”Margarida Medeiros in Continuar a viver – imagens de um quotidiano açoriano, Laudalino da Ponte Pacheco, 1963 -1975, Araucária, 2021.
O arquivo de Laudalino da Ponte Pacheco (1921-1998) foi depositado pela família deste fotógrafo em 2018, na Santa Casa da Misericórdia do Divino Espírito Santo da Maia, é constituído por uma coleção de cerca de 155 mil fotografias, objetos e alguns filmes.
Trata-se de uma coleção de imagens fascinantes, as quais não deixam ninguém indiferente, diria que despertam no observador uma inquietação e um fascínio instantâneos, talvez porque nos permitem a imersão num tempo e num território. Este arquivo permite a apreensão do social, do antropológico e etnográfico da ilha de São Miguel e dos Açores em geral.
Além de ser um recurso para a compreensão deste território, provoca em quem as frui emoções diversas, como espanto, descoberta, saudade, tristeza, alegria e beleza.
Por serem imagens fortes e significativas, dilatam o tempo e o espaço, além de terem o poder de ativar memórias, interpelam e questionam, fazem pensar, permitindo construir novas narrativas e outras leituras do passado e do presente, eventualmente ajudam a construir um caminho coletivo do futuro.
Trata-se de um acervo que é um recurso sociológico, uma ferramenta preciosa para um melhor conhecimento de São Miguel, através do olhar de alguém que pertence à comunidade, retrata a vida quotidiana, a vida doméstica, o trabalho, as festividades, os ritos, a infância, a doença, a morte, os animais, as plantas, as dificuldades, as oportunidades, os desejos, as alegrias, as tristezas, as partidas e as chegadas.
O “retratista da Maia”, nasceu na freguesia da Ribeirinha, na ilha de São Miguel, no dia 25 de junho de 1921, numa altura em que os seus pais, José Remígio e Maria das Mercês da Ponte Remígio, naturais da Maia (São Miguel), trabalharam, como feitores, na granja do Lameiro, propriedade da “marquesa”. Os pais de Laudalino tiveram cinco filhos, Laudalino o mais velho, Elvira, José, Cidalisa e Dionísio. O casal regressou à Maia quando Laudalino era ainda uma criança de dois anos, e foi na Maia que viveu toda a sua vida, tendo falecido no dia 7 de agosto de 1998.
Laudalino fez a 4ª classe, tendo em seguida começado a trabalhar na fábrica de Tabaco da Maia, laborou nesta unidade fabril durante 50 anos, onde realizou várias tarefas, no entanto, foi como escriturário que se destacou e especializou. A formação e o exercício desta função fez com que adquirisse um método eficaz de registo e de organização, que aplicou no ofício de fotógrafo.
Foi na fábrica de Tabaco que conheceu Maria dos Anjos Medeiros, casaram em 1957, tiveram três filhos, Paula Maria (1958-2022), Mercês (1960) e Laudalino (1965).
As várias pessoas que entrevistei sobre Laudalino, foram unânimes na afirmação de determinadas características da sua personalidade: “era um homem muito imaginativo, muito talentoso, um engenhocas, divertido, cumpridor, trabalhador e fura vidas, muito dotado, com um grande fascínio pelas novas tecnologias”, referiu João Bulhões.
“Quando foi construída a “casa nova”, em 1964, o meu pai instalou nela toda a rede elétrica, apesar de não haver eletricidade pública na Maia, e esta só ter chegado nos finais dos anos 70. Na época das festas religiosas da freguesia, a igreja era toda enfeitada e iluminada com luz elétrica através de um gerador, então o meu pai puxava a corrente, e a nossa casa ficava toda iluminada, constituindo uma atração da freguesia. Este episódio demonstra bem como ele era uma pessoa muito à frente!” — relatou o filho.
Foi provavelmente em 1953 que o irmão mais novo de Laudalino, Dionísio, emigrado no Canadá, em Montreal, enviou-lhe aquela que seria a sua primeira câmara fotográfica. Este “engenho” veio mudar a sua vida. A sua personalidade curiosa e empreendedora, aliadas à posse daquele novo artefacto, constituíram ingredientes para uma mudança do seu destino, levando-o a uma nova etapa da sua vida.
Assim iniciou o seu percurso como fotógrafo, montou um pequeno negócio que conciliou com o trabalho na fábrica de Tabaco. Maria dos Anjos foi a sua principal colaboradora, contudo toda a família se envolveu no empreendimento. José Remígio, o irmão que trabalhava nas camionetas, Caetano Raposo Pereira, levava, às segundas-feiras, os rolos com os negativos para a cidade (Ponta Delgada), entregando-os no “Nóbrega” (foto Nóbrega), trazendo as imagens reveladas na semana seguinte.
O negócio foi florescendo com o registo de momentos do quotidiano da vida na comunidade onde vivia, as fotos que sobravam no rolo eram a oportunidade para registar e experimentar novos disparos e enquadramentos.
O seu percurso fotográfico iniciou-se na Maia, com a expansão do negócio aumentou o seu raio de ação, estendendo-o a novas geografias, começou pelas freguesias vizinhas e depois foi indo mais além na ilha de São Miguel. Há também registos fotográficos no Canadá, para onde viajou duas vezes.
Era ao domingo que Laudalino ia à procura do “negócio”, novas imagens, procurando atrair novos clientes. Quando o negócio gerou algum dinheiro, Laudalino, que primeiro usou a bicicleta para se deslocar, investiu numa moto, e lá ia ele, “o retratista da Maia” como era conhecido, com a mulher, e, por vezes, com uma das filhas, todos na mota para captar novas imagens nas redondezas da Maia.
E assim, Laudalino foi adquirindo, ao longo dos anos, experiência e conhecimento sobre fotografia, sendo um homem muito curioso, além de habilidoso, talentoso e sensível, procurou saber e aprender mais. Também procurou apoio e conhecimento junto do fotógrafo mais bem estabelecido em Ponta Delgada, Gilberto Nóbrega, madeirense que em 1940 se radicou em Ponta Delgada e criando a maior casa de fotografia da ilha, à semelhança da Casa Vivente no Funchal, onde havia trabalhado.
A vida e a obra de Laudalino já suscitaram pequenas exposições, comunicações e um livro publicado pela editora Araucária, em 2021, no qual participei, redigindo a biografia do fotógrafo. Atualmente, um grupo de interessados (onde me incluo), está a preparar uma exposição sobre Laudalino da Ponta Pacheco, que será realizada no Museu Carlos Machado, em parceria com a família de Laudalino da Ponte Pacheco, a Santa Casa da Misericórdia do Espírito Santo da Maia e o Município da Ribeira Grande.
Uma exposição que propõem percursos e programação diversificada, a partir do arquivo de Laudalino Pacheco, com fotografias, com objetos, com testemunhos, com a contextualização do espaço e do tempo, envolvendo diálogos com artefactos, objetos, pessoas, propondo interpretações variadas, convocando à participação cidadã e à construção de outras narrativas sobre a história do território de São Miguel e dos Açores.