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“Eu quero ser o campeão da minha vida”

Nuno Botelho salva-vidas há vinte anos na Lagoa © CATARINA TEIXEIRA/DL

O nadador-salvador Nuno Botelho tem 39 anos e é um rosto conhecido de quem gosta de frequentar o Complexo de Piscinas da Lagoa.
Diz que adora o que faz, sobretudo por poder ajudar o próximo. Ao Diário da Lagoa (DL) relata os episódios mais desafiantes que já teve, a propósito da força do mar. Está na profissão desde 2001, há cerca de 20 anos que trabalha na Lagoa e desde 2019 que é nadador-salvador residente nas Piscinas da Lagoa. É um adepto do desporto ao ar livre tendo sido já campeão regional de triatlo.

DL: Como é que se processa a carreira de um nadador-salvador?
Tirei o curso com 18 anos. Na altura era um rapaz que passava mais tempo na água do que em terra, no verão. Meu pai até brigava comigo para sair da água, eu nunca queria sair. Havia também, na altura, aquele episódio das marés vivas, que era o Baywatch [Marés Vivas].
Não quis estudar. Se fosse hoje em dia, talvez tivesse estudado mais, fiquei só pelo 12º ano. Sempre fui uma pessoa de querer ajudar o próximo. Tirei o curso com 18 anos para também ter a minha independência financeira. Logo aí tive um amor à camisola e nunca quis parar de continuar. Sempre o meu sonho, ser nadador-salvador. 
Acabei por, inclusive, despedir-me de alguns trabalhos, efetivos para regressar no verão sempre como nadador-salvador.

DL: Estás a preparar-te para alguma prova agora?
Estou-me a preparar para Cascais, em outubro. São dois quilómetros a nadar, 90 de bicicleta e 21 a correr. Refira-se que, antes disso, vou fazer a travessia aqui do concelho da Lagoa até Ponta Delgada – Portas do Mar – Piscinas da Lagoa.

DL: Como é que treinas?
Ainda na semana passada, fiz cinco quilómetros em piscina, são 200 piscinas. Fiz uma hora e 36, é muito tempo.

Nuno tem 39 anos e já foi campeão regional de triatlo © CATARINA TEIXEIRA/DL

DL: Treinas em alto-mar também?
Também treino em alto-mar, normalmente vou para as Portas do Mar, não é alto mar, mas é mar aberto. Então muitas vezes peço a um colega meu, que vá de caiaque acompanhar-me e eu vou por exemplo, até ao ilhéu de São Roque, mas sempre com bóia de sinalização que é importante. Além do triatlo também faço atletismo, fui campeão do meu escalão M35, dos 35 aos 40. Eu quero ser o campeão da minha vida  e o campeão da minha vida é fazer aquilo que eu mais gosto. Não tenho nenhum colega que trabalhou comigo que continue a trabalhar, foram às suas vidas, depois do curso e eu não desisti de fazer aquilo que gosto.

DL: As zonas balneares estão mais cheias. É mais difícil ser nadador agora?
É mais difícil no sentido de ter muitas mais pessoas para vigiar, muitas cabeças dentro de água, digamos assim. O difícil é sempre o findar do dia. Se corre tudo bem vou com a consciência tranquila que fiz o meu trabalho. Eu próprio, de há quatro anos para cá, estou contratado aqui pela câmara mesmo por essa situação, aumentou o número de banhistas. Fazemos um registo de banhistas diários que era para termos um número e então no inverno tenho sempre cerca de 30, 40 pessoas.

DL: Ou seja, lidas com muita gente.
Sim, as pessoas gostam imenso de mim, eu gosto imenso das pessoas. Sinto-me às vezes encabulado. No Natal trazem-me algumas prendas e eu fico sem saber o que dizer e fazer, acaba por ser uma segunda família.

“No Natal trazem-me algumas prendas
e eu fico sem saber o que dizer e fazer,
acaba por ser uma segunda família”


DL: Tens alguma história que possas partilhar?
Um dos casos mais complicados que tive foi na Lagoa. Tenho duas situações: um rapaz que hoje em dia está de cadeira de rodas, ficou paraplégico, deu um mergulho, bateu com a cabeça e foi dos momentos mais tristes da minha vida como nadador-salvador. Senti-me impotente, gostava de naquele momento ter uma asas para poder aguentá-lo e não consegui. Senti que tinha que dar o meu máximo e que tinha de fazer o melhor por aquela pessoa, mas eu entrei em automático, só depois é que caí em mim. Até depois fiquei dois a três dias em casa, não consegui dormir. Mas, depois, dei a volta por cima. Esta foi uma situação que nunca mais esquecerei na vida. A outra situação, foi nas ondas da Caloura, aí há três anos. Eu tirei oito ou nove pessoas da água e o meu colega tirou umas 10 ou 12 com a bóia circular. Os conterrâneos lá da terra, também ajudaram. Ainda por cima, dessas pessoas, doze eram crianças e a maioria não era de Água de Pau. Houve um francês que partiu o braço… houve uma massa de água com bastante força, com volume de água. Aquilo foi o salve-se quem puder. E só para teres uma ideia, as crianças tinham boias, braçadeiras e ficaram sem elas, a força era tão grande, daquelas duas ondas. O maior lesado, nesse caso, foi mesmo o francês.
Os Açores por si só, não são um sítio onde haja muitos salvamentos, porque a maioria das pessoas, como estamos rodeados de mar, sabe nadar.

Nuno trabalha há cerca de 20 anos na Lagoa, desde 2019 que é nadador-salvador residente nas Piscinas da Lagoa © CATARINA TEIXEIRA/DL

DL: Um adolescente que tenha o sonho de ser nadador-salvador. O que precisa de fazer?
Cada salvamento é um salvamento, cada pessoa é uma pessoa. Nós temos pretensões e para se ser nadador-salvador, basta inscreveres-te na capitania, tirares o curso, teres sucesso, passares no curso. O curso está cada vez mais exigente porque assim tem de ser, porque estamos a trabalhar com vidas humanas.
Queria só acrescentar o seguinte: todos nós na vida devemos fazer aquilo que gostamos. Esses 21 anos representam muito e queria também dar um bem haja e um abraço forte aos lagoenses por terem acreditado e confiado no meu trabalho, até à data, e agradecer também à câmara municipal da Lagoa pela aposta em mim.

DL: És um homem satisfeito?
Estou um homem satisfeito e realizado.

Por Clife Botelho

Entrevista publicada na edição impressa de agosto de 2022

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