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Álvaro Borges viajou até um país em guerra, a Ucrânia

A experiência é inesquecível pelo que se vive e pelas histórias que se encontram num país que vive o terror da guerra. Álvaro Borges conta-nos como foi a sua viagem à Ucrânia, em setembro passado, nesta entrevista ao Diário da Lagoa

Álvaro Borges é natural da Vila de Água de Pau © DIREITOS RESERVADOS
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Tem 25 anos, é licenciado em Direito e mestre em Direito Administrativo e Administração Pública. É natural da Vila de Água de Pau e encontra-se atualmente a viver no Livramento. Embarcou na aventura de viajar até à Ucrânia e conta-nos como foi enriquecedora a experiência que viveu.

DL: Como é que surgiu a oportunidade de viajar até à Ucrânia?
Tudo começou porque vi uma notícia no jornal Público. Várias entidades estavam a organizar este grande evento internacional, que era levar 20 jovens portugueses, em conjunto com 20 jovens da Ucrânia, a Lviv, a capital europeia da juventude 2025. Enviei a candidatura e fui selecionado.
Partimos da Polónia, de Cracóvia, para a Ucrânia, com as recordações que levámos. Consegui levar uma carta escrita pelo presidente do Governo Regional dos Açores, uns lembretes da Câmara Municipal de Ponta Delgada e um crachá do Santa Clara.
Nós chegámos primeiro à fronteira com a Polónia, não saímos do autocarro, do qual era suposto sair. Apenas veio um agente ver os nossos passaportes e passámos. Depois houve a fronteira com a Ucrânia. No total, esperámos, mais ou menos, uns 45 minutos. Depois, quando estávamos já mesmo perto da Ucrânia, os militares entraram dentro do autocarro para carimbar os passaportes. Avançámos com escolta policial até Lviv.

© DIREITOS RESERVADOS

DL: Recorda-se da paisagem ao entrar na Ucrânia?
Havia logo na entrada, quando entrámos na Ucrânia, campos muito grandes com casas dispersas. Passados 15 minutos, surgiu um pequeno cemitério com umas bandeiras e ficámos arrepiados. Inicialmente, estávamos num entusiasmo, mas depois, naquele instante, ficámos todos em silêncio. A nossa primeira iniciativa foi na Câmara Municipal de Lviv, onde fomos recebidos pelos organizadores, pelo presidente da Câmara de Lviv e pela embaixadora da Ucrânia em Portugal. Tivemos uma sessão de cumprimentos para nos conhecermos uns aos outros. No total foram cinco dias na Ucrânia. Vimos também o cemitério de Lviv, onde estão enterradas mil e duzentas pessoas.

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DL: Foi uma chegada de choque em que a segurança era relativa?
Exato. Tínhamos protocolos de emergência em todos os nossos telemóveis: em caso de ataque aéreo, disparava os alarmes, também nas ruas, e íamos para um bunker. Se acontecesse alguma coisa, tanto podia ser durante a noite como de dia. Mas eu dormi completamente bem.

DL: Houve algum momento em que tenha sentido perigo?
Foi no penúltimo dia, quando tínhamos um plano de contingência em que, em última instância, se houvesse bombardeamentos à cidade, teríamos que sair de imediato para a Polónia. Estávamos numa espécie de conferência entre os jovens da Ucrânia e, a meio do evento, os nossos telemóveis tocaram devido a um alerta aéreo. A comunicação social tem muita frieza, e a primeira reação deles foi erguer as objetivas para capturar o momento. Havia um bunker para onde recolher, mas os ucranianos demonstravam que já estão habituados. É normal para eles. Então, nesse instante, estávamos com um ataque iminente e não sabíamos o que estava a acontecer ao certo. Fomos todos para o abrigo e lá, com mais calma, apercebemo-nos de que eram dois caças russos que tinham entrado no espaço aéreo da Ucrânia. Passados 30 minutos, recebemos outro aviso a dizer que estávamos seguros. Éramos um alvo porque a primeira-ministra estava no evento. E, passadas 12 horas, todo o edifício sofreu um ataque. Nessa altura, já estava no meu quarto, na cama, e por duas vezes ouvi a sirene. Tive que vestir uns calções e uma t-shirt à pressa e ir para o piso do abrigo. Ficámos quase uma hora dentro do abrigo, à espera de informações para sair em segurança. Acabámos por sair e despedimo-nos dos colegas ucranianos, com emoção. Estávamos em Lviv.
Depois dormimos no autocarro até acordar na fronteira com a Polónia e demorámos imenso tempo, talvez umas três horas, na fronteira, pois havia imensos carros.

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DL: Pessoas a sair da Ucrânia?
Sim, pessoas a sair da Ucrânia. Demorámos imenso tempo para entrar na Polónia. Tivemos que sair do autocarro, tivemos que levar todas as nossas bagagens e fomos revistados. Nessa altura, não tínhamos qualquer passe diplomático, como tínhamos antes. É mais fácil entrar do que sair. Já dávamos o avião como perdido. Mas depois o autocarro arrancou a correr e deu tempo. Chegámos à Polónia e voámos para Portugal tranquilamente.
Conhecemos uns 20 jovens e, obviamente, existem alguns com quem criámos amizade. Há um jovem que conheci que é oriundo de Mariupol, que fica mesmo junto à fronteira com a Rússia. Uma zona complicada e que foi anexada em 2022. Ele fugiu com a família e pegaram fogo à casa dele. Perdeu tudo. Ele agora vive em Kiev e estuda lá. Ele contou-nos que alguém foi à casa dele e tirou fotografias, e que já estava reconstruída, mas que estava ocupada pelos russos. Era até tipo uma espécie de colonização.

DL: Como encara agora a resiliência das pessoas afetadas pela guerra?
Não sei como é que é possível. Por exemplo, conheci um jovem ucraniano na minha segunda residência universitária, em 2022. O nome dele é Rostyslav Ruslanovich Hutsol e chegou com 17 anos a Portugal como refugiado de guerra. E depois, numa conversa com ele, é que descobri a profundidade da história dele. Ele tem mais uma irmã, o pai é militar reformado e a mãe dele também era militar. Só que a mãe morreu no primeiro dia de guerra, no primeiro dia da invasão russa à Ucrânia. A sensação de ver aquele jovem e estar em contacto com ele, todos os dias, fez-me pensar que tenho de fazer alguma coisa por ele. Então, convidei-o para vir aos Açores no Natal, e ele veio em 2023, e no ano passado também. E vai passar o próximo.

DL: A ligação à Ucrânia continua?
Continua, e eu fiz-lhe a promessa de voltar à terra dele e ir à casa dele conhecer a família.

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Clife BotelhoDirecteur

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Sara Sousa OliveiraEditora executiva

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