Log in

“O problema é que eu criei amor a isto e não há ninguém para continuar”

A “oficina mais antiga dos Açores”, situada na cidade da Lagoa, fecha portas no final de 2024. O proprietário, Manuel António Cordeiro Sousa conta ao Diário da Lagoa a sua história de vida, as dificuldades que enfrentou e o amor que sempre sentirá por este negócio

Manuel Sousa, de 73 anos, é o proprietário do stand que pertencia ao seu sogro António Joaquim Borges Junior © DL

Num sábado de manhã, onde há décadas o Stand Malassada, de António Joaquim Borges Junior, se encontrava repleto de pessoas para serem atendidas, hoje encontra-se vazio, mas nunca de porta fechada. Na oficina entram, ainda, os clientes mais fieis e, sentado atrás da sua bancada, encontra-se Manuel Sousa, que mesmo na última semana, continua dedicado ao seu trabalho e, neste dia, recebe também o nosso jornal para connosco registar a sua história.

Manuel Sousa, de 73 anos, começa por contar ao Diário da Lagoa (DL), que vem de uma “família de sete irmãos”, é natural de São Pedro, em Ponta Delgada, e nem sempre trabalhou no Stand Malassada. “Esta oficina não era minha”, explica. Só aos 40 anos é que oficialmente lá começa a trabalhar. Este era um negócio que pertencia ao seu sogro, António Joaquim Borges Junior, conhecido por “Malassada”, cuja fotografia se encontra exposta numa das paredes da oficina, ao pé do diploma municipal de mérito que Manuel terá recebido pelo sogro, após a sua morte.

Inicialmente, Manuel trabalhou na alfândega, em Ponta Delgada e, nesta altura, já ajudava, ao mesmo tempo, o seu sogro com o stand “na parte da escrita”, porque “namorava a sua filha”, afirma. Após 13 anos, foi convocado para a Guerra do Ultramar, na Guiné. “Estive na guerra, mas foi um milagre, porque fiquei colocado no hospital militar”, conta. Quando regressa a São Miguel, percebe que o trabalho na alfândega já não suportava a “vida mais cara” que se vivia na altura e, como tinha toda a sua família na “América e Canadá”, decide juntar-se a eles, em busca de uma vida melhor. “O meu pai fez-me a carta de chamada e foi mais rápido, mas depois voltei para cá para casar e para lá de novo regressei”.

Mesmo durante os quatro anos em que viveu noutro continente, parte da sua vida era dedicada também ao stand. “Eu estava lá fora e o meu sogro mandava o material para que eu fizesse o preço da mercadoria, porque ele não sabia”. Foi dois anos após o nascimento do seu filho que voltou definitivamente para os Açores, “mas tive azar quando cheguei cá”, relata.

É com a lágrima a cair-lhe pelo rosto que Manuel descreve o acidente que mudou para sempre a sua vida. “15 dias depois de cá estar”, aos 40 anos de idade, sofre um acidente de mota que o limitou muito enquanto pessoa e trabalhador. Com a falta de médicos, medicamentos e condições que havia na altura, viu-se obrigado a viver com o seu problema na perna, que, apesar de o deixar sem andar autonomamente nos primeiros tempos, nunca o fez parar de trabalhar.

Após este azar começa, oficialmente, a trabalhar na oficina com o seu cunhado, numa altura onde o seu sogro já se reformara. Explica ao DL que, a princípio, não percebia muito de “motas” e não sabia fazer “muitas coisas na oficina”, mas que, “agarrou nisto com vontade e gosto”. “O meu sogro faleceu e, ao fim de uns anos, o meu cunhado reformou-se por questões de doença e eu continuei aqui”, acrescenta.
A diminuição do trabalho começou a ser visível aos olhos do novo proprietário, “quando começou a venda das carrinhas e de mais carros”. Um negócio que se focava maioritariamente na venda de “moto carrinhas” perde cada vez mais clientes. Com tristeza nos olhos, Manuel afirma que “as novas gerações” não querem dar continuidade “ao seu negócio”, confessa ter tentado que alguém mais novo comprasse o stand, mas que não teve sorte. Sente-se esquecido no meio das “novas tecnologias” e demonstra sentir muita saudade de como a vida era antigamente, porque “era outra convivência e a malta nova está toda muito diferente”, diz. Acrescenta, ainda, que, na sua perspetiva, “a questão do negócio na Lagoa está cada vez pior”. “A Lagoa cresceu muito, mas tornou-se num local para dormir”, afirma enquanto o terceiro cliente da manhã entra na loja.

Fechar o Stand Malassada depois de tantos anos 

Manuel emociona-se ao referir que lhe “custa” não ter mais “forças” para manter o stand aberto. O medo de estar lá sozinho, visto ter sofrido assaltos nos últimos tempos, também contribui para a sua decisão de fechar. “O problema é que eu criei amor a isto e não há ninguém para continuar o negócio”, explica. O enorme gosto que tem pelo seu trabalho fê-lo conseguir manter a oficina de pé, mesmo depois de reformado. “Se eu tivesse forças sempre, isto nunca fechava”, garante.

No entanto, o hábito do trabalho fá-lo continuar o negócio por mais uns tempos, através da garagem de sua casa. “Vou transferir todo o material que aqui tenho das bicicletas elétricas para a minha garagem e vou ajudando quem precisa da minha ajuda, com o que não exija muita força”, conclui.

avatar-custom

Carina SilvaColaboradora

avatar-custom

Clife BotelhoDirector

Os leitores são a força do nosso jornal

Subscreva, apoie o Diário da Lagoa. Ao valorizar o nosso trabalho está a ajudar-nos a marcar a diferença, através do jornalismo de proximidade. Assim levamos até si as notícias que contam.

Deja una respuesta

Tu dirección de correo electrónico no será publicada. Los campos obligatorios están marcados con *

CAPTCHA ImageCambiar Imagen