Apesar da crescente abertura de mentalidades para a diversidade de orientações sexuais, identidades e expressões de género, a comunidade LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Intersexo e outros) ainda sofre discriminação dentro da sociedade açoriana, segundo as entidades que apoiam a população LGBTI+.
No mês em que se celebra o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia, o Diário da Lagoa (DL) esteve à conversa com o centro (A)MAR – Açores pela Diversidade, e As Cores dos Açores para perceber a dimensão da discriminação nos Açores.
Solange Ponte é uma das fundadoras do (A)MAR, da Associação de Planeamento Familiar (APF), que oferece serviços especializados de apoio e suporte à comunidade LGBTI+ e seus familiares. “O que não se vê é como se não existisse. Parece que não há, na nossa região, discriminação, mas existe, e muita”, denúncia Solange Ponte, psicóloga clínica e forense.
O (A)MAR oferece acompanhamento psicológico e psicossocial, tendo já recebido, desde a sua fundação, em 2021, cerca de 270 atendimentos presenciais. “As pessoas que chegam até nós, muitas vezes, vêm com algum sentimento de tristeza, de injustiça, porque sentiram discriminação”.
Solange Ponte diz que muita discriminação acontece em contexto escolar, por exemplo, através do bullying homofóbico, ou quando um estudante expõe a sexualidade de um colega que ainda não se assumiu.
Há também várias situações discriminatórias contra os jovens transexuais, aponta a psicóloga, e no acesso destes às casas de banho. “Muitas das vezes vêm os seus direitos negados. Já tivemos casos em que os jovens tiveram de utilizar a casa de banho dos deficientes”. Relativamente ao nome, por vezes, “os jovens que já estão em processo de transição querem utilizar o seu novo nome, mas as estruturas à sua volta não são sensíveis e chamam a pessoa pelo seu nome anterior. Este é um ataque agressivo à identidade da pessoa”.
O coordenador de As Cores dos Açores, núcleo da Opus Diversidades, Pedro Garcia, diz que, pelo menos no contexto de São Miguel, tem havido “maior abertura e aceitação de gays, lésbicas e bissexuais”. Contudo, relativamente à transsexualidade, ainda se vê mais resistência da sociedade. Não é um conceito generalista, mas é o que tem mais tendência”.
No entanto, ressalva, “relativamente ao preconceito contra os homossexuais, apesar de ter diminuído, não desapareceu. Ainda continuamos a ver comentários por duas pessoas do mesmo sexo andarem de mãos dadas na rua” e “ainda vemos as ditas terapias de reconversação sexual”, lamenta.
De acordo com As Cores dos Açores, há também ainda um caminho a percorrer na questão das expressões de género: “Há pessoas que não respeitam os diferentes estilos de roupa. Estamos a falar de uma simples expressão, o facto de um homem pintar as unhas ou usar maquiagem”.
Segundo Solange Ponte, “há pessoas que lutam toda a vida por assumir-se e não o fazem, porque têm medo das represálias e então preferem isolar-se e ficar invisíveis”.
Grande parte da discriminação também se dá no seio familiar. De acordo com as associações, há pais que não aceitam a orientação/identidade dos filhos, e muitos são expulsos de casa.
“Para uma grande parte de jovens que nos chega, os pais não aceitam a sua orientação ou identidade. Grande parte da discriminação vem do meio familiar”, acusa Solange Ponte. “Chegam-nos casos em que os pais ou as mães não aceitam a orientação sexual dos filhos e os jovens são colocados na rua”.
Pedro Garcia também denuncia a situação: “Há famílias que aceitam pessoas LGBTI, mas não aceitam que os seus próprios filhos ou familiares sejam LGBTI. Isso causa grande discrepância”. Todavia, a região não tem nenhuma resposta para essas pessoas”, expõe o ativista. “É um dos projetos que gostaríamos de, um dia, implementar na região”, revela.
Pedro Garcia defende que uma casa-abrigo “faria todo o sentido”, não só no contexto de acolher estas pessoas até terem condições, mas também para as de outras ilhas que venham fazer transição de sexo e precisem de um porto seguro”.
Também o (A)MAR salienta a necessidade de uma casa-abrigo LGBTI+. “É preciso criar uma resposta especializada para a comunidade. Podem haver casos de violência entre casais homossexuais e famílias que expulsam os filhos. Muitas vezes, são colocados em abrigos de outras dinâmicas. Há que repensar isso. O futuro passa por criar uma casa-abrigo”, defende Solange Ponte.
A coordenadora da APF lamenta ainda que não haja dados da discriminação na região: “Não existe um retrato estatístico e os vários quadrantes da sociedade estarem preparados. Trabalhamos com outras entidades, para que, quando recebermos um caso, encaminharmos para as devidas estruturas e conseguirmos ter um retrato estatístico de quantas pessoas sofrem descriminação”.
A 17 de maio de 1990, a homosexualidade foi excluída da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, motivo pelo qual o dia foi escolhido para assinalar o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia.
Para Pedro Garcia, este dia é importante para mobilizar entidades. “Continuamos a ter uma sociedade onde as oportunidades de trabalho não são iguais. Também nas questões da saúde e tendo em conta o contexto atual, em que os discursos de ódio têm aumentado”.
Já para o (A)MAR, é um dia “reflexivo, de consciencialização. É o dia de tornar visível todo o trabalho que fazemos e a importância de se continuar a trabalhar nos direitos da população LGBTI, todos em sintonia e envolver toda a sociedade. É importante para que as pessoas se sintam seguras”.
Para Solange Ponte, “temos direito de estar de igual forma na sociedade. Sabemos que há na nossa história uma sociedade muito heteronormativa. Temos de ir quebrando isso e fazer perceber que todas as pessoas têm os mesmos direitos, independentemente da sua identidade de género, expressão, e orientação sexual. Temos de trabalhar para que a sociedade seja inclusiva. A sociedade é feita de diversidade”.