Beatriz Moreira da Silva
Um dia destes vou contar-te uma história,
d’onde era fácil encenar a sorrir;
Esboço d’uma fase repulsa de memória,
q’não devia ter durado nem perto de meia hora.
Batucos soarão que não estava sozinha,
chorando gritos sem escrúpulos mascarados de marfim;
Calmaria não confronta, não embala nem demonstra,
sobrepôs-se devaneios por pensar em mim.
Aterramento d’falhar naquela porta,
d’onde ojeriza tudo o que nunca nos fez deixar por um fim;
Não valeu o esforço mascarado de remorsos,
d’que já não importa nem retorno por um triz.
Soçobrar lentamente num vazio,
q’de copo cheio mereceu partir;
D’bocados putrefatos não se mendigam caminhos,
fétidos intoxicam o advir.
Nas cicatrizes diagrama de vitória:
E agora? Onde começa a história?
Já não importa!
Beatriz Moreira da Silva
Cansaço de receitas caseiras,
decorar auto diagnósticos;
Mesinhas de cura,
prescritas de outros tempos.
Trocar os planos c’mundo a desabar,
agarrar mãos antes do dia acabar;
Egoísmo incomodar,
por não se saber acomodar.
Chega de mansinho e pequenino,
difícil ser colo de alguém:
Quem nos preparou?
Ninguém nos contou!
Preocupação constante,
que arde em cada mísero aranhão.
E nós? Caladas na solidão,
lendo cores d’coração.
Correr no sufoco d’saber se respira,
não dormir angustiada,
porque te sentes noite e dia:
Coitada está perdida!
Ingratidão com comparações,
que não equivalem milhões;
De bom senso guarde opinião,
fique com ela na sua tradição.
Ser mãe é não saber estar de folga,
correr a toda a hora mesmo que ninguém te reconheça;
Estás mais bonita após maternidade!
E antes não tinha qualidade?
Maior benção da vida,
não te tira alma nem te coloca ira;
Se te portas fecharem,
agradece o desapego de quem nunca vai entender o que é ser amigo no desespero.
Tomar conta do mundo na eterna e mais vincula responsabilidade,
de amparar, acartar e consolidar;
Embalar d’consolo sob efeito de amar, de enraizar emoções e recordações,
que no futuro serão performance do teu trabalho, mesmo que te digam que falhaste.
Se vos parece um monólogo é assim que nos sentimos quando vos falham os olhos.
“A Viagem” é o título do livro de poesia da Irmã Tereza Fraga Teixeira, que foi apresentado no passado fim de semana, no Auditório Municipal da Povoação, de acordo com nota de imprensa da autarquia povoacense.
As poesias apresentadas em “A Viagem” foram, segundo a autora, inspiradas na sua experiência de vida pessoal e profissional e são já a sua segunda publicação. A primeira aconteceu em Portugal Continental, em 2015, intitulada “Saudades da Alma”, lê-se.
Ocasião foi organizada pela Associação Portas da Cultura, que contou com a colaboração da Classe de Ballet, da Academia de Música da Povoação “e de outros amigos, apaixonados pelas artes, que deram o seu contributo a declamar poemas, na cerimónia de apresentação deste livro”.
A irmã Tereza Fraga, também conhecida por irmã Benilde, nasceu numa pequena aldeia nas serras transmontanas, no concelho de Mondim de Basto, distrito de Vila Real, que cedo deixou a sua terra para seguir a sua vocação.
Depois de professar na Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, foi enviada às terras açorianas onde chegou a 4 de novembro de 1961, para exercer a sua missão na ilha do Faial. Com 83 anos de idade, costuma dizer que é açoriana de coração, pois por aqui trabalhou a maior parte da sua vida, residindo, presentemente, no Lar da Obra Social Madre Maria Clara, na Povoação, lê-se ainda, na mesma nota.
A cerimónia da apresentação do livro “A Viagem”, no Auditório Municipal da Povoação, contou também com o apoio da Câmara Municipal da Povoação, Estúdios Oliveira, Junta de Freguesia de Povoação e Cooperativa Celeiro da Terra.
Maria do Céu Fraga
Professora e camonista
A tentativa de desenhar ou antecipar o porvir instalou-se inegavelmente na nossa vida diária e, a par do culto do contemporâneo, produz uma inquietação que leva à desvalorização mais ou menos passiva ou voluntária do passado. Não obstante, no centro da nossa literatura – ao falarmos, seja de criação, seja de crítica e história literárias – continuamos a encontrar, naturalmente, Luís de Camões e a dialogar com a sua obra. E neste ano em que se celebram 500 anos do nascimento do Poeta, a reflexão impõe-se: de onde nasce este imperativo da presença de Camões na nossa sociedade? O que representa a sua obra na cultura dos nossos dias? O que vale e para que serve?
