator de estar longe do meu pai obrigou-me a ter um carinho especial pelas pessoas que lutavam por igualdades. Isso ajudou-me, talvez, a ser jornalista, a ser voz e a questionar. Ainda hoje, ao fim destes anos todos, continuo a tentar aperfeiçoar e perceber o que é que nós somos. Nos Açores ainda temos umas lacunas enormes ao nível do desenvolvimento, quer no todo das ilhas, quer ao nível da pobreza, ao nível da desertificação das ilhas, dos postos de trabalho e da produção.
DL: Como regressa a São Miguel?
Pela via militar do meu pai. O meu pai não podia estar no Pico. Quando vem de África, vem para São Miguel para o quartel general. Eu faço ainda dois anos de escola, mas depois ele vai para a escola de sargentos para ser oficial e vamos todos para Águeda. Lá crio uma relação também diferente. Uma criança fica deslumbrada com a televisão, com a rádio e com os jornais. Como os meus amigos estavam longe de Águeda, eu ia para o liceu, aos 10 anos, todos os dias de comboio e quando chegava a casa o meu deslumbramento era ver os programas de televisão, porque eu era um ilhéu que nunca tinha visto televisão. Esse prazer criou gosto em mim.
DL: Como surge o jornalismo?
Primeiro vem a rádio, a paixão pela rádio e gostar de ouvir a rádio. Sou ouvinte de rádio. A televisão, apanho uma televisão muito forte na altura. Tudo isso ajudou a cultivar em mim uma ideia do que é trabalhar naquele meio. Aos 17/18 anos vim pedir para fazer um programa de rádio e fiz uns testes. O jornalismo vem porque sempre gostei de política. Eu era filho de militar, questionava muito os “porquês”. Quando entro na rádio, mediante concurso público, é na altura em que o jornalismo radiofónico começa a ser reconhecido. Não havia na rádio, nessa altura, jornalistas. Embora estivesse na redação a fazer notícias. Portanto, nós fazíamos um pouco de tudo. Essa visão plural de quem gosta de rádio, deu-me a visão da produção radiofónica e a visão do jornalismo. Quando entro de facto, há uma primeira formação em jornalismo, começa a haver o jornalista de rádio e eu optei por ficar na redação, sem nunca descurar aquilo que é a paixão pela rádio no seu todo. A informação foi a minha especialidade durante anos e anos.
DL: De 1996 a 2000 dedica-se à política. Porquê?
Não há nenhum jornalista que não goste de política. Eu não quero ser político, nem tenho preparação para o ser provavelmente. Mas acho que a política é uma atividade nobre. Há um lado cívico que é a defesa da nossa terra. A determinada altura fui convidado, comecei como independente nas listas de um partido, acabei por aceitar. Havia desafios para a rádio e para o futuro da rádio e da televisão e do desporto. Sempre estive ligado ao desporto e havia matérias que estavam no parlamento que por mais que eu pregasse cá fora, nunca mais resolvia. Então aceitei e disse: “vamos à sede própria discutir essas coisas”. Dei o meu contributo cívico. Não fez mal nenhum. Não é a minha vocação estar lá permanentemente porque sempre quis continuar a vida de jornalista. Hoje tenho uma visão muito mais séria e abrangente do que é a atividade e o que é a vida institucional açoriana. Não me tirou nada, acrescentou-me mais alguma coisa.
DL: Fundou a Semana dos Baleeiros na ilha do Pico. Como correu essa experiência?
Eu que não nasci lá, hoje sou munícipe honorário das Lajes do Pico porque fiz a Semana dos Baleeiros durante 12 anos. Fundamos a Semana dos Baleeiros e isso dá-me uma grande alegria. Foi uma experiência muito rica. Foi talvez o maior curso de produção que alguma vez podia ter. Ainda hoje pergunto como é que fiz, eu e a equipa. Eu era no fundo o produtor e organizava as coisas. Levava um ano inteiro a preparar aquilo que podia ser do ponto de vista cultural, criativo e musical. Nós criamos uma semana que tocasse nos itens todos que tivessem a haver com a essência da baleação. A baleação é religiosidade, é economia, é etnográfica, é biologia. Criámos uma semana que tivesse a haver com as ilhas. Foi uma experiência fantástica. Deu-me imenso trabalho, mas talvez foi das coisas que mais alegria me deu. Marcou e ainda hoje existe.
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