Quase todas as histórias começam com “Era uma vez…”. Depois, num tempo e num espaço imaginários, toda a ação acontece com mil e uma peripécias. A história, ou parte da história que aqui vou tentar contar, não começa com “era uma vez…” nem a sua ação decorre num espaço imaginário. No passado dia 26 de setembro comemorou-se o Dia Mundial do Mar e, um pouco por todo o planeta não faltaram eventos mais ou menos mediatizados para alertar cada um para a preservação deste recurso que a cada dia que passa está mais ameaçado. Contudo, e no dia seguinte, já quase todos esquecemos e continuamos a deixar que os plásticos e outros desperdícios acabem nos oceanos. Digo quase, e sublinho, porque bem perto de nós há uma menina que conta por idade pouco mais que os dedos das suas tenras mãos mas que desde há quase dois anos percorre alguns metros da costa desta jovem cidade recolhendo desperdícios que dão à costa. Aprendeu numa aula que cada um era importante no esforço que podia fazer para mudar o estado das coisas que respeitam à poluição do mar. Desde então, não mais parou de percorrer as rochas e recolher lixo que o mar devolve, antes que ele regresse ou se degrade mais, em mil e uma partículas poluentes. Dia após dia, ininterruptamente, longe dos focos mediáticos, mobiliza a sua família e percorre parte da costa e recolhe lixo, sobretudo plásticos, que vai levando para casa e coloca depois nos respetivos contentores, na certeza de que aqueles não voltarão ao mar. Um destes dias, encontrei-a e trazia uma pedra basáltica consigo e que tinha um cordão de nylon a envolvê-la. Perguntei-lhe porque a levava consigo… “- quero libertá-la desta prisão e devolvê-la livre ao seu espaço!” A sua resposta, tão segura e sentida, transmitia toda a certeza da importância do seu gesto. Afinal, na escola aprendera isso mesmo! Esta não é certamente a “menina do Mar” de Sophia de Mello Breyner, mas está a escrever uma linda história com a sua ação. Poucos terão reparado nesta ecologista de palmo e meio, mesmo aqueles que todos os dias se deliciam com o sol e com o mar que serve de espaço à ação desta “menina do mar” da Lagoa. Se todos os veraneantes, desse pedaço de mar conhecessem esta história, talvez corassem de vergonha cada vez que deixam uma beata no chão, ou usam champô no chuveiro que corre para o mar, ou os que deixam uma qualquer embalagem de plástico pelo chão.
É verdade que sozinha poderá não mudar o mundo, mas certamente ficará com a certeza que com a sua ação alguma coisa fica diferente no seu espaço que vigia a cada dia. A personagem desta história é de carne e osso e é igual a tantas outras crianças. A mensagem que a escola lhe ensinou ecoou bem forte na sua cabeça e talvez o seu exemplo possa contagiar mais e mais colegas, mais e mais adultos, pelo menos a terem uma consciência cívica de preservar e cuidar o espaço que é de todos.
(Artigo de opinião publicado na edição de impressa de outubro de 2020)
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