Poucos livros e raros escritores resistem à usura do tempo. Muitos atingem notoriedade na sua época, são lidos, louvados e discutidos porque correspondem circunstancialmente às exigências do seu tempo e da sociedade, mas passados alguns anos ou décadas envelhecem nas estantes e apenas quem os leu deles guarda memória. Outros, nem isso. Ora tanto Os Lusíadas, publicados em 1572, como as Rimas, postumamente reunidas e publicadas em 1595, resistiram, impuseram o nome do seu autor e conservam o poder de nos interessar e comover a cada leitura. São obras de natureza muito diversa, mas numa e noutra nos reconhecemos, individual e colectivamente, no orgulho da partilha de uma língua nobilitada pelo trabalho poético, no espírito épico que percorre a História nacional, na constante interrogação sobre o lugar do homem no universo, na multiplicidade de cambiantes sentimentais que coexistem em cada um de nós, apesar de se contradizerem, e nos fazem reconhecer a glória e a miséria humana.
O interesse pela obra leva-nos também, de forma natural, à curiosidade pelo Poeta, pela sua vida, pela sua inserção no mundo histórico e social. Daí, em parte, o interesse que renasce nos nossos dias pelo valor testemunhal das cartas em prosa que lhe são atribuídas, bem como pelos pormenores de uma biografia em que, desde o próprio século XVI, se sentiu haver aspectos a deixar no esquecimento.
Camões vive numa época em que os poetas “vão a tudo”, como dizia Sá de Miranda, que, por volta de 1526, introduziu entre nós as formas da poesia renascentista e, com elas, a possibilidade de adoptar literariamente os ideais humanamente representativos da sua época. Sá de Miranda é da geração anterior a Camões, e foi ele quem primeiro compôs, em português, sonetos e canções, por exemplo, passando de um verso curto de 7 sílabas, típico da poesia peninsular (ainda hoje persiste na poesia popular) para um verso longo, em que 10 sílabas permitem uma maior discursividade.
Nos finais do século XV e ao longo do século XVI, em Portugal como na restante Europa, às letras foi confiado o papel de reordenar o mundo, construindo racionalmente a sociedade e o homem. Ao escritor, os humanistas apontaram o poder da palavra, exigindo que a cultura fosse responsabilizada pelo aperfeiçoamento pessoal e cívico. E, dobrada a primeira metade do século XVI, as letras tinham ganho um vigor que era alimentado, em grande parte, pela política da Coroa, nomeadamente pela acção de D. Manuel e depois pela de D. João III, e acompanhava alterações da vida política e social. A formação de novos padrões ideais do cortesão não esquecia o papel das armas, mas contemplava também o amor, a dignidade humana e as letras.
Até ao início do século XVI, os portugueses tinham visto na poesia sobretudo uma forma de entretenimento e de convivialidade – o brilho dos serões da corte real portuguesa nos finais do século XV e início do XVI perpassa nas trovas do Cancioneiro Geral, publicado em 1516. Ora, na linguagem chã e expressiva que lhe é característica, Sá de Miranda garantia que não há temas vedados aos Poetas; mais ainda, caber-lhes-ia o esclarecimento dos responsáveis políticos.
Sem perder a sua função de comunicação sublimada e de jogo social, cortesão, a literatura passará também a ser responsável por revelar um mundo novo, artisticamente imaginado e aperfeiçoado; ao lado da descoberta científica, a sociedade consagrava espaço para o conhecimento e para a reflexão acerca do próprio homem, do seu lugar no universo, da individualidade de cada um.
“Os poetas vão a tudo” – e Camões vai a tudo. Total e apaixonado de cada vez, não há temas ou atitudes que considere estarem fora da sua esfera de reflexão, mesmo se puderam parecer inconvenientes a alguns críticos.
No fundo, ao lermos Camões e ao tentarmos criar uma imagem sua, tomamos bem consciência de ser próprio da condição humana que a unidade da personalidade, individual ou colectiva, não se faz pelo sacrifício do que “salta fora” da racionalidade exigida a quem constrói literariamente uma personagem fictícia. O sentimento épico e o elegíaco, o tom dramático e o desespero trágico não excluem o amor delicado ou o bucolismo lírico com que convivem e com que muitas vezes se entrecruzam. Seja quando se alegra ou se entristece, seja quando se revolta ou aceita as incertezas e contradições que sente e que sabe fazerem parte de si próprio e da nossa condição, Camões afirma em cada poema a sua própria dignidade.
E com isso, lendo Camões, reencontramos o mundo e somos livres para o imaginarmos.
O escritor João de Melo, natural da Achadinha, voltou ao Nordeste, no passado dia 24 de maio, para um serão literário e apresentação do seu mais recente livro de poesia “Longos Versos Longos”.
