DL: A Nossa Vila Nossa Casa, CRL Cooperativa de Habitação iniciou a construção das primeiras casas em Rabo de Peixe. O que representa este momento?
Este momento é verdadeiramente histórico. É a concretização de uma visão partilhada, construída ao longo de anos com dedicação, resiliência e compromisso coletivo. Uma resposta concreta às necessidades habitacionais de muitas famílias que, infelizmente, não se enquadram nas atuais políticas públicas nem conseguem aceder ao mercado convencional de compra das habitações.
Sabíamos desde o início que esta jornada estaria repleta de desafios: obstáculos burocráticos, limitações técnicas e dificuldades financeiras. No entanto, mantivemo-nos fiéis ao nosso propósito maior: de garantir uma habitação digna, acessível e sustentável.
Foi através do trabalho coletivo da direção, técnicos e cooperantes que conseguimos chegar até aqui. Cada passo dado, cada entrave superado, foi possível graças à união e ao espírito cooperativo que nos orienta.
DL: Além deste projeto a Nossa Vila Nossa Casa, CRL tem mais projetos em carteira?
Além deste projeto estamos a desenvolver mais quatro projetos, dois em Rabo de Peixe, um no Pico da Pedra e outro em Santa Bárbara. Atualmente, os projetos que estamos a desenvolver situam-se no concelho da Ribeira Grande, mas podemos promover habitação acessível em qualquer concelho ou território.
DL: O que representa a Nossa Vila Nossa Casa, CRL Cooperativa de Habitação para os jovens casais que estão à procura de casa e não conseguem adquirir aos preços de mercado atualmente?
Esperança. Acho que esta é a palavra-chave que atualmente representa a expetativa dos jovens casais e não só os jovens casais, no acesso à habitação própria. Considero que a Nossa Vila Nossa Casa, CRL representa muito mais do que uma simples opção de habitação. É uma solução real e comunitária para os jovens casais terem casa própria a preços justos.
Face às pressões do mercado internacional e nacional, com preços médios em Portugal acima dos 2700€/m² e os aumentos de 10-16% nas casas em Ponta Delgada, rapidamente percebemos que os valores praticados poderão estabilizar, mas não diminuir. Esta situação é dramática sobretudo para os jovens casais.
DL: Como surgiu a ideia de criar uma cooperativa de habitação e que passos têm sido desenvolvidos desde a sua génese?
Esta ideia surgiu em 2018 num desafio lançado pelo município da Ribeira Grande à comunidade para o fomento da habitação local. Iniciamos esta caminhada com o registo da cooperativa em setembro de 2018, adquirindo o nosso primeiro terreno em março de 2019. Face à enorme procura e inscrições na cooperativa, em setembro de 2020 a Câmara Municipal da Ribeira Grande cedeu-nos o primeiro terreno.
Em junho de 2022 os cooperantes adquiriram novo terreno na freguesia do Pico da Pedra e em junho de 2023 a autarquia cedeu outros dois terrenos.
Essas datas são relevantes para que os cidadãos possam ser corretamente esclarecidos quanto ao tempo de existência desta cooperativa e início dos seus projetos. Esses passos de aquisição e principalmente a cedência dos terrenos foram estruturantes para a nossa ação. Sem o apoio do município na cedência dos terrenos seria impensável termos a dimensão dos projetos que temos atualmente.
Sendo a Nossa Vila Nossa Casa, CRL, uma entidade sem fins lucrativos cuja missão é disponibilizar habitações a preços acessíveis, outro passo significativo foi o diálogo e compromisso com o Governo dos Açores para o apoio da execução das infraestruturas deste primeiro projeto. A cedência dos terrenos e o apoio à infraestruturação dos mesmos são passos determinantes para a colocação das habitações a preços acessíveis.
Todos os passos são importantes, mas considero que o passo mais significativo desta caminhada é a definição dos procedimentos da nossa atuação, a procura de uma boa prática, uma receita para replicar nos atuais e futuros projetos.
Este é um passo essencial porque temos uma visão de futuro, para não acontecer o que já aconteceu com outras cooperativas de habitação nos Açores.
Acredito que o próximo passo será iniciar novos projetos com o apoio das autarquias e do Governo dos Açores. Estamos a fazer a nossa parte, somos ativos na procura de soluções para a crise da habitação.
Espero iniciar um novo ciclo de passos, começando pelo terreno, estudo prévio, seguindo-se a participação dos cooperantes na escolha e desenho das habitações, elaboração dos projetos de especialidades, licenciamento dos projetos, apoio financeiro para as infraestruturas, execução das infraestruturas, fonte de financiamento para a construção, terminando com a entrega da habitação ao nosso cooperante.
Esse será o momento mágico, a prova viva de que os sonhos, quando idealizados em conjunto, quando executados em parcerias, tornar-se-ão realidade acessível que muitas famílias anseiam.
DL: O futuro da habitação acessível nos Açores passa por mais cooperativas de habitação?
Não tenho qualquer dúvida que o fomento da habitação acessível passa pelas cooperativas de habitação. Tenho a certeza que só conseguiremos um mercado público de habitação acessível se as cooperativas de habitação estiverem envolvidas no processo. Estas minhas convicções são alicerçadas no conhecimento que fui adquirindo em todo este processo. A sustentabilidade da oferta de aquisição e principalmente o arrendamento habitação nos Açores tem de incluir as cooperativas de habitação.
E, sim, é possível o aparecimento de mais cooperativas de habitação nos Açores, mas temos de ter um pensamento estratégico. A proliferação de cooperativas de habitação poderá ter um efeito perverso sem o devido planeamento de sustentabilidade. Não podemos cometer os mesmos erros do passado. Se o fizermos será novamente desperdício do dinheiro público, atirando-o indiretamente para o inflacionamento do preço das habitações. Basta ver o exemplo da última cooperativa de habitação nos Açores.
A tríada cooperativa de habitação, município e governo é a estratégia ideal para curto, médio e, sobretudo, a longo prazo suster a disponibilização das habitações acessíveis na vertente de propriedade privada e propriedade coletiva. Só com o envolvimento das cooperativas de habitação na vertente de propriedade coletiva é que poderemos ter um mercado de arrendamento acessível. Só com uma política forte de apoio às cooperativas de habitação é que podemos também diminuir o êxodo populacional a que estamos a assistir.
Estão identificados as oportunidades de melhoria e os constrangimentos, temos as propostas e um caminho de futuro. O nosso compromisso é erguer mais do que habitações acessíveis, é construir laços, identidade e esperança.
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