A nova obra, lançada em janeiro deste ano e editada pela Dom Quixote, é o regresso do escritor açoriano à poesia, após 44 anos. “Navegação da Terra”, publicado em 1980, era até agora o único livro de poemas de João de Melo.
Em conversa ao Diário da Lagoa (DL), o premiado escritor nordestense, residente no continente, promete dedicar-se à poesia a partir de agora, porque, mesmo na prosa, “sempre” foi um poeta, considera.
“Este livro tem uma história longa, antiga, e é constituída por versos, poemas, que fui fazendo ao longo de muito tempo, e que fui deixando em arquivo, assim como muitos outros, que estão em arquivo e que darão para mais livros”, conta João de Melo.
A que se deveu este regresso ao género lírico? “Regressei à poesia porque concluí que afinal era um absurdo estar a colocar tudo na prosa, onde já escrevi tudo o que tinha a dizer. Os “Longos versos Longos” são um regresso, não apenas ao passado poético que tenho, mas também ao presente e ao meu futuro próximo. Pretendo, a partir de agora, continuar a publicar poesia, porque mesmo na prosa, sempre fui um poeta. Das coisas que mais gosto de fazer é a poesia. É-me tão natural fazer poesia,” sente.
Com 112 páginas, “Longos Versos Longos” aborda temas diversos, como o amor, vida, terra, destino e angústias. “Existe toda uma sequência de poemas, que têm a ilha como tema. Depois, há outras sequências com um carácter filosófico muito discreto e abordagens diversas ao quotidiano,” realça o poeta.
João de Melo pretende que a sua poesia “seja quotidiana, e não arredada das pessoas. Quero que os leitores se revejam em algo da poesia, para que seja uma poesia não apenas do autor, mas também dos leitores”.
O evento, que decorreu no Centro Municipal de Atividades Culturais, no serão de 24 de maio, arrancou com a apresentação “Divulgação cultural na Casa João de Melo”. Foi ainda apresentada a entrevista sobre o autor, “A infância é eterna num escritor”, bem como o debate “O papel das vivências pessoais na produção literária”.
A noite clara de lua cheia iluminou o serão cultural no Centro de Atividades Culturais do Nordeste para a apresentação do livro “Longos versos longos”, do documentário “A infância é eterna num escritor” e, ainda, em jeito de surpresa, a entrega por parte de João de Melo do seu mais recente livro, “Lisboa”, obra que será apresentada em junho, na feira do livro da capital portuguesa.
Foram cerca de duas horas de cultura genuína e singela que cativaram os presentes. Ao seu jeito, João de Melo abordou temas que dizem muito aos açorianos, detendo-lhes a atenção pela excelência do seu discurso e por ser um escritor cujas características, entre as quais a simplicidade, agrada a todos.
Desde logo, a entrega do livro “Lisboa”, cuja apresentação oficial apenas acontecerá dentro de alguns dias, e que já se encontra patente no edifício da biblioteca municipal do Nordeste.
Recebido por Marco Mourão, vice-presidente da Câmara Municipal do Nordeste, João de Melo foi acompanhado numa visita às novas instalações do espaço, na qual se encontra uma estante dedicada ao escritor com todas as obras por ele publicadas, às quais agora se junta “Lisboa”.
“Este último livro surge como pagamento da dívida à cidade onde vivo e vivi a maior parte da minha vida, como sendo a cidade da razão, porque a emotiva continua a ser de ilhéu”, explicou o escritor.
Antes disso, participou na sessão cultural organizada pelo município, de apresentação pública do testemunho audiovisual de um dos escritores mais aclamados da literatura atual, conduzido pela professora Susana Goulart Costa, da Universidade dos Açores.
A sugestão de recolher o testemunho partiu da professora e foi acolhido pelo município, tendo sido gravado na casa onde viveu o escritor, na freguesia da Achadinha, no qual João de Melo dá a conhecer ao público as experiências de vida que moldaram as suas obras, sendo composto de uma segunda parte cuja data de exibição será oportunamente anunciada e que será feita na Casa João de Melo.
O documentário “A infância é eterna num escritor”, serviu de inspiração para que o município do Nordeste convidasse outros dois escritores a juntarem-se a João de Melo noutro momento cultural da sessão, designadamente, a professora Paula de Sousa Lima e João Pedro Porto, para um debate à volta das vivências pessoais na produção literária.
A sessão foi aberta pelo presidente da autarquia, António Miguel Soares, que salientou a “grande aposta que a autarquia tem feito na divulgação da Casa João de Melo, atraindo várias iniciativas de artistas, estudantes e grupos locais, que encontram naquele espaço um local onde podem apresentar trabalhos, estudar, ler, conviver e conhecer um pouco da história e cultura do Nordeste, da Achadinha e do escritor João de Melo